quinta-feira, 24 de julho de 2014

“O Senhor Anónimo”


O teu corpo quando absorvido pela perspectiva cavaleira do desejo,
a tua pele tracejada nas ruelas da minha solidão,
sinto-te porque existe à minha volta uma lanterna de silêncios,
sinto-te porque em ti crescem as héderas nocturnas da cidade das sílabas,
e cruzam-se as palavras nos comboios que descem a montanha do amor,
há rochedos enfeitados com pálpebras de papel amarrotado,
olhares que me aprisionam e me transformam em apitos de suor,
na areia da insónia alguém desenha beijos,
e o sonho os leva, leva-os... até deixarem de ser beijos,
depois, depois os beijos ressuscitam a aparecem como algas imperfeitas que o medo alimenta,
o corpo flutua na morte clandestina do homem com rosto de triângulo,
e um dos catetos abra-se à hipotenusa,

Na lapela, um nome, ilegível, gatafunhos...
apelidei-o de “o senhor anónimo”,
cerca de quarenta anos, apátrida, e marinheiro de profissão,

O teu corpo, pouco ou nada me interessa,
embrulhado em geometria... apenas sobressaem os segmentos de recta do cansaço,
o barco onde trabalho e habito... há muito deixou de ter flores e cartas com corações...
a palavra “amo-te” não faz sentido, não pertence ás marés por onde navego,
peço que regresse o vento,
e vem a tempestade,
peço a tua pele tracejada... e sou apedrejado por crianças em fúria, como se eu fosse o culpado pela tristeza das lâminas da madrugada,
e não tenho onde me esconder,
precisava apenas de um pedaço de pano,
um cortinado envenenado,
o teu corpo, pouco ou nada me interessa,
comparado com a multidão de sombras que me acorrentam ao cais dos tentáculos de néon.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 24 de Julho de 2014

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Navalhas do sofrimento


Oiço das navalhas do sofrimento,
os teus beijos prometidos,

Lamento,

Oiço os teus anseios,
quando nos entra o mar casa adentro,
desço as escadas,
escondo-me nos teus lábios...
amo tanto o mar... que não consigo olhá-lo, tocar-lhe,
como não sou capaz de poisar a minha mão no teu luar...
e...
e simplesmente ficar lá, ela imóvel, prisioneira de ti,
e... e coitada da minha mão,
esponjosa, magra... cansada das palavras tristes,
das palavras... das palavras amargas,
e o movimento curvilíneo... em busca do teu coração,

O cofre com fechadura invisível,

Lamento,

Oiço das navalhas do sofrimento,
os teus beijos prometidos,
oiço-os e nada posso fazer,
lá fora está noite,
escuridão,
posso dar-me ao trabalho de procurar as tuas lágrimas,
nunca as encontrarei,
tão pouco sei se choras, se ris... se gritas... ou inventas árvores no recreio da escola,
e quanto a mim, nunca, nunca fui capaz de encontrar o que quer que seja,
porque sou desajeitado,
porque... as sombras do teu corpo habitam nas drageias do silêncio...
e há sempre um braço a proibir-me... de... de amar, de construir amores nas flores do amanhecer,

Tão longe, os teus sôfregos olhos perdidos na constelação AMAR,
o telescópio vagueia na eira da poesia,
e nem assim, e nem assim é possível observar os teus olhos...

Lamento,

O significado de corpo, agora é rocha vadia,
que caminha nas ruas com candeeiros de prata,
lamento...
ouvir das navalhas do sofrimento...
os teus beijos prometidos,
sofridos,
oiço-os e nada posso fazer,
apenas lamentar,

Que o cofre com fechadura invisível,
seja o teu coração protegido por um velho cubo de vidro,
aquário, peixe, avião... pá.. barco carregado de fantasias e travestis,
bares recheados de coquetes e marionetas envergonhadas,
alienados vizinhos que fumam cigarros de lata,
que o cofre se parta,
e morra...
como morrem os poetas,
como morrem os fantasmas... quando no relógio de pulso da solidão são quatro horas da madrugada,
nasci às sete horas e trinta minutos,
era Domingo...
e deixaram em mim as navalhas do sofrimento.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 23 de Julho de 2014

terça-feira, 22 de julho de 2014

O Cometa Amar


Não te mexas,
deixa poisar o Cometa Amar na Sombra do teu olhar,
não grites,
mantém-te imóvel nos lábios do entardecer,
não fales, não... não grites,
geme no salivar nocturno que acolhe o luar,
não te mexas, por favor!
Silencia-me como se eu fosse apenas e só o teu livrinho de cabeceira,
a tua almofada recheada com seios de verniz...
o espelho do teu quarto, onde dormes, sonhas... e... e brincas...
como uma menina mimada,
escondida na madrugada,

Não te mexas,
fala-me, ouves-me?
Não te mexas,
acaricia o cansaço dos meus abraços com o teu cabelo de cetim,
não grites,
por favor... não sejas assim...

Assim, como?
Assim... menina mimada,
menina com sabor a Musseque,
menina... menina bronzeada,

Não,
não te mexas,
escreve no meu peito de xisto tudo aquilo que te apetece fazer,
sei lá eu...
também não o sei, meu Amor, mas não te esqueças de nada,
escreve tudo, escreve...
mas... mas não te mexas,
escreve em mim, desenha em mim,
o mar,
o pôr-do-sol, ou... ou a saudade,
o poema mais belos da montanha do desejo,
escreve, não te mexas, escreve... escreve beijo,

(Assim, como?
Assim... menina mimada,
menina com sabor a Musseque,
menina... menina bronzeada).


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 22 de Julho de 2014