segunda-feira, 21 de julho de 2014

Inventa-me


Inventa-me,
desenha no meu corpo as línguas de fogo que os teus lábios libertam,
escreve-me, escreve em mim as palavras proibidas, as palavras falseadas,
invade-me,
faz de mim uma equação trigonométrica,
soma-me, divide-me… e multiplica-me,
mas… inventa-me,
no pecado mais secreto do teu olhar,

Inventa-me,
no silêncio das madrugadas,
inventa-me no espelho onde escondes o teu rosto…
quando poisa a noite sobre ti,

Inventa-me nas catacumbas da insónia,
faz de mim a sombra mais bela do amanhecer,
inventa-me,
como flor,
como abelha…
inventa-me e acolhe-me na tua colmeia,
que eu seja o mel dos teus sonhos,
que eu seja… a tua invenção,

Inventa-me,
faz de mim pássaro, barco… ou… ou avião,
não tenhas medo de me inventar,
não, não tenhas medo de me amar,
inventando-me,
escrevendo em mim os números primos, ímpares… ou… ou pares,
inventa-me,
inventa-me sem chorares!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 21 de Julho de 2014

domingo, 20 de julho de 2014

As sanzalas embalsamadas!


Aos dias ímpares, as horas que me são roubadas por uma mão sem nome,
as sílabas disparadas pela espingarda das sanzalas embalsamadas,
o meu corpo não cessa no púlpito do cansaço, ele evapora-se, ele... ele transforma-se em zinco lamaçal,
há uma criança inventada, uma criança perdida na saudade...
aos dias ímpares, as horas malvadas,
que alimentam a dor,
que... que engolem todos os amanheceres,
e do meu corpo, apenas o coração de pedra ficou adormecido na eira da poesia,

Aos dias ímpares, o triste calendário envergonhado,
a desassossegada fantasia de um texto alienado, quando arde na fogueira da tua pele,
uma cidade nos espera, uma cidade em papel...

Aos dias ímpares, as horas, os minutos, e os... e os milésimos de segundo,
alguns em liberdade, e outros... e outros acorrentados a um envelhecido veleiro,
hoje não há vento,
hoje... hoje apenas a límpida tarde de pano a soluçar sobre as árvores do triângulo equilátero,
é este o meu Mundo?
ter uma cidade sem candeeiros em desejo,
ser filho de um desenho que o tempo apagou numa longínqua parede,
e contento-me com todos os dias ímpares, as horas que me são roubadas...

E a tua mão... e a tua mão, um dia, terá um nome, idade, raça, sexo... religião,

Aos dias ímpares, a geometria na doçura da caligrafia,
um poema morto, um poema descendo a calçada em direcção ao infinito...
e o meu corpo não cessa no púlpito do cansaço...

E o poeta permanecerá eternamente nas sanzalas embalsamadas!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 19 de Julho de 2014