domingo, 25 de agosto de 2013

não te pertenço

foto de: A&M ART and Photos

hoje és um mendigo igual a mim
uma pérfida folha de papel não correspondida
hoje és um cadáver envergonhado deitado na minha sombra
uma triste e cansada sombra debaixo dos lábios do púbis incenso
hoje és um sexo amargurado
triste como as sílabas empapadas dos livros de nada dizer
como as noites a arder
dentro de ti o comestível prazer

hoje finges que não te pertenço
que sou um muro em xisto
balançando sobre a encosta
atiro-me e encontro o rio
hoje és um mendigo igual a mim
fugindo da claridade
e dos beijos zangados em cinzentos fios de sémen...
e dizes-me que sou um palhaço

um voador corpo com asas em papel
hoje desperdicei os abraços sobre a lua em fúria
que deus deixou na mão da madrugada
hoje não sou nada
como ontem
como amanhã
hoje és...
apenas uma defeituosa maré de linho com coloridos olhos em verniz...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 25 de Agosto de 2013

Nunca mais o branco fumo dele nos meus lábios

foto de: A&M ART and Photos

Porquê?
Os navios em fúria de apitos, amontoavam-se à porta de casa, lá dentro, eu e ele, tentávamos esconder as amarras dentro da gaveta da cómoda, eles cá fora, gritavam
Porquê?
Marinheiros famintos, procuravam qualquer objecto que servisse para derrubar a frágil porta, escondemos-nos junto ao corredor que dava acesso à casa de banho, o peitoril fumegava, alguém já nos tinha lançado algo de combustível, algo de destruidor, abracei-me a ele, e com toda a minha força
Porquê?
Fiquei não sei quantas noites pensando que nunca mais terminaria a sangrenta guerra de palavras da cidade dos desejos, multipliquei abraços, dividi beijos, e hoje
Porquê?
Hoje pareço um íngreme cavalo de areia correndo sobre o mar,
E com toda a minha força apertei-o como quem aperta o único filho, e pela madrugada, não sei qual delas, ele partiu, consegui desembaraçar-se dos meus abraços, e
Nunca mais o branco fumo dele nos meus lábios,
Nunca mais
Porquê?
O silêncio pergaminho das suas mãos no meu rosto,
Nunca mais a voz desajeitada dele no espelho da casa de banho, irritava-me
Vens jantar logo, meu querido?
Irritava-me
Três torradas chegam, meu querido?
Assim não, assim sentia dentro de mim uma escada rolante em direcção ao poço profundo da tristeza, irritava-me
Querido
Sim, diz?
Querido, logo chegas cedo a casa?
E apetecia-me gritar, não regressar, nunca, irritava-me
Sim, diz?
Que coisa... a tua...
Os navios em fúria de apitos, amontoavam-se à porta de casa, lá dentro, eu e ele, tentávamos esconder as amarras dentro da gaveta da cómoda, eles cá fora, gritavam
Porquê?
Eles cá fora pareciam um exército de mendigos, procuram-nos como quem procura o vento antes de levantar âncora, o veleiro poisava-se sobre um banco de areia, rodopiava em pequenos círculos... e dali não zarpava nunca,
Porquê?
Os marinheiros famintos, o azedume dos versos que o poeta louco tinha deixado sobre a mesa-de-cabeceira no quarto da amante voavam porque o vento que antes se fazia sentir no corredor começou aos poucos a avançar em direcção ao quarto, a amante tinha desaparecido, ele e o amante, também desaparecidos, apenas os famintos marinheiros enrolados em poemas de “merda” que o louco poeta ante de suicidar-se tinha esquecido, tal como a janela aberta
Porquê? Esta chuva de papeis com pequenas palavras...
Os marinheiros
Porquê?
O poeta louco
Onde está ele?
A amante do poeta louco
Irritava-se com as palavras do seu amado, algo de destruidor, abracei-me a ele, e com toda a minha força
Porquê?
Porque hoje é Domingo, porque hoje há quitetas e cerveja Cuca...
Porquê?
Porque uivam os navios quando estão em sossego?


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 25 de Agosto de 2013

(e o negro que alimenta a noite de ti)

foto de: A&M ART and Photos

Tinhas-me prometido o sono
o sossego
e o negro
que alimenta a noite de ti,

tinhas-me prometido o silêncio
e as pequenas árvores do bosque
perto
antes do amanhecer acordar e levar-te,

Tinhas-me a mim
e trocaste-me por um velho espelho recheado de ranhuras...
tinhas-me prometido o desejo
e apenas cacos e pedaços de beijos sobejaram sobre a mesa da sala,

tinhas-me e nada de ti era a verdade
nunca tivemos manhã
nunca existiu em nós alegres madrugadas...
tinhas-me e deixaste-me fugir pela fechadura do medo,

tinhas-me prometido o prometido
as palavras que escrevo
que tenho medo de escrever e
as palavras vorazes como um rio em ti perdido,

tinhas
tinhas-me prometido o sono
o sossego
o desejo,

(e o negro
que alimenta a noite de ti)

tinhas-me prometido o fogo
e todas as lareiras de todas as bibliotecas das casas abandonadas
tinhas-me
e deixaste-me suspenso no tecto da insónia...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 25 de Agosto de 2013