sábado, 10 de agosto de 2013

Pedras rasuradas

foto de: A&M ART and Photos

As pedras rasuradas que alimentam os teus olhos
às lágrimas choradas
como ribeiras em declínio tombando sobre a calçada
vêm as árvores à tua dócil mão de chocolate adormecido
vens tu procurar-me no interior da fértil maré que a solidão semeia nos teus seios...
sou filho pródigo do teu ventre
sou as palavras que escreves nas pálpebras da inocência
as pedras
rasuradas...
onde deitas o teu cabelo em pedacinhos amanhecer
sombras e telhados olham um líquido escorrer...
das folhas enlameadas dos velhos saberes,

Choram as tuas pedras rasuradas
um livro recusado à mão escrever
escorrem de ti as uvas embriagadas...
em videiras tuas lágrimas choradas
as pedras
e o feitiço dos lábios suspensos na tua boca
as pedras
loucas quando adormeces sobre mim antes de nascer o sol,

Loucas quando... nascer o sol
as tuas pedras amarguradas
as tuas doces pedras rasuradas
que a chuva engole nas tardes de neblina...


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 10 de Agosto de 2013

Flores e ruas... Flores

foto de: A&M ART and Photos

Sempre o quiser, sempre sonhei viver, assim, como vivo, simples, livre, às vezes, pareço um abstracto pólen voando sobre a cidade infestada de ratazanas, flores, abelhas, mulheres e homens, crianças, tendas de lona e roulotes, sempre o quis ser, sempre sonhei viver assim, como hoje, ontem, procurando coisas, vendendo coisas, tendo dentro de mim
Coisas?
Dentro de mim a saudade das fotografias a preto-e-branco, imagens mortas, imagens encerradas dentro de um livro, imagens..., sempre o quis ser, sem cheiros, sem a visão da terra gretada antes das chuvas, dentro de mim, coisas, edifícios com coração de madeira, ruas e ruas, coisas, automóveis, barcos flutuando
Dentro de mim?
Coisas,
Não flores, dentro de mim, barcos flutuando nas sandes da manhã, dentro de mim, gaivotas vomitando coisas, porque a ressaca assim o determina, coisas, não flores, não guilhotinas, cordas
Para que servem, pergunto-te, coisas?
Não
Flores, a terra cheira a húmus, a terra cheira a literatura, a terra sabe a poesia, coisas, das coisas, de ti, e de mim, não, não flores, nunca, e nunca me ofereceram flores, nem quando ele se transformava em mulher, nem quando ele
Não
Não flores,
Nem quando ele olhava o espelho do guarda-fato, vazio, coisas, como um compartimento sisudo, sem sorrisos, e que nunca viu o silêncio, nem quando procurava
Ruas?
O desejo transformando-se em mulher, vagueando como minhocas nos jardins das plataformas do cais de areia, trazias umas calcinhas, não meias, Flores? Não
Flores,
E ruas...
Flores,
E nauseabundas camas ortopédicas, onde praticávamos os números de circo que depois exibíamos nos espectáculos sem nome, procurando terras, vivendo dentro de espelho, gemendo quando os sexos, o meu, e o teu, e não flores
Flores?
Se misturavam nos lençóis como a capa do homem que era responsável pela apresentação, uns gritos, uns poucos uivos, e gemidos, dentro do camarim, dentro do espelho
Não, hoje não, flores, não flores,
E ruas?
Nem quando ele olhava o espelho do guarda-fato, vazio, coisas, como um compartimento sisudo, sem sorrisos, e que nunca viu o silêncio, nem quando procurava
Ruas?
O desejo transformando-se em mulher, vagueando como minhocas nos jardins das plataformas do cais de areia, trazias umas calcinhas, não meias, Flores? Não
Não?
Fiquei
Perdi-me nas avenidas escuras com dentes de marfim, fiquei, dentro do armário, anos, meses, segundos, zero, menos um, menos dois...
Debaixo da terra, encalhado numa linda e bela fenda, eu, da roulote, chamava por ti, ouvias-me e dizias que tinhas ficado surdo, ouvias-me e dizias que a lona tinha voado, como o faziam
Pássaros?
Flores?
Fiquei, esperei por ti, perdi-me nas avenidas de gorro e sobretudo, e não
Flores?
Não
Porque odiávamos as flores, porque
Dentro de mim?
Coisas?
Tristes, as coisas que me contavas, contas, e deixaste de contar, tristes, nós, eu e tu, tristes, dentro de uma roulote parecendo um bar flutuante a passear sobre uma velha ponte metálica, porque, tu, deixaste de coisas
Flores?
Não, não flores.

(Não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

estranhas-me e desiludes-te

foto de: A&M ART and Photos

estranhas-me e desiludes-te
com as palavras que se escrevem nos meus cansados lábios
caminho corro caminho e sonho e volto a correr e volto a caminhar
com as palavras
passear-me correndo sobre as giestas adormecidas do orvalho Oceano
estranhas-me e desiludes-te
como eu
quando percebo que da rua vêm os desejos sem braços
pernas
esqueletos e aços
barcos em papel
e foguetes de cordel... subindo subindo subindo...

subindo teu corpo acima
do mais belo entre as madrugadas inventadas
e os sonhos
correndo só descendo contigo correndo como ele descendo descendo

caminhando na tua mão
sou como as serpentes
enrolar-me-ei no teu pescoço e acariciar-te-ei os teus desejosos beijos
descendo subindo descendo
caindo
subindo pelo teu corpo acima
descendo
como um rio entre as margens procurando os seios da montanha

tomando sobre o mar
cair
morrer sem morrendo
tombando tombando... tombando sobre as tuas coxas cinzentas

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó