segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Saturno

foto de: A&M ART and Photos

Saturno nas tuas trémulas mãos de sede,
o infinito que habita nos teus olhos despede-se da maldição madrugada,
há um livro em desgraça,
uma fogueira inventada que consome a tua fúria no centro da praça,
há uma calçada com braços e mais nada,
e... e Saturno que teima em viver dentro de ti,
assim,
como vivem as plantas nos charcos das sanzalas de prata...
como tu desenhando cigarros de lata nos vidros da janela azul,
Saturno sempre nos teus lábios,
comendo Primaveras,
aos Sábados... em tristes sábios,

Saturno saturado da cidade,
da chuva,
do vento que teima em desabitar os teus cabelos das nuvens cinzentas...
Saturno é como as árvores que cobrem as tuas pálpebras de solidão,
e sempre que uma gaivota grita o teu nome em vão...
Saturno não se cala,
se revolta,
se revolta como os homens de uma canção,
Saturno nas tuas trémulas mãos de sede,
correndo cinzeiros,
escrevendo palavras no corredor da morte...
Saturno... Saturno sem sorte... sorte que nunca teve porque de feiticeiro nasceu o texto com beijos de avião...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 27 de Janeiro de 2014

domingo, 26 de janeiro de 2014

A dita tranquila paixão...

foto de: A&M ART and Photos

Sentíamos os pinheiros de papel voando nas planícies pinceladas em vermelho inventado,
havia um pulmão de Inverno nos teus olhos de disco voador,
gaivota sonhadora, havia em ti um tímido silêncio de dor,
uma travestida mágoa conversando nas eiras com palheiros de granito,
ouvíamos, às vezes, o ranger das ripas entre os pregos ao aço dorido,
e sentíamos os triângulos isósceles quando ainda existia em nós... a dita tranquila paixão...

Ainda sinto as tuas tristes mãos onde habitavam palavras com medo,
segredos sem sentido,
amores proibidos... beijos que nunca conheceram o diáfano cansaço da noite,
sentíamos os alforges engolindo pedras e outras coisas sem nome,
e ainda sinto,
e ainda tenho... a dita tranquila paixão...

Sabíamos que a saudade era apenas uma palavra perdida no meio da seara envenenada,
sabíamos... sentíamos... sabíamos que os nossos corpos jamais se separariam das janelas com grades em vidro,
e no entanto... deixamos adormecer todas as imagens a preto-e-branco que tínhamos encerrado dentro dos nossos corações de manteiga,
o amor desperdiçado em voláteis vozes em fumo e banho-Maria,
e... e nós... a dita tranquila paixão...
em poderosos parquímetros com paquetes em dóceis apitos do desejo.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 26 de Janeiro de 2014

… e todos os sábados existe uma amoreira por beijar...

foto de: A&M ART and Photos

(Tinha prometido que nas próximas semanas não publicaria nada, poesia, textos... mas as palavras são mais fortes do que a dor...)


Converso com as vozes inaudíveis das montanhas ínfimas em ti
e percebo que o medo absorve-te como se fosses um alimento comestível na boca do Inferno,
oiço as sílabas distorcidas que brincam nos teus lábios de sebe envergonhada como eu,
oiço das montanhas ínfimas em ti os segredos nossos vividos entre o silêncio e a preguiça do desassossego,
habitas as transversais listras negras do temido sono que acordam todas as manhãs na garganta do sofrimento,
vives porque pareces um mendigo travestido de mendigo,
vives porque és o verdadeiro mendigo de mim... que ficou em ti de quando éramos poetas vagabundos sobre as árvores dos jardins sem braços em prata,
postais e revistas,
livros e pornografia barata, simples, submersas as tuas mãos em veludo fino,
cortinados que abanam e cintilam nas vozes nocturnas do amor,
amar-te como se ama uma lareira poética nos seios das finas lâminas da tristeza,
deixamos ficar a alegria nas sarjetas do póstumo amanhecer...

(… e
e fazemos de conta que em todos os sábados existe uma amoreira por beijar...
tu),

E fazemos de conta que as estradas que me levam a ti são em puro chocolate,
e fazemos de conta que dos teus beijos saltitam mãos de espuma,
areais de seda e janelas com olhos de vidro,
e...
… e fazemos de conta que em todos os sábados...
que hoje não existe vida nos teus brancos cabelos,
que hoje a noite parece um mórbido cobertor de Inverno sobre os joelhos teus quando ainda acreditas nos desejos pergaminhos da laranjeiras,
as palavras são propositadamente embriagadas para esquecermos a cinzenta estória sem livros para pintarmos,
temos em nós os vestígios carris do aço disfarçado de recta paralela,
a trigonometria da dor quando do envidraçado muro da desgraça uma rosa se submete aos teus encantos,
és lindo, és tu que albergas as minhas desventuras montanhas ínfimas em ti...
… e todos os sábados existe uma amoreira por beijar... tu... o pai que sempre quis ter.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 25 de Janeiro de 2014