(desenho de Francisco
Luís Fontinha)
Não tínhamos nada
Do nada que tínhamos.
Tirando isso
Éramos todos felizes,
Eu desenhava e escrevia à
porta de casa
(fazia poemas e desenhos
ao domicílio)
Ela
Ela vendia cigarros para
engordar
E lembrei-me logo
Se eu estou tão magro…
Vai uns cigarrinhos…
e…
nada,
Fumei
Fumei
Fumei
Sempre magro e elegante
como um varão de aço
Quatro ferros de dezasseis
Oito ferros de doze
Nos estribos ferro de seis
Afastados dez centímetros,
Sentava-me
A menina passava
Olhava-me
Sorria-me
E…
Faça-me um poema
Meu artista…
Que artista sei que fui
Que artista sempre serei
De várias artes
De vários ofícios,
E lá lhe fiz o poema…
Menina
Desculpe
É para o seu namorado
Ou
Namorada?
É para a minha amada,
Compreendi
Perfeitamente
Vamos recomeçar a aula,
Então é assim,
Dos teus olhos aquela
paisagem de Inverno
Abraçava-te na lentidão
de um relógio invisível
Abraçava-te tanto
Que nos perdíamos dentro
de um cortinado de sono
Abraçava-te e mexia no
teu cabelo de silêncio
Enrolava-o no dedo
E sentia o meu seio no
teu ombro
Aos poucos
Morriam as horas
Mas muito antes
Já tinham partido todos
os segundos
E todos os minutos
Apenas uma hora
Uma qualquer hora
Ficou junto a nós…
E poisou no teu púbis,
Abraçava-te sabendo que
Deus desligou agora mesmo…
A luminosidade das cerca dos
dez sextilhões de estrelas
Cem biliões de galáxias…
(e há parvos e parvas que
julgam ser o centro de tudo, quando são o centro de nada)
Abraçava-te e ao mesmo
tempo
Questionava Deus…
Porquê?
E dos teus olhos
Minha galáxia das manhãs
em geada
Dos teus olhos
As primeiras lágrimas da
tua pele…
E com medo que a única
hora que tínhamos…
Morresse também
Beijo-te loucamente
Até que uma nuvem de luz
poisou nos teus lábios
Da tua querida que te
ama,
Olhe
Menina
Não tenho muito jeito
para estas coisas
Mas…
Olhe…
Foi o que me saiu
Ela pega na pequena folha
em papel
E enquanto lia
Percebi que no rosto dela…
Brincavam pequeninas
gotículas de saudade…
Chorou
Olhou-me…
Perfeito
Quanto é?
Olhe
Pelo poema são cinco
euros
E pela assinatura…
Quarenta cêntimos de
euros
Pagou-me
E
…
O beijo
Constrói-se aos poucos
O beijo é como o acordar
das borboletas
O beijo sai do poema
Salta a rede de vedação…
E procura incessantemente
a boca…
Palavras
Palavras meu amor
Palavras
Dias
Noites
E mais palavras
Menos as outras palavras
O poema é assim mesmo…
É como o beijo
É como a chuva
Nem todos beijam
E quase todos se molham,
E troco palavras por
beijos
Beijos por livros usados
Livros usados por outros
livros usados
E troco o silêncio
Só
E apenas
Por outro silêncio,
Chateia-me
Revolta-me
Saber que existem
crianças
Que não são crianças como
eu fui…
Eu
Que fui desejado
Que fui muito amado
E feliz
Ainda eu
Às vezes
Me queixo da puta da vida…
E que dirão estas
crianças da puta da vida e de um Deus pacientemente sentado numa pedra cinzenta
a olhar-nos…
Não tínhamos nada
Do nada que tínhamos.
Não tínhamos nada…
Mas tínhamos tudo…
Tínhamos amor.
Alijó, 24/05/2023
Francisco Luís Fontinha
Sem comentários:
Enviar um comentário