terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Os pedaços de açúcar da montanha dos sonhos

Subiam a montanha em direcção ao sítio onde viviam as nuvens de prata, rastejavam dentro do silêncio com a ajuda de uma mão envelhecida, moribunda, recheada com algerozes e janelas com cortinados de papel, subiam, docemente, subiam a montanha conhecida como a velha montanha dos sonhos impossíveis de realizar, percebia-se no ar pesado a respiração dos cadáveres adormecidos pelos versos do poeta marreco, louco, porco, que habitava numa cabana junto a uma ribeira com braços de luz e pernas de vidro, à lareira, sentindo as imagens furiosas das pessoas enlatadas que deambulavam nas esquinas do orvalho, estava frio, muito, e os cães vadios procuravam em pequenos cardumes de prata as coisas boas da vida, tínhamos medo, não dormíamos porque das árvores, às vezes, desciam esqueletos com canetas de tinta permanente espetadas nos olhos, e na boca
Pequenos segredos de saliva com finos olhares que as ardósia escreviam nas planícies da insónia, não, não sabíamos que a montanha era invisível, não, não sabíamos que a ribeira e os esqueletos com canetas de tinta permanente espetadas
Nos olhos,
Eram fantasmas desenhados pelo poeta marreco, louco,
Nos olhos,
Subiam a montanha em direcção ao sítio, uma pequena fogueira de vaidade emergia sobre as rochas prateadas onde dormiam os cães vadios
Nos olhos
O louco poeta marreco...
(   )
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Ou o pai retratava o filho

(    )
Juro, se fosse hoje, se fosse hoje inventava-me, colocava umas luzinhas na cabeça, pedia ao senhor Arsénio que me desenhasse umas asas e mandava-as construir ao tio Serafim, quando regressasse a casa com a estrelada, coitada, manca
Estrelada!
E amanhã não me fodes mais porque vais ficar na loja porque com a pedrada que te dei, e enquanto isso, o Serafim a jogar ao pino com os colegas da escola, e tenho quase a certeza que ele me constrói umas asas com vista para o Tejo, pensava o menino Pedro antes de adormecer e enquanto a família, pai, mãe e avós, todos, numa irritação
É a tua cara Alberto,
Não é não, respondia a avó Madalena, e acrescentava
É tal e qual o meu João, isso não tenho duvidas
E eu, e eu tenho a certeza que tenho algumas parecenças com um embondeiro, com um mabeco, ou na pior das hipóteses
Com um Anjo,
(mais uma breve pausa para ir à casa de banho regressamos o mais breve possível)
Sim, com um Anjo, Porque não? Deve estar louco menino Pedro, queixava-se o porteiro embriagado quando madrugada dentro ele
Eu, tu, regressávamos das longínquas sentinelas de estanho, deixávamos as mesas de granito junto aos jardins caquécticos da casa de S. Pedro do Sul
Constipação
Ou
Fígado,
Constrói-me umas asas, tio Serafim
E a coitada da estrelada só em três patas, sofreu tanto, tanto sofrimento teve esta ovelha, e o menino Pedro e a menina Margarida
Eu, tu, regressávamos das longínquas sentinelas de estanho, deixávamos as mesas de granito junto aos jardins caquécticos da casa de S. Pedro do Sul, deixara de chover, o fígado pifou uma vez mais, constipação
Ou
O pai retratava o filho com imagens a preto e branco, no tornozelo uma fitinha azul com o nome e o dos progenitores, e se fosse hoje, e se fosse hoje juro
Tinha-me inventado.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Os textos loucos nas paredes de betão


Tínhamos uma árvore de papel
das palavras com sabor a prata
tínhamos uma sílaba de lata
com pingos de mel
e nas tardes em silêncio que brincávamos com o mar
tínhamos um punhado meigo de melancolia
e versos de amar
que cantávamos até nascer o dia,

Tínhamos que ainda não esqueci
a harmonia
que às vezes disfarçava-se de alegria
e outras tantas vezes inanimadas
vi
e senti
o sorriso das lindas madrugadas
que eu inventava nas planícies acorrentadas,

Às bocas submersas no cais das merendas (livro de Lídia Jorge, O cais das merendas)
e murmurávamos na língua escura da solidão
os sons do piano bar
com os poemas da paixão
antes do jantar
murchava o coração
e das mãos pegajosas os textos loucos que a luz escreve nas paredes de betão
que um louco aldrabão esqueceu na sombra de uma árvore de papel,

Tínhamos sabão
e óleo vegetal com sabor a pimenta
tínhamos o amor e os lábios pigmentados com sandes de salpicão
e mesmo assim
no jardim
tínhamos sexo dentro de uma caixa de cartão
comíamos sem sabermos que as viagens para Marte eram pingos de saliva da tua imaginação
antes de regressarmos à morte que adormece nas lamentações de uma triste sebenta.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó