quinta-feira, 25 de abril de 2013

A Floresta do Medo

foto: A&M ART and Photos

As palavras estonteantes que prenunciavas na minha ausência
e eu sem o saber acreditava em sonhos de infância
e cidades de vidro
e noites com lâmpadas mágicas vestidas com livros de poesia
e manhãs de quinta-feira pobres ou doentes ou quase nada,

De mim
quando sinto o meu corpo rolar sobre as rochas de insónia
e mergulhar no líquido viscoso dentro de uma conduta de cerâmica
oiço-os e sei que me perseguem
como cães raivosos provenientes das catacumbas do prazer,

Às palavras sem o destino perfume dos cinzentos fetos despidos como as ervas daninhas
quando caminham pela floresta do medo
sei que eles me perseguem
e que nunca me encontrarão porque há muito me sinto morto
longe deste silêncio disfarçado de felicidade...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 24 de abril de 2013

As cubatas da saudade e os musseques com homens de pano, com mulheres de palha...

foto: A&M ART and Photos

Eu pensava que os dias eram pequenos aeroplanos sobrevoando as cubatas da saudade e os musseques com homens de pano, com mulheres de palha, com meninos em forma de triciclo, e sempre que me erguia, ouvia, sentia, vinha até mim uma nuvem encarnada com olhos verdes, sobre ela, brincava um menino com um papagaio de papel e de cor amarelo, e eu sem saber o que fazer, puxava o cordel, e caía o céu sobre nós, as estrelas transformaram-se em papeis tão finos e pequenos que,
mal se conseguiam observar quando atingiam o pavimento térreo do largo dos morcegos nocturnos, havia mãos entrelaçadas, havia suspiros misturados em suor e lábios diluídos em pequenas bocas de sobremesa, depois do jantar, o cigarro perfumado, construído devidamente para o efeito, e uma borboleta em batimentos de asa fazia com que no terceiro andar direito, onde apenas dormia a minha vizinha Amélia, caíssem todos os objectos que jaziam sobre a cristaleira, coisa estranha, a minha, a vida de mim, como as mãos de ti penduradas nas mãos de ela, e claro que nas mãos dela, mas hoje, a mim, apetece-me escrever “nas mãos de ela”, e das mãos de ela
Nasceram pássaros, pequenos objectos em puro cristal, pratos em porcelana, barrigas de aluguer, flores de papel e janelas com cortinados de vidro e no lugar dos vidros, pequenos quadrados de tecido, de preferência, escuro, preto, assim, quase nunca se nota a sujidade, e nas tascas perdidas pela cidade, uma finíssima toalha em plástico ornamentava uma mesa caquética, que quando se pegava nos talheres, e como às vezes, estes, eram tão finos que se dobravam sobre o próprio estômago de aço, e tínhamos de recorrer às nossas mãos para dilacerar meio frango no churrasco em menos de quinze minutos, e era nessas alturas que sentíamos a mesa em pequenos tremores de terra, depois iam aumentando... até o líquido dos copos do jarro de alumínio, se derramar, e aos poucos, caminhar sobre a horrenda decoração estampada na toalha de plástico, e era quando vinha a menina Joana, trazia sempre um pano entalado entre a cintura e o cinto que segurava-lhe as calças de ganga, que nós fazíamos apostas para adivinharmos de que cor era, e como sempre, eu perdia, porque nunca acreditei que ela tivesse a cintura esbranquiçada, como eu tenho todo o meu corpo, e o restante, fosse num tom castanho com sílabas de madrugada, e o frango, como sempre, uma delícia...
e de mãos dadas lá íamos caminhando solenemente junto ao mar, nuas, sem pudor ou medo que o feitiço da paixão e do prazer provoca nas pessoas, nas flores, ou mesmo nos pássaros, e um dia pensei como seria uma cena de amor entre duas moscas, num sótão, apenas com uma divisão, a um dos cantos, um pequeno divã, e em toda a volta do compartimento uma longa estante recheada de livros, onde apenas havia o vazio da clarabóia, imaginava as moscas como nós, nuas, dávamos as mãos, e eu poisava-lhe a minha mão sobre o ombro dela, ela a princípio, em pequenos movimentos de asas, como a borboleta, olhava-lhe nos olhos, como tu, olhas-me e desejas-me, e gemidos de silêncio rompiam a escuridão da pequena solidão de vidro, deitava-me de barriga para o ar, às vezes, sentia as asas dobradas como pequenas folhas de cartolina, tu, docemente, colocavas-me a mão debaixo de mim, e voltavas a fazer com que as minhas asas, fossem novamente asas, e não papel grosso amarrotado, como os dias que não saíamos, como as noites que nos amávamos sem percebermos que do outro lado do telhado, um parvalhão com um mata-moscas na mão, perseguia-nos, sem perceber
Que o amor
quando quer,
Acontece.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 23 de abril de 2013

O senhor Amanhecer

foto: A&M ART and Photos

Não consigo diferenciar-te na paisagem do misterioso senhor amanhecer, és uma sombra, uma pequena janela de iodo misturada dentro de um copo com água-mineral, não cruzo os braços, encerro os olhos com a ajuda do punho de ferro em pulsações ritmadas, pegavas nas vitaminas, tomavas-as diluídas em água da chuva, quando acordava a seca, não vitaminas, não árvores com pequenas migalhas de flores miseráveis onde brotavam sílabas com lágrimas de incenso, olhava-te e sentia-te perdida na margem direita do rio sem destino, perguntavas-me como se escrevia um poema, e eu, respondia-te inventando histórias com palavra zincadas em molho alicerçado nos paralelos antes do patamar com acesso a uma porta de entrada, um vazio com paredes de vidro, húmidas nos cantos devido às uniões em borracha,
(hoje precisava-te)
Inventas palavras, mentiras secretas, coisas estranhas sempre a acontecerem em teu redor, uma árvore que cai, uma casa que fica doente, vómitos e diarreia, ou
(a calçada com o braço esquerdo suspenso no peito, provavelmente, uma entorse, ou)
A próstata, ou a diabetes, os olhos a diminuírem de tamanho, cor, como diminuíam os dias até vinte e um de Dezembro, depois, as dobradiças a necessitarem de um simples banho com óleo, o reumatismo, as artroses, lá fora, amanhã, uma voz ensurdecedora – Cinco Euros, meus amigos e amigas, apenas Cinco Euros pelo chá e ofereço este magnifico relógio de pulso, para a diabetes, para o reumatismo, para a próstata... Cinco Euros – e eu, tentado, e ela
(parvalhão, ainda acreditas nisso?)
E ela quase engolida pela paisagem do misterioso senhor amanhecer, és uma sombra, uma pequena janela de iodo misturada dentro de um copo com água-mineral, não cruzo os braços, encerro os olhos com a ajuda do punho de ferro em pulsações ritmadas, pegavas nas vitaminas, tomavas-as diluídas em água da chuva, quando acordava a seca, não vitaminas, não árvores com pequenas migalhas de flores miseráveis onde brotavam sílabas com lágrimas de incenso, e um silêncio de espuma saía-lhe de dentro, como se habitasse no ventre embalsamado pelo gesso das paredes obliquas até chegarmos ao tecto das ressacas ambíguas, dormentes, ferozes, como o exercito de abelhas do senhor amanhecer,
(diziam-me que foste a mais bela que alguma vez apareceu junto à margem direita do rio sem destino, hoje acredito que sim, ontem, pensava que eras a mentiras de mim voando entre dois ponteiros de um relógio, este, não de pulso, este algures pendurado na parede da sala, dia sim, anda, dia não, dorme, não o oiço, não telinta as horas, os quatros-de-horas e as meias-horas, levo-o às urgências dizem-me que é
(tristeza, saudades e afins)
É louco, e que com umas drageias nunca mais se lembra da tristeza nem da saudade... nem da paixão, do amor, do prazer e da fome, felizes aqueles que podem tomar estas drageias, felizes aqueles
(parvalhão, ainda acreditas nisso?)
Aqueles, felizes, os que vivem sonhando com sombras misturadas com trincos de madeira, cadáveres de sorrisos balançando nos gonzos empenados quando descem dos algerozes as coisas estranhas que acompanham a noite, vivem nela, são ela, são... direito, esquerdo, levante o braço – Eu? - sim, o senhor, o senhor amanhecer, quarenta e sete anos, profissão desempregado, não dorme, deixou de sonhar, come pouco para prevenir enfartes e outras doenças, e vive, fingindo que vive à beira de um rio com o nome de
(sem destino)
De princípio acreditava nas amendoeiras em flore, nos socalcos e nas videiras, hoje, hoje apenas emagrece lâmpadas incandescentes para reciclagem, vive com duzentos e vinte volts e anda uma gaja baixinha, magra, de cabelo entrelaçado como faz o vento aos pinheiros desgovernados, na peugada dele,
(não acredito)
Coitada dela, da infeliz
(diz-se apaixonada por ele, loucamente apaixonada).

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Em destaque – Sapo Angola
Blogue Cachimbo de Água

segunda-feira, 22 de abril de 2013

A mão inclinada

foto: A&M ART and Photos

O cubo corporal suspenso numa árvore de papel, a pele mistura-se dentro da sombra desenhada com as lâminas de barbear, escrevo folhetos, folhetins, panfletos, em promoção conseguia-se uns descontos confortáveis, três panfletos por cinco contos, barato, fazíamos sempre uma excelente compra, e se algo corresse mal, claro, sempre por culpa dos ciganos – A quem compraste, pá? - claro, a um cigano que andava a passear pela rua – Qual rua? - uma, qualquer, uma rua sem asas, em voos de liberdade condicionada, uma corrente de aço prendia-nos aos ventos do deserto, os barcos, havia, folhas de alumínio, tão grandes, grandes, enormesss, do tamanho da noite
(sem estrelas, e faço-o propositadamente para que os corpos mergulhados no cubo invisível, a carne embalada no berço das poucas coisas possíveis e imaginárias, ripas de madeira, sem pintura, quatro pregos, pregos em aço, não dos outros, em carne e osso, na moldura a fotografia dos teus olhos, apenas, negros, negros olhos, penumbra de ti quando descem as calçadas de Lisboa pelo teu corpo travestido, e antes de caírem no pavimento abriam-se-lhe das cabeças ocas com pilares de areia, o cubo, e o rio...)
Do tamanho do homem com braços de noite, com pernas de noite, com um esqueleto de noite, abraçados, apaixonados, dentro, fora, encarcerados, com grades de madeira, lá fora as crianças da escola pintavam o mar no tronco das árvores, e cá dentro, havia entre nós uma mistura fria, havia um líquido esbranquiçado que nos untava, oleava, e depois, depois vinham os dias, primos das calçadas de Lisboa, primeiro a Ajuda, depois uma outra qualquer, não interessa, e depois via-se o rio a sair da algibeira de uma mulher com cabelo preto, olhos castanhos e corpo esguio, como uma enguia saltitando as margens junto a Cais do Sodré – Amor, estou quase a chegar – e
(sem estrelas, e faço-o propositadamente para que os corpos mergulhados no cubo invisível, a carne embalada no berço das poucas coisas possíveis e imaginárias, ripas de madeira, sem pintura, quatro pregos, - Sim, meu amor, sim! - o inacreditável parvalhão esperava pacientemente pelo reencontro das fotografias de Lisboa com as fotografias de um local esquisito, distante, e quando lhe perguntavam – Onde fica isto? - ele apenas encolhia os ombros, silenciava-se e acreditava que ela um dia regressaria do vazio sonho sem almofadas, subia-se uma escada íngreme, apertadinha, e quando chegávamos ao sótão, a senhora teia de aranha – Noites de insónia, terceiro andar frente – e de mão dada, descíamos, descíamos, e acabávamos por ultrapassarmos as paredes velhas em gesso e quando acordávamos, estávamos num jardim público, e junto a nós o nicho de Nossa Senhora de Fátima, perguntavas-me – Amor, o que fazemos aqui – e como sempre, não respondi, ou não sabia responder)
E uma mão inclinada, provavelmente com uma inclinação de dezassete graus, e pacientemente, poisava no meu rosto,
(extraias-me a raiz quadrada, calculavas-me a integral tripla do meu coração, depois, traçavas aleatoriamente rectas sobre o meu corpo, até que
“O cubo corporal suspenso numa árvore de papel, a pele mistura-se dentro da sombra desenhada com as lâminas de barbear, escrevo folhetos, folhetins, panfletos, em promoção conseguia-se uns descontos confortáveis, três panfletos por cinco contos, barato, fazíamos sempre uma excelente compra, e se algo corresse mal, claro, sempre por culpa dos ciganos – A quem compraste, pá? - claro, a um cigano que andava a passear pela rua – Qual rua? - uma, qualquer, uma rua sem asas, em voos de liberdade condicionada”
até que nos deitávamos sobre um cobertor almofadado, um tanto preguiçoso, e em conjunto, resolvíamos todos os problemas de matrizes, e em conjunto calculávamos a massa dos corpos em repouso, pegávamos no peso quase sempre nos esquecíamos da força gravítica, e eu poisava em silêncio a minha mão sobre os teus castanhos olhos e – Pede um desejo! - ao que tu respondias – Quero-te a ti! - e claro, nem a raiz quadrada, nem as matrizes, e claro, nem as integrais triplas, faziam sentido nas nossas vidas)
E uma mão inclinada, provavelmente com uma inclinação de dezassete graus, e pacientemente, poisava no meu rosto, era a tua dúctil mão com sabor a cereja embrulhada em papal de chocolate, havia palavras no interior do papel
(eu amar-te-ei sempre)
E com o tempo,
Há muito tempo,
O papel derreteu com as temperaturas elevadas da cidade, e as palavras, elas, diluíram-se com a chuva miúda do último Outono ausentado do cubo empanturrado de corpos, nus, brancos, liquefeitos... como a terra molhada depois das chuvas, e o capim balançava dentro de um pedaço de saudade...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha