domingo, 3 de novembro de 2013

esqueletos vadios rolando as calçadas em direcção ao Tejo

Foto de: A&M ART and Photos

acreditava que eras em pedra maciça e que tinhas no cabelo uma seara de trigo
havia nuvens de poeira que envolviam o teu olhar
e sempre que chovia
uma janela acordava no teu peito
acreditava que não choravas porque as flores não choram
e eu
acreditava
que eras em pedra maciça
e eu
acreditava
que eras uma flor
com perfume de desejo

acreditava que pertencias às gaivotas de asas em papel
que vivias no mastro dos barcos doentes
e que amavas os homens como eu
esqueletos vadios
rolando as calçadas em direcção ao Tejo
acreditava que tu eras diferente
e que a escuridão da tua pele sangrava espinhos de chocolate...
doces desenhos no suor cuticular da vaidade solar
e tinhas na boca as palavras de vento que vomitavam bandeiras brancas em dias de tristeza...
acreditava
que eras uma flor
acreditava

que eras... um desejo
um corpo
um beijo de sílabas enlouquecidas numa tarde de Sábado
e no entanto
a tua escura pele adormeceu nos agrestes desenhos do Baleizão
que eras uma flor
lábios pintados de encarnado
beijos doirados
acreditava
e tudo parecia a mão da Inquisição sobre o púbis da saudade
havia ruas da cidade submersas em ti
como cordas de nylon aprisionando pêssegos carcomidos dos pássaros pretos


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 3 de Novembro de 2013

é Domingo

foto de: A&M ART and Photos

podíamos aproveitar os desenhos da sala de jantar
podíamos fazer das paredes húmidas telas com alegria
e palavras em espuma
à espera do Oceano
sentávamos-nos sobre a soleira da porta de entrada
e esperávamos o regresso das almas impregnadas no mármore livro onde dorme o avô Domingos
é Domingo
visitei-o e percebi que um dia
eu
não tenho quem faça o mesmo por mim
pertencerei a uma sepultura solitária
entre riachos e pedras dentárias
prédios e alicerces de vidro
é Domingo
e o avô Domingo parece satisfeito com a minha visita
não o consigo ouvir
não o consigo ver...
mas sei que ele vagueia nas minhas mãos enquanto nascem delas as palavras dele


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 3 de Novembro de 2013

Uma boca?


Termina a noite e sinto-me um desamor, desalmado, um pedaço de papel sem endereço ou palavras, sinto-me uma flor sem pétalas, ou
Uma boca?
Sou a boca sem lábios, a boca sem desejos, sou a boca das palavras envenenadas pela noite, vigio a luz que ilumina a minha mão, oiço a voz do teu sofrimento, oiço a voz dos teus anseios, oiço a sombra transformada em voz, oiço a pele sedosa da manhã na límpida chuva dos orvalhos clandestinos que aparecem nos dias de ansiedade, oiço a voz do desejo proclamando os inocentes divãs com pernas de cetim, oiço dos cortinados os vãos confusos que a tua língua deixa sobre a mesa-de-cabeceira do quarto duzentos e dezassete, e oiço a voz do simpático cortinado vomitando orgasmos; amo apaixonadamente a noite e a embriaguez das luzes encarnadas dos teus seios.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 3 de Novembro de 2013