sábado, 20 de abril de 2019

Porque hoje é sábado


Porque hoje é sábado, não vou resistir às tuas palavras doces.

Porque hoje é sábado,

Não vou tirar fotografias, nunca mais.

Porque hoje é sábado, vou queimar todos os meus livros,

No quintal,

E saciar a minha sede com o fumo das palavras tuas…

Porque hoje é sábado,

Vou mergulhar as minhas mãos no xisto junto ao rio.

Porque hoje é sábado, vou festejar, vou partir de viagem até ao infinito…

Mar.

Porque hoje é sábado, vou alimentar-me de pedacinhos de papel,

Pequenos nadas,

Pequenos silêncios que só os teus lábios sabem construir…

Porque hoje,

É sábado,

Vou desenhar o beijo na tua solidão.

Só hoje.

Porque hoje é sábado.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

20/04/2019

sexta-feira, 19 de abril de 2019

Fugimos, hoje?


É noite,

E hoje não estou ao teu lado.

É noite,

Começa em mim a procissão do adeus,

Nas lâminas incandescentes dos teus lábios,

Não, não estou apaixonado,

Nem pela madrugada,

Nem pela tempestade…

Apenas te oiço nos lençóis do mar.

É noite,

Abro a janela e apenas um fio de luz no teu olhar,

O silêncio espetado no teu corpo,

Como a espada que tenho na mão,

Para assassinar a noite.

Vou matá-la.

É noite,

É noite e os livros já dormem,

Como crianças,

Na cama da saudade.

As ruas sem ninguém,

Nem transeuntes,

Nem automóveis,

Nem submarinos,

Apenas petroleiros fundeados junto à porta de entrada;

Fugimos, hoje?

Para as grutas da montanha envenenada pela solidão,

Os amantes, as amantes, lambem-se entre quatro paredes envelhecidas,

Mortas,

Perdidas.

É noite,

É noite e não consigo pegar na tua mão…

Talvez amanhã o consiga…

Amanhã.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

19/04/2019

quinta-feira, 18 de abril de 2019

A cidade da escuridão


Atravesso a cidade da escuridão.

Poiso as palavras no jardim das pilas mortas,

Jogando às cartas,

Entretendo o estômago com a saudade.

Sento-me na tua algibeira,

Escrevo palavras na tua mão,

Como os livros da madrugada,

Antes de acordar o dia do suicídio.

Batem à porta,

Não espero ninguém,

Não abro porque pode ser a morte,

E eu ainda não quero morrer…

Como os homens,

Como as mulheres,

Deixando a vida desenhada na areia do rio.

Atravesso a cidade,

Sento-me na tua algibeira,

Fumo um cigarro,

Acaricio o teu cabelo de Pôr-do-Sol…

Como é lindo o teu cabelo,

Solto ao vento,

Travestido de lágrimas.

Atravesso a cidade da escuridão,

Como fazem as serpentes na Primavera,

Rastejando,

Dançando…

No teu ventre,

A minha mão que te escreve; amo-te.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

18/04/2019

quarta-feira, 17 de abril de 2019

A saudade


A saudade assassina a saudade.

O poeta é assassinado pela saudade,

Quando escreve.

A apaixonada do poeta é assassinada pela saudade.

A amante da apaixonada do poeta é assassinada pela saudade…

Quando acorda a madrugada,

E grita-se; viva a Liberdade.

Os livros são assassinados pela saudade.

A madrugada é assassinada pela saudade.

Da saudade, uma criança brinca com a saudade.

A mulher do poeta é assassinada pela saudade,

E a saudade assassina o amante do poeta.

As palavras são assassinadas pelo poeta,

Que foi assassinado pela saudade…

Morrer-se de quê?

Pergunta a saudade ao filho do poeta…

Morrer-se de saudade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

17/04/2019

terça-feira, 16 de abril de 2019

Trigonometria


O amor é uma merda.

No coração não temos nada,

Nem melodia, nem palavras, nem uma simples canção…

Quando acorda a madrugada.

O coração não ama, não chora,

O coração é uma máquina, uma bomba, nada mais do que isso.

Ninguém está no coração de ninguém,

Nem as palavras, nem as almas penadas…

O amor é uma merda,

Complexa,

Como os rochedos da floresta.

Será o amor uma equação diferencial?

O esforço transverso?

O momento flector?

Ou será o amor apenas uma pequena flor,

Na lapela de um qualquer caderno quadriculado…

Tudo isso, é nada.

A paixão é como a sombra das minhas bananeiras,

Ou como o sumo das minhas tâmaras…

Azedas,

Tristes,

Como a alvorada.

Poderá um petroleiro ser amor?

Uma jangada sem destino,

Em direcção ao abismo?

E o coração?

Uma máquina, apenas, nada mais do que isso.

O amor é uma merda,

Como todas as flores do teu jardim,

Feias,

Raquíticas…

Anormais.

Será o amor uma equação trigonométrica?

Do tipo:

O co-seno ao quadrado do amor mais o seno ao quadrado do amor é igual a um…

Pronto.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

16/04/2019