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quarta-feira, 24 de maio de 2023

Paisagem de Inverno

 

(desenho de Francisco Luís Fontinha)

 

 

Não tínhamos nada

Do nada que tínhamos.

 

Tirando isso

Éramos todos felizes,

Eu desenhava e escrevia à porta de casa

(fazia poemas e desenhos ao domicílio)

Ela

Ela vendia cigarros para engordar

E lembrei-me logo

Se eu estou tão magro…

Vai uns cigarrinhos…

e…

nada,

 

Fumei

Fumei

Fumei

Sempre magro e elegante como um varão de aço

Quatro ferros de dezasseis

Oito ferros de doze

Nos estribos ferro de seis

Afastados dez centímetros,

 

Sentava-me

A menina passava

Olhava-me

Sorria-me

E…

Faça-me um poema

Meu artista…

Que artista sei que fui

Que artista sempre serei

De várias artes

De vários ofícios,

 

E lá lhe fiz o poema…

Menina

Desculpe

É para o seu namorado

Ou

Namorada?

É para a minha amada,

Compreendi

Perfeitamente

Vamos recomeçar a aula,

 

Então é assim,

 

 

Dos teus olhos aquela paisagem de Inverno

 

 

Abraçava-te na lentidão de um relógio invisível

Abraçava-te tanto

Que nos perdíamos dentro de um cortinado de sono

Abraçava-te e mexia no teu cabelo de silêncio

Enrolava-o no dedo

E sentia o meu seio no teu ombro

Aos poucos

Morriam as horas

Mas muito antes

Já tinham partido todos os segundos

E todos os minutos

Apenas uma hora

Uma qualquer hora

Ficou junto a nós…

E poisou no teu púbis,

 

Abraçava-te sabendo que Deus desligou agora mesmo…

A luminosidade das cerca dos dez sextilhões de estrelas

Cem biliões de galáxias…

(e há parvos e parvas que julgam ser o centro de tudo, quando são o centro de nada)

Abraçava-te e ao mesmo tempo

Questionava Deus…

Porquê?

 

E dos teus olhos

Minha galáxia das manhãs em geada

Dos teus olhos

As primeiras lágrimas da tua pele…

E com medo que a única hora que tínhamos…

Morresse também

Beijo-te loucamente

Até que uma nuvem de luz poisou nos teus lábios

 

Da tua querida que te ama,

 

Olhe

Menina

Não tenho muito jeito para estas coisas

Mas…

Olhe…

Foi o que me saiu

Ela pega na pequena folha em papel

E enquanto lia

Percebi que no rosto dela…

Brincavam pequeninas gotículas de saudade…

Chorou

Olhou-me…

Perfeito

Quanto é?

Olhe

Pelo poema são cinco euros

E pela assinatura…

Quarenta cêntimos de euros

Pagou-me

E

 

O beijo

Constrói-se aos poucos

O beijo é como o acordar das borboletas

O beijo sai do poema

Salta a rede de vedação…

E procura incessantemente a boca…

 

Palavras

Palavras meu amor

Palavras

Dias

Noites

E mais palavras

Menos as outras palavras

O poema é assim mesmo…

É como o beijo

É como a chuva

Nem todos beijam

E quase todos se molham,

 

E troco palavras por beijos

Beijos por livros usados

Livros usados por outros livros usados

E troco o silêncio

E apenas

Por outro silêncio,

 

Chateia-me

Revolta-me

Saber que existem crianças

Que não são crianças como eu fui…

Eu

Que fui desejado

Que fui muito amado

E feliz

Ainda eu

Às vezes

Me queixo da puta da vida…

E que dirão estas crianças da puta da vida e de um Deus pacientemente sentado numa pedra cinzenta a olhar-nos…

 

Não tínhamos nada

Do nada que tínhamos.

 

Não tínhamos nada…

Mas tínhamos tudo…

Tínhamos amor.

 

 

 

Alijó, 24/05/2023

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Andorinhas em flor

 Voávamos e não sabíamos que voávamos,

Voávamos sobre uma cidade em lágrimas,

Sobre uma cidade que se escondia depois do pôr-do-sol…

Voávamos entre paredes,

Voávamos,

Voávamos entre janelas,

Voávamos nos olhos um do outro…

E esperávamos que regressassem as andorinhas em flor,

 

Voávamos de pensão em pensão,

De escadaria em escadaria,

Voávamos e não sabíamos que voávamos…

Voávamos de barco em barco e de mar em mar,

Voávamos nos lábios da saudade,

Voávamos nas mãos do luar…

Voávamos sobre uma cidade esquelética,

Uma cidade muito feia,

Uma cidade de engano,

E voávamos também nós…

Enganados,

 

Voávamos na primeira lágrima da manhã,

Voávamos no último sorriso da tarde,

E voávamos sem saber que voávamos,

E voávamos sem saber que as nossas asas…

Aos poucos,

Poucos…

Morriam depois de um poema declamado,

 

Voávamos na ausência do sono,

Voávamos nas palavras que eu te escrevia,

Voávamos enquanto alguém corria a cidade à nossa procura…

E nunca nos encontrava,

Voávamos, voávamos bem lato,

Voávamos sobre a copa das árvores,

Onde dormiam os pássaros que nos ensinaram a voar,

 

Voávamos durante o dia,

Voávamos durante a noite…

Voávamos à procura das estrelas que alguém lançou ao mar,

Voávamos,

Voávamos…

Voávamos enquanto o desejo nos consumia…

E continuávamos a voar,

E voávamos,

Voávamos entre janelas,

Voávamos nos olhos um do outro…

E esperávamos que regressassem as andorinhas em flor.

 

 

 

 

Alijó, 19/05/2023

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Abraço-te

 

(desenho de Francisco Luís Fontinha)

 

 

Abraço-te, minha sombra nocturna das abelhas em flor,

Abraço-te, abraço-te enquanto o vento matinal

Desce da alvorada e poisa no teu silêncio cabelo,

Abraço-te, minha pequena sílaba de sono,

Poema desenhado no meu corpo pelos teus doces lábios de mel…

 

Abraço-te rio ribeira teu corpo,

Meu amor, do doce abraço,

Abraço-te, janela envenenada com fotografia para o mar…

Abraço-te, madrugada em flor,

Quando o luar dorme nos teus olhos de geada,

 

Abraço-te, meu amor, nas palavras que voam em direcção à tua boca…

E me assassinam durante o sono,

Abraço-te, pequena légua de mar…

Pôr-do-sol dos dias em poesia,

Quando o abraço… foge do dia,

 

E eu, abraço-te…

Abraço-te, manhã submersa em tua mão,

Piano das noites infinitas…

Abraço-te, palavra dos jardins assílabos…

Em tristes pedaços de mar,

 

Abraço-te sanzala da minha infância,

Meu amor em abraço,

Abraço-te, menina do mar

E do além-mar…

Abraço-te charrua que labuta montanha abaixo… e eu, eu abraço-te.

 

 

 

Alijó, 12/05/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 10 de maio de 2023

Estrelas do teu olhar

 Nos teus olhos,

Meu amor,

Dançam todas as estrelas do Universo,

Nas tuas mãos,

Nas tuas mãos, meu amor,

Nas tuas mãos brincam todas as crianças do planeta Terra…

E nos teus lábios…

Nos teus lábios navegam os mais lindos barcos do Oceano.

 

Cada palavra, um beijo,

Encantada maçã do Éden,

Pequeno silêncio,

E mesmo assim, meu amor,

E mesmo assim as árvores tombam com a solidão,

 

Nos teus olhos,

Meu amor,

Dançam todas as estrelas do Universo,

Dos teus olhos,

Meu amor,

Recebo todas as palavras que te escrevo…

E com elas,

Construo poemas,

Poemas, meu amor…

 

 

 

Alijó, 10/05/2023

Francisco Luís Fontinha

domingo, 7 de maio de 2023

De onde te escrevo, pedra cinzenta

 Escondíamos pedacinhos da noite dentro da algibeira fria e escura. O autocarro descrevia pequenos círculos de sono à volta da mesa da cozinha, sentados, estavam, eu, o outro eu e ainda aquele gajo que detesto tanto, um eu do outro eu.

A gaja da mini-saia em poéticas seduções para com o eu do outro eu, e eu claro, olhava-os, e confesso que fartinho daquela situação; quadro a óleo pintado sobre tela, para vender, para oferecer… ou para queimar.

Que se fodam; façam-no como quiserem.

Erguiam-se da noite todos os guindastes da paixão, em alegres abraços, ele, apressadamente, subia as escadas em direcção ao sótão, depois, ela, também em passo apressado, seguia-o, duas pancadinhas na porta…

E eu, nada.

Via-os. Os dois eus parvalhões.

E eu, nada.

Diga-se que nunca tive muito jeito para seduzir seja o que for, muito menos as mulheres.

Siga.

Amanhã não temos comboio, estamos em greve.

E um direito é um direito.

Escondíamos pedacinhos da noite dentro da algibeira fria e escura, lá fora, os transeuntes com mobilidade reduzida, quase todos os que habitavam naquela zona, eram atropelados pelo comboio das cinco, e do outro eu, apenas recebia bilhetinhos de desculpas e que qualquer dia,

Regressaria,

Até hoje, nada.

E eu, infeliz como os portões de entrada de um cemitério, porque todos os portões de entrada dos cemitérios, são tristes,

Todos eles.

Dançávamos debaixo do vento e abraçávamo-nos às primeiras lágrimas de chuva da madrugada, depois éramos expulsos do paraíso,

RUA.

E íamos dançando ao som do silêncio.

O meu pai quando morreu, ainda acreditava que tinha andado na guerra colonial; e claro, tal como eu,

Nada.

Nunca o serei como um dia ele foi, tão pouco irei ser aquilo que durante o dia me dizem para fazer, e eu,

Nada,

Não quero fazer nada.

Claro que quando rebentou a guerra em Angola, o meu pai foi mobilizado para fazer transportes para o mato, visto ainda não terem chegado as tropas,

E claro,

Ele acreditava que foi militar,

Ao longe filho,

O quê, pai?

Os homens da glória, transportam os crucifixos da madrugada aos ombros, e depois,

Nada,

Ou quase anda,

Mas alguém consegue imaginar o senhor Fernando de G3 ao ombro?

Tal pai tal filho,

Ouvia-os eu enquanto descia a caçada em direcção ao rio.

Não nasci para isso.

G3 ao ombro…, nunca foi a minha praia…, eu sou mais de plantas aromáticas,

Até que regressou o sono,

E?

Nada.

Claro, que absolutamente nada.

Zero, meu amor.

Zero.

Olha, meu amor, contaram-me hoje, tu acreditas, tu acreditas que um cacto se apaixonou por uma abelha e dessa união nasceu a flor mais bela…

O mar, mãe, o mar…

O que tem o mar, Francisco?

Sei lá mãe…

Apeteceu-me hoje!

E eu aqui sentado, o único eu com juízo dentro desta casa que é o meu cérebro, a escrever poemas e a escrever textos… e a desenhar,

Tudo isso,

Para a minha amada.

E eu que nunca entendi muito bem essa coisas da mulher… estranha mulher que habita em cada uma das mulheres; as que são livres e as que são escravas; do amor.)

Fugi do quartel da Ajuda.

Um certo dia, ia tão bem-disposto que,

Chego a Santa Apolónia, sete da manhã, pensei, pensei, eu vou, eu não vou…

Não fui.

Ao final da tarde, o saudoso guarda Saraiva, amigo pessoal, meu e dos meus pais, bate à porta, a minha mãe abre,

E ele,

Onde está o Luís?

A minha mãe, com coração de mãe,

Aos soluços,

Aconteceu alguma coisa?

O Luís ainda não apareceu no quartel,

Coitada de uma mãe,

Perdoa tu,

Claro,

Filho é filho,

Não os tenho, mas é isso.

(e que se fodam todos os filhos que tratam mal os pais e todos os pais que tratam mal os filhos)

E que tive azar.

Fui parar ao pelotão número cinco de cavalaria, olha meu amor,

Uma loucura,

Apenas a vassoura e o balde não fumavam coisas estranhas e bebiam coisas estranhas,

Todos os outros,

Nós e o dos outros,

Formados e perfilados e cigarro imaginário na boca,

Depois,

Tombava no pavimento térreo como se fosse a pedra onde ainda hoje me sento; a minha pedra cinzenta e onde guardo todos os meus segredos,

De onde te escrevo todas as noites,

Meu amor.

De onde te escrevo.

 

 

 

Alijó, 07/05/2023

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Gaivota

 Uma gaivota de sono

Poisa nos teus lábios,

E fico tão triste,

Tão triste… meu amor…

Porque não sei como afoguentá-la dos teus lábios

E tenho medo de que ela me roube o teu olhar,

 

Ai meu amor…

Como são tristes as janelas do teu silêncio,

Como são tristes,

Meu amor,

As palavras das minhas madrugadas,

Enquanto penso se essa maldita gaivota…

Te vai roubar esse lindo olhar,

 

Cartas que te escrevo

Nas suspensas manhãs de enxofre,

Enquanto nas tuas mãos ardem as flores do teu luar…

E essa maldita gaivota com asas de veludo

Que não se cansa de te rondar,

 

Qualquer dia,

Regressarão as tristes Primaveras,

De que nunca tive medo,

Medo não tenho,

Medo nunca o terei…

Mas preocupa-me essa gaivota de sono

Sem nacionalidade…

E filha da lua,

 

E dizem que o pai é a saudade.

Qualquer dia,

Um outro dia do meu dia,

Teremos dentro de nós as derramadas lágrimas da manhã…

Sem que regressem as rimas nocturnas do teu púbis,

 

E sendo assim,

Que faz essa gaivota,

Meu amor…

No silêncio dos teus lábios?

 

Uma gaivota de sono

Poisa nos teus lábios,

E fico tão triste,

Tão triste… meu amor…

É que nunca sei…

Se essa maldita gaivota te vai roubar o olhar,

Ou se essa maldita gaivota…

Apenas me quer chatear,

 

Olha, meu amor…

Tal como a madrugada,

Quando acorda,

Me lança ao cardume do silêncio,

E apressadamente,

Tenho de correr para o próximo apeadeiro do desejo,

 

E de comboios nada percebo,

Mas parece que não interessa nada perceber de comboios,

Não interessa nada perceber de aviões ou de barcos…

Tive muitos barcos, meu amor,

Muitos barcos em toda a minha vida…

E quase que sou capitão da marinha mercante e afins…

Estacionava-me nos teus braços…

E zás,

Lábios com lábios,

Boca com boca,

Cabelo com cabelo…

 

E quando lhe perguntaram qual é era a raiz quadrada de seiscentos e vinte e cinco…

Não sei, professor…

Nunca o soube,

Que tens uma gaivota de sono nos teus lábios…

 

E da rua da masturbação número vinte e cinco,

As flores da tia Joana em decomposição,

Todas elas mortas,

Todas,

Todas elas em profundo silêncio…

Enquanto rezávamos que a tarde nunca terminasse,

 

E como é triste, meu amor…

Como é triste a partida daqueles que amamos…

Um filho perde o pai,

Perde a mãe,

Perde o seu melhor amigo,

O amigo já tinha perdido o melhor amigo…

Um pai e uma mãe…

Perdem tudo, quando perdem um filho…

E eu,

Nada,

Aqui sentado sobre uma pedra de sono,

Cinzenta,

 

Rabugenta,

E tenho medo, meu amor,

Tenho medo dessa gaivota de sono…

Tenho medo do sono que pertence a essa gaivota,

Tenho medo do feitiço da lua

E das garras da alvorada,

Cansaço do corpo que protege o silêncio,

E depois,

Bom…

Depois vinham a nós as primeiras palavras da noite,

 

E a noite traz-nos de tudo,

Traz-nos as sementeiras da noite anterior,

Traz-nos o desejo do próximo dia…

E sempre que posso,

Rezo à minha mãe…

Que me proteja,

E que nunca me falte a paciência para um novo dia,

 

Abraço-me à imensidão deste mar selvagem,

Onde os cardumes da paixão sobrevivem apenas com duas gotas de água…

E um pequenino silêncio de sono,

O teu sono,

Esconde-se na minha mão,

 

Remexo os papeis,

Todos,

Encontro tudo,

Tudo,

Menos aquilo que procuro,

Apenas, meu amor,

Apenas preciso de um pedacinho do teu corpo…

Onde desabafar as alvoradas que perdi em Luanda,

 

Os vidros sem janelas,

O vento aprisionado na tua boca…

E se me perguntassem qual era a cor do silêncio…

Certamente,

Com toda a certeza,

Responderia…

Não o si,

Nunca o soube,

 

As cartas voam…

E só a maldita dessa gaivota é que não levanta voo,

Essa gaivota de sono,

Sem dó nem piedade…

Que se alapou nos teus lábios…

E que não me deixa aproximar…

E tão pouco escrever o que penso sobre a equação de Deus,

 

Não sei, meu amor,

Não sei se a resolva…

Ou simplesmente a deixe ficar, tal como está, em cima do guarda-vestidos…

O professor Carlos Andrade, põe-te fino Francisco…

O professor Luís Mesquita, põe-te fino Francisco…

E o Francisco que também é Luís,

Nunca sabe se quando está a falar com os professores…

É o Luís poeta,

Se é o Luís escritor de estória sem fundo…

Se se é o pintor…

Que mal acordou, após nascer…

Escreveu nos olhos da doce mãe…

Amo-te,

 

As madrugadas são como os vidros,

Sem janelas,

Sem barcos de engate,

(e se eu pudesse afugentar essa maldita gaivota de sono.)

Mas não o posso fazer,

Não,

 

Quando do silêncio,

Uma pequena árvore se ergue no teu cabelo…

Um pequeno sorriso se desenha nos teus seios de esmeralda…

E depois,

Nada,

Como sempre,

Sento-me sobre esta pedra cinzenta…

E rezo,

E rezo muito…

Que nunca tenha asas de verdade.

 

 

 

 

Alijó, 04/05/2023

Francisco Luís Fontinha