sábado, 5 de outubro de 2019

Livro salgado


Se eu pudesse, dava-te o Sol.

Se eu pudesse, eliminava de ti todas as tristezas…

Se eu pudesse, dava-te a lua e o luar.

Se eu pudesse, oferecia-te o mar…

Embalsamado.

Escrito por palavras.

Num livro salgado.

Ai se eu pudesse, meu amor!

 

Ai se eu pudesse!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

05/10/2019

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

A ausência


Ontem, nas palavras ouvia o teu silêncio.

Hoje, no silêncio da noite, oiço as tuas palavras.

Ontem, passeavas comigo junto ao mar.

Hoje, estás sentada na pedra da saudade.

 

Este poema é imperfeito,

Falta-lhe a alegria das palavras,

Ditas,

Não ditas.

 

Escritas.

 

Ontem, desenhavas um sorriso na minha mão.

Hoje,

Hoje, com a minha mão, desenho um sorriso no teu retracto…

 

E beijo-o,

Como se ele fosse o nascer do sol,

O luar,

Ou a noite em construção.

 

Ontem, estavas cá…

Hoje, tenho a certeza de que estás cá…

Algures,

Junto a mim.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

25/09/2019

domingo, 15 de setembro de 2019

Os tristes pássaros da madrugada


Sabes, mãe?

Diz, meu querido filho…

Os pássaros, os pássaros querem levar-te!

A mim?

Porquê?

Não o sei, mãe…

Não o sei.

Lembras-te, quando construías papagaios em papel para brincarmos debaixo das mangueiras, em Luanda?

E tu deliravas…

Brincávamos às escondidas e tu escondias-te na sombra das bananeiras, ficavas invisível, como hoje, invisível para mim,

Cerras os olhos, pintas nas paredes da insónia o nome do teu querido filho, sempre à espera de regressar ao Mussulo, lembras-te, mãe?

Tão branca e fina a areia…

Olha,

Sim filhos!

As bananeiras estão crescidas, lindas como tu…

Sabes meu filho? Sim mãe!

Tenho saudades das brincadeiras que fazíamos quando tu menino,

O triciclo em madeira a chilrear quintal a fora, o pôr-do-sol junto ao mar, os barcos que tu tanto amavas, escrevias poemas nas âncoras da saudade, agora, agora pareces um esqueleto gritando em voz alta…

Vão embora pássaros!

Sim mãe, agora preocupo-me com estes malditos pássaros que te perseguem e te querem tirar de mim,

Mas mãe!

Sim, meu filho!

Nunca. Nunca vou deixar que os pássaros te levem.

 

 

 

Vila pouca de aguiar, 15 de Setembro de 2019

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Os teus olhos


Os teus olhos

São as estrelas dos meus sonhos.

São o poema amanhecer,

Quando os teus abraços

Se entranham no meu pensamento.

Os teus olhos são o cansaço de escrever,

A madrugada

Desassossegada,

Antes de o dia nascer.

Os teus olhos são o meu alimento,

A almoço desejado,

E mesmo assim,

Prefiro afagar o teu cabelo

Do que adormecer em sofrimento.

Como um sem-abrigo desamado…

Os teus olhos

São as estrelas dos meus sonhos,

São a sombra do meu jardim,

Nas tardes escaldantes.

Os teus olhos

São as amêndoas em flor,

As palavras escritas na terra húmida de Luanda…

Os teus olhos

São a madrugada amor,

Quando nasce o Sol,

E lá longe,

Uma barcaça,

Triste, desalinhada…

Alcança a minha mão,

Desafogada,

Nas pétalas de uma flor.

Os teus olhos

São amor.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

19/08/2019

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

O bar


Minhas mãos nas tuas mãos.

Os meus dedos nos teus dedos.

Os teus lábios nos meus lábios.

Quando a noite se esconde na mesa de um bar.

Não há cansaço,

Não existe o medo de não ser,

Amado,

Poeta,

Desengraçado.

Minhas mãos nas tuas mãos.

Os teus dedos, débeis e frágeis,

Esquecidos no meu cabelo.

O livro sobre a mesa.

O cigarro arde,

E tu pareces o silêncio Luar,

Na areia fina do mar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

12/08/2019

domingo, 11 de agosto de 2019

O magala desempregado


Amor!

Todos os beijos são poucos,

Quando a madrugada dorme.

Sonho,

Alimento-me do teu sorriso brincando nos socalcos,

Ao fundo o rio,

Um magala desempregado,

Desce a Calçada,

Senta-se no teu colo…

E escreve o mais belo poema de amor.

O que é o amor?

Um silêncio perdido na escuridão?

Uma mulher em cio plantada num qualquer jardim da cidade?

O amor é a morte dos curiosos,

O cerrar de todas as janelas da cidade,

Dois corpos em chamas,

Despidos no desejo nocturno dos pássaros sem nome.

O amor é quando dos teus lábios brotam cerejas,

E uvas,

E mangas,

Do meu quintal de Luanda.

O amor é belo,

Como as nuvens envergonhadas,

Nas lâmpadas silenciosas do amanhecer.

Amor!

Todos os abraços são palavras dispersas que habitam a minha boca,

Quando ela se entranha na tua…

E ouvimos o chilrear das andorinhas em flor…

O amor é.

Acontece,

Vive-se,

E nunca se esquece…

Ai o amor, meu amor!

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

11/08/2019

sábado, 10 de agosto de 2019

Os teus beijos


Os teus beijos são o silêncio nocturno das estrelas de papel.

São os livros apinhados sobre uma secretária abandonada,

Triste,

Cansada.

Os teus beijos são o desejo da madrugada,

As flores do meu jardim,

As bananeiras que cuido e pinto,

Nos teus seios de menina mimada.

Os teus beijos transportam estórias,

Brincadeiras de crianças,

Os teus beijos são lembranças,

Quando cai a noite em mim.

Os teus beijos são as palavras envenenadas,

Os poemas crucificados nos teus lábios,

Derradeiro porto de abrigo,

Onde descanso,

Me deito…

E amo.

Os teus beijos são musicalidade,

Pintura,

Literatura,

Festa,

Farra,

Manifesta alegria do desejo…

Os teus beijos são o Luar,

A jangada esquecida no mar.

Os teus beijos são o telegrama,

A cama,

Onde em ti construo cabanas,

Plantas,

Árvores,

Cinemas.

Os teus beijos, meu amor,

Os teus beijos são a flor,

A ciência,

O cinema,

Que transpira melancolia…

Os teus beijos são crateras,

Rochedos,

Montanhas,

Em cio,

Quando ao fundo,

Lá longe,

Se vê um rio.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

10/08/2019

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Noite numa biblioteca suspensa na alvorada


Sabia que o teu corpo era porcelana madrugada.

Manuseio-o como se fosse uma sílaba engasgada no poema,

Com jeitinho,

Pinto-o, beijo-o,

Como se fosse uma pétala no jardim do silêncio;

Dois olhares cruzam-se na escuridão do desejo,

Um cigarro arde,

E recorda-se do beijo.

Oiço a tua voz silenciada na alvenaria,

Oiço os gemidos do luar suspensos nos cortinados da paixão,

Sou tão feliz, meu amor,

Tão feliz.

Não finjo,

Sinto-o dentro do peito,

Esta ressaca que me aprisiona aos teus braços,

Não finjo, meu amor,

Não finjo que somos donos do mar,

Não finjo que somos os únicos sobreviventes das tempestades da loucura…

E, no entanto,

Lá longe,

Um barco carregado de livros, aproxima-se,

E poiso nas tuas coxas.

São poemas, meu amor,

Poemas de amor.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

09/08/2019

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Poema vadio


Oiço os teus gemidos no cansaço da noite.

Amar-te não me chega,

Amar-te é crucificar o teu corpo nas rimas de um poema vadio,

Cansado do rio,

Antes de nascer o Sol.

Amar-te é construir uma cabana junto ao mar,

Plantar livros no quintal,

Desenhar na areia o silêncio da noite,

Esse mesmo,

Onde oiço os teus gemidos.

Não. Não estou louco.

Se o fosse não escrevia sabendo que oiço o mar nos teus lábios de amêndoa…

Contra os rochedos da insónia.

E eu sou capaz de caminhar até à montanha mais alta do meu corpo,

Vagueando nos teus braços de pérola adormecida,

Como o vento,

Levando com ele a cumplicidade de um beijo no esconderijo da noite,

Quando um transeunte tropeça nas palavras,

Que aqui,

Ali…

Vou semeando…

Para quando eu morrer,

Tu,

Acariciares entre parêntesis e ponto de interrogação.

Amanhã?

Logo à noite?

Somos apenas fotografia a preto-e-branco.

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

8/08/2019

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

A galáxia da paixão


(para ti, meu amor)

 

 

Desenho nos teus lábios o silêncio do desejo.

Procuro na tua mão a galáxia da paixão,

E todas as estrelas do Céu.

Trago na algibeira as lágrimas do rio,

Que afagam os teus seios…

Escrevo no teu corpo… amo-te…

E sinto que pertenço ao sorriso do mar.

Pinto no teu púbis os socalcos do Douro…

Lá longe um barco apita,

Olhas,

Abraças-me,

E ficas eternamente alicerçada aos meus braços.

Depois abrimos um livro,

Lemos um poema,

Beijo-te,

Sem perceber que a morte é um esqueleto de aço,

Que dói,

E perde-se no deserto das amarras silenciadas pela tempestade.

(Desenho nos teus lábios o silêncio do desejo.

Procuro na tua mão a galáxia da paixão,

E todas as estrelas do Céu.)

E percebo que estou apaixonado pelas palavras que te digo.

 

 

 

Alijó, 07/08/2019

Francisco Luís Fontinha