domingo, 19 de janeiro de 2014

Sanzalas do pecado

foto de: A&M ART and Photos

qualquer coisa começada em pedra e terminada em erva
o terreno límpido onde pastam as vozes dos cortinados ensanguentados
húmidos pelo medo
às paredes o silêncio degredo
a morte vestida de flores embalsamadas
e portas encerradas
janelas que olham o mar
o mar que transforma janelas em barcos para brincar
qualquer coisa em ti
comedida
a dor sobre os teus ombros submersos em carris de aço nos lânguidos lábios em tristes abraços...
sabia-te deitado no meu destino,

ancorado
e bem amarrado como cordas que sustentam as pontes invisíveis das tempestades de veneno
converso e oiço-te em mim...

grito.... “Quero o meu caderno das argolas desbotadas quando a tarde ainda era tarde”... grito e quero-o em mim como se eu fosse um simples suporte de madeira deixado numa qualquer rua da cidade...,

a cidade fervilha e transpira
o corpo despe-se e do espelho do sótão uma lâmina de tristeza embrulha-se em ti
sim eu percebo que você é frágil e de frágeis vivem os jardins como vivem as árvores nos seios das pequenas gaivotas em papel...
a cidade és tu
o corpo é o meu
o meu corpo dentro do teu corpo
dois corpos suspensos na fronteira do prazer... vivemos na alegre solidão da dor...
sinto-as como se fossem as minhas mãos de amoreira em cima das nuvens negras do Inverno inferno travestido de Cinderela adormecida... ancorado... e bem amarrado... o teu corpo vive e habita nos rochedos das montanhas encarnadas
o teu corpo masturba-se nas sílabas assassinadas pela madrugada
oiço-as e invento-lhes nomes para que eu não enlouqueça como a insónia vogal do ciume
vive-se vivendo como esqueletos de ossos em migalhas de pão...
voa-se voando... quando de um corpo sem corpo acordam as sanzalas do pecado.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 19 de Janeiro de 2014

sábado, 18 de janeiro de 2014

Sem nome – o teu nome

foto de: A&M ART and Photos

Não sei o nome dos teus olhos molhados
quando chovem pedaços de saudade nas pedras íngremes do silêncio
convenço-me que sou um corpo putrefacto esquecido nos pingentes húmidos telhados de vidro
sentindo as tuas mãos em aço
e submergindo nas tempestuosas águas que as palavras trazem depois de escritas
ditas e perdidas nas calçadas com flores apaixonadas pelos candeeiros envidraçados do medo
e na areia da paixão sei que vivem vogais vestidas de negro vendendo o corpo por três moedas...
sei que o teu corpo é um fóssil mergulhado nas quatro pedras de gelo do meu invisível uísque
sinto-as como carícias sombras nas páginas do livro de poemas à procura do barco dos sonhos
apitam e choram apitam... e gritam... e apitam... e gritam o apito da melancolia
e em loucas orgias de sílabas licenciadas em nuvens de sémen...
não sei o nome... dos anzóis da solidão.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 18 de Janeiro de 2014

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Vozes de granito

foto de: A&M ART and Photos

Há uma estrada que nos transporta até à cidade do gelo
dento do desejo medo
um livro teu mergulha na inocência da noite poética
o uísque embainha-se no gelo da cidade perdida
e uma personagem invisível veste-se de madrugada
há uma estrada
uma rua e um nome...
há um calendário que me insemina na doce margarida em pétalas fungiformes
dos torrões de açúcar
e escreve no meu corpo os números tristes das planícies dos cegos
a gaivota da tua mão mórbida aparece nas costas do cortinado cinzento junto à lareira da paixão
e um corpo...
o teu corpo... arde como papel vegetal em pequenos esquissos dos loucos projectos,

Há vozes de granito que iluminam a escuridão das tuas pálpebras
e dor que transforma as plantas vivas em mortas jangadas de veludo
há a dita cidade do gelo
encastrada nos seios da mulher de palha...
oiço-os em gritos andaimes depois da despedida que o cais das lágrimas de aço transborda montanha abaixo
rio acima tudo dorme sem perceber que da noite nascem lençóis de prazer
e as pontes de vidro que eu toco são como a frieza dos teus velhos lábios...
o nome que não sei pronunciar
escrever...
o nome inventado nos rochedos de areia da cidade do gelo
há uma estrada em ti que me acorda em todas as alvoradas
e... e desejei eternamente ser em cartolina como os jardins do nada.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 17 de Janeiro de 2014

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Incineração

foto de: Martin Bernier

Incinero-me na tua sombra com os espelhos nocturnos do inverso complexo número
e sinto em ti as cinzas equações das tristes integrais
duplas… triplas...
infinitamente sós
soalheiramente sentadas num quadriculado caderno com capa negra
argolas nuas dos simplificados arames maleáveis em chapéus de palha humedecida pelo desejo orvalho da madrugada...
sinto-te desfalecer a cada minuto em desassossego e as janelas não mais acordaram depois da tempestade
o silêncio mergulha-te
insemina-te de falsos alicerces...
como falsas deles as palavras que somos obrigados a ouvir
incinero-me na tua sombra sem o saber
e não entendo as tuas lágrimas após caírem sobre o soalho os cortinados da solidão...


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 16 de Janeiro de 2014

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A lareira da paixão

foto de: A&M ART and Photos

Perceber o fogo do corpo em suspenso
aquele que arde entre a morte e as palavras enraivecidas
escrever no corpo que arde em suspenso quando os lábios do fogo
não morrem... e permanecem inconstantes como um círculo descendo a calçada da Ajuda
perceber que o homem arde
fervilha
e dorme no colo de outro homem...
ergue-se o cansaço argiloso das andorinhas de papel
vem a nós os desejos preguiçosos das saudades de ontem
e fervilhas
como um pedaço de madeira nas mãos de Deus...
porque o rio se despediu de ti e tu permanecerás dentro da lareira da paixão.



@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 15 de Janeiro de 2014