sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A noite sobre a aldeia de papel

As mãos ensanguentadas de fome
ao cair a noite sobre a aldeia de papel
o vento leva todos os sorrisos da tarde
e o céu absorve as lágrimas de sofrimento

uma criança inventada
chora em cima da copa de uma árvore
imaginada
por uma miúda refilona

uma menina traquina
saltitando de rio em rio
e de mar em mar

até se deitar sobre a areia fina dos sonhos
engraçadinha
preguiçosa
menina teimosa
como um lírio voando desalinhado dentro dos pontos cardeais
e à lua toca com os lábios de saudade
comendo as estrelas azuis
e os pontos de luz pintados de esperança
antes de acordar a madrugada
as mãos ensanguentadas de fome
ao cair a noite sobre a aldeia de papel
o vento leva todos os sorrisos da tarde

(uma menina traquina
saltitando de rio em rio
e de mar em mar)

sem perceber que o vento
que o vento leva todos os sorrisos da tarde...

(poema não revisto)

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

À boca a tua louca janela

Sossego
entre as palavras caídas
das nuvens de veludo púrpura
à boca
sossego dos lábios incandescentes
quando do desejo cresce a vergonha de olhar o céu
louca
a manhã em ressaca depois da noite murmurada em poemas doentes
às palavras indesejadas
à boca
louca
majestosos cansaços nos pilares da morte

louca

sossego
quando escreves na minha lápide invisível
(aqui jaz um grande filho da puta)
eu
em sossego
entre as palavras caídas
das sandálias com tiras de couro
e um triciclo de madeira
esquecido
magoado
triste debaixo das mangueiras trucidadas pelas balas sem destino
eu menino
voo sobre o musseque de incógnitas e equações clandestinas

louca

a boca
a tua boca
quando engole o meu corpo em pequenos recortes de jornal

à boca
a louca clandestina memória da infância

(aqui jaz um grande filho da puta)

um menino em calções que sonha roubar o mar de Luanda...

(poema não revisto)

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Viagem

Dizem-me que regressaste
e sofres
como a noite se dissolve nas rochas infinitamente amarguradas
e sofres
como uma cratera à volta da lua
loucamente sofrendo as dores do inferno

(regressaste
e sofres)

e dormes profundamente nas areias do caos.

(poema não revisto)

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Do amor das palavras

Do amor das palavras os rios de insónia
nas viagens sobre a aldeia de xisto
com janelas de amêndoa e telhados de chocolate

os cigarros imaginários que caminham no corredor da morte
sinto-os
sinto-os encostados às portas do sofrimento
quando o mar da paixão morre entre os degraus e não consegue poisar no sótão
sinto-os em sussurros
nos gemidos da noite obscura

o corpo nu da mulher embrulha-se nas paredes de gesso
construídas com migalhas de livros
e velhas sílabas pertencentes a poemas mortos
os pássaros cheiram a tinta acrílica
e as abelhas fogem pelas frestas como olhos de vidro
que vivem nas paredes de gesso do sótão de areia

do amor
apenas silêncio
do amor
apenas noites acorrentadas a rios de insónia

as pedras e os livros e as mãos da mulher nua suspensa nas paredes de gesso
do amor
e todos os pássaros em direcção ao mar da felicidade
as pedras e os livros e os lábios da mulher nua
e o mar da paixão
apenas silêncio

e a minha vida
uma rua de uma cidade morta
uma rua nua e escura
sem saída
amarga no chão semeado de mangas
e o céu pintado de capim

(E espero pacientemente que a cidade de Luanda me engula
como engoliu o meu chapelhudo
e o meu triciclo
e todos os meus sonhos).

(Poema não revisto)

Cachimbo de Água em destaque


segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Como tantos outros dias

Submeto-me à inquietação líquida das palavras inventadas
quando deixas cair das tuas mãos
os pequenos silêncios embrulhados em lágrimas de açúcar

fico cansado ao escutar os teus murmúrios de insónia
oiço as palavras inventadas suspensas no tecto da solidão
e vejo na abobada celeste os finíssimos sorrisos do final do verão

há barcos de papel sobre a imunda minha secretária de madeira morta de incenso
há marés de olhares em todos os livros que li
e possivelmente deixarei de ler
(cansei-me dos livros e das noites sem estrelas de abelhas)
ou então aproveitarei todos os segundos para procurar nas palavras
os búzios invisíveis dos visitantes nocturnos
que me procuram sem que eu perceba que nos seus lábios
existem sílabas de suor com chá e torradas

segunda-feira
um dia de “merda” como tantos outros dias de “merda”

há cigarros
sobre a minha secretária de papel
onde brincam barcos de madeira
hoje
segunda-feira
um dia perfeitamente estúpido e sem cabeça.

(poema não revisto)

os vinhedos desassossegados da manhã

quando o corpo é um amontoado de destroços orgânicos
e o coração uma pedra de xisto romântica
entalada entre a montanha e o rio
à espera que desça a noite sobre os vinhedos desassossegados da manhã

quando o corpo se ergue para se abraçar na longínqua solidão
e o vento suave inventa bolhas de sabão
e palavras de amor

quando o rio se transforma em jardim
e as árvores vestem-se de pássaros
e nas ruas da cidade
constroem-se sonhos de meninos

(poema não revisto)

domingo, 2 de setembro de 2012

livres como os pássaros pintados no mural do esquecimento

atravessávamos o espelho do amor
e com a tua mão entrelaçada na minha
viajávamos como crianças loucas
em direcção aos pontos de luz

brincávamos com os teus cabelos suspensos no topo das estrelas
e um silêncio lânguido crescia no coração de uma flor
vivíamos dentro de uma seara sem fronteiras
e éramos livres como os pássaros pintados no mural do esquecimento

os rios emagreciam
choravam

e longas filas de mel
adormeciam nas janelas da noite
os rios emagreciam
como emagrecem os meus sonhos

(e tenho a certeza que nunca irei abraçar-te).

sábado, 1 de setembro de 2012

As estrelas sem nome

Escolho a primeira pedra do amanhecer
e abdico do desejo a que tenho direito
deixaram de me interessar os desejos e os sonhos
escolho a primeira pedra do amanhecer
e espero que os pássaros na acácia madrugada
desçam para junto do mar
e que da terra vermelha
cresçam as migalhas de suor que alimentam as estrelas sem nome

sem terra
sem destino
sem amigos
apenas entre as pedras da calçada
ruas desertas nas esplanadas imaginadas por um solitário louco
e mendigos com uma sebenta na algibeira
e cigarros de enrolar com que escrevem palavras
na sebenta sem terra sem destino sem amigos....

(as estrelas sem nome)

escolho a primeira pedra do amanhecer
e acredito que um dia
regressarei aos teus braços embrulhados no mar
no mar sem terra sem destino e sem amigos
um mar só meu
um mar com barcos de brincar
e papagaios de papel no céu nocturno da solidão
antes do cacimbo adormecer nos teus ossos de silêncio infância.

(poema não revisto)