quarta-feira, 26 de março de 2014

Os cadeados invisíveis do desejo


Dizes-me que a noite é uma construção em néon adormecido,
vives pedindo-me palavras, vives... regateando silêncios entre carris de aço,
dizes-me que sou um cadáver embriagado,
triste... triste e sem cansaço,
sem o cansaço pedestal do azoto,

Dizes-me que amanhã não há paixão,
que todos os rios são solitários e casmurros, e... e sem mãos para as caricias do amanhecer,
sinto-te embalada no gatilho do incenso coração,
sem a espingarda neblina teu olhar, sem... sem flores a envelhecer,
e mesmo assim, dizes-me que sou um transeunte envenenado pela solidão,

Dizes-me que sou a tua nuvem colorida,
mas apenas o dizes quando te convém,
dizes-me que na madrugada nua...
não há nada, nada, nem ninguém,
porque me dizes ser eu uma estrela de algodão?

Dizes-me que não entendo os teus lábios em puro cristal,
que sou desastrado, ingénuo... que sou um falhado,
que sou o teu livro do mal...
como petroleiros da insónia esperando o marinheiro apaixonado,
como o triste vagabundo... no Inferno da cidade dos canibais,

Dizes-me que a noite é uma construção em néon adormecido,
pergunto-te se nos teus seios habitam jasmins, amoreiras... rosas encarnadas,
respondes-me que não, e dizes-me que há em ti o sorriso envelhecido,
como gelatina encaixotada nas janelas desalmadas,
e depois, depois... desapareces entre as rochas e os cadeados invisíveis do desejo.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 26 de Março de 2014

terça-feira, 25 de março de 2014

Aqui perdidas em ti


Aqui vou procurando as sílabas perdidas em ti,
aqui abraço o cansaço dos teus lábios,
aqui adormeço, aqui... aqui habito como um sonâmbulo embriagado,
uns dias olho o luar, outros... outros apetece-me chorar,
aqui não há mar,
gaivotas,
cacilheiros travestidos de neblina,
aqui, eu, percorro as cinzas do teu olhar,
e sonho, e penso, e quero partir como partem as andorinhas depois do término da Primavera,
aqui me esqueço, aqui...
aqui fundeio o meu cadáver de pano,
e grito, Aqui... Aqui a vida é um engano,

Aqui me amanho como um rebanho de desejo,
escondo-me na montanha do adeus, e nada, e nada,
aqui tenho livros que não quero ler,
odeio as palavras, odeio o querer...
querer que não tendo vou ter,
o quê?

Que aqui vou procurando as sílabas perdidas em ti,
os jardins sem flores,
as nuvens tão negras, tão negras... que é sempre noite,
sempre... sempre noite,
aqui não há Cais do Sodré,
machimbombos, mangueiras... papagaios em papel colorido,
aqui me enforco, aqui habito imaginando que tenho ossos, que tenho vida...
tecto com estrelas em chita, aqui... aqui nada me excita,
nem as palavras, nem as imagens das fotografias assassinadas,
aqui não há madrugada,
amanhecer,
aqui, aqui apenas existe dor, aqui, aqui apenas existe... engano.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 25 de Março de 2014

segunda-feira, 24 de março de 2014

Viagem ao centro dos teus olhos


Verdes pergaminhos do amanhecer amargurado,
cintilantes madrugadas com sabor a desejo,
vagabundas manhãs infestadas de corações de mel,
viajo dentro de ti como os pássaros quando regressa a chuva miudinha,
verdes cansados beijos,
verdes lábios,
… boca dispersa na Primavera das flores campestres,
verdes olhos, verdes... verdes pergaminhos do amanhecer amargurado,
viajante solitário procurando abrigo, e um abraço se levanta do chão,
e dou-me conta que é noite,
cortinados cerrados...
e da tua janela... e da tua janela apenas uma sombra de silêncio.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 24 de Março de 2014