terça-feira, 1 de janeiro de 2013

A fragrância das tuas sílabas


A fragrância das tuas sílabas em seios de andorinha
voando entre lábios e arbustos dos jardins meu peito envenenado
coisas boas
em Lisboa
um rio me chama
e um mar me engole
com sabor a poesia
e ruas de alegria
este louco amor
ao de leve os vulcões sem crateras corações de areia
uivas em gemidos constelações
que o mapa das estrelas lança sobre a lua,

queres só para ti o luar
e as janelas belas
que a noite deixa cair nas esplanadas ósseas dos orgasmos que os pássaros em teu redor
remoem
e saboreiam
a liquidificação do sémen das manhãs do eterno Inverno
no deserto enterro
as tuas mãos
em teus lábios desespero
o silêncio
que nas palavras prometidas
escreves e ditas e ditas e escreves,

porcarias sem sabor
hormonas voadoras como pássaros incolores
que o amor transporta nos dentes do desejo
desejas-me sabendo que no meu corpo
há parafusos de aço
roldanas
chapas metálicas e zincadas
placas de madeira que a lareira incendeia
come
alimenta
as verdes noites do prazer
quando todos os relógios em ti dormem comem e fodem,

o quê?
os governos fodem o povo
o povo fode o vizinho do lado
coitado
do sapateiro
e do barbeiro
fodidos eles
também
pelo governo que fode o povo
em nome de deus
o quê?
a primeira vez das palavras inquietas e amargas das árvores adormecidas,

(a fragrância das tuas sílabas em seios de andorinha
voando entre lábios e arbustos dos jardins meu peito envenenado
coisas boas
em Lisboa
um rio me chama
e um mar me engole
com sabor a poesia
e ruas de alegria)

comes-me sabendo que os meus ossos poeirentos
são a argamassa luz que rompe e zumba as paredes fictícias do arame de papel
debaixo das mimosas de tecido negro às coxas da maré
em Lisboa
o Tejo que fode o povo
fodido pelo governo
que voa
e voa
entre o desterro e os rochedos dos pénis agachados nas planícies Alentejanas
coitados
dos sapateiros e barbeiros
e as ruas da alegria...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Menina de porcelana

Sábado, e uma casa abandonada, escura, fria, sábia e doce, sábado, ela vem buscar-me, pegar-me-ás sem que ele perceba o que é o amor, sem que tu percebas
A fina escória neblina que o soalho de vidro provoca em nós, mulheres, esposas sem marido e filhas de um Deus esquisito, às vezes, Ateu, outras vezes, malfadado, hirto, sujo, eu, quando te encontro em frente à rua onde vive a tua mãe, e tu
E eu sem que tu percebas as fotografias a preto e branco que dormem no álbum do teu pai, fotografias antigas, dos tempos de
E tu
Luanda, as gaivotas atravessavam a Baía e deitavam-se nas mãos dos mabecos enfurecidos pela escuridão das palavras mortas, murmuradas por cadáveres estonteantes, embriagados, às vezes, outras vezes
E tu
Desgovernada sem saber o que fazer, corrias pela cidade, batias às portas, e ninguém, ninguém dobre o zinco da noite a abraçar-te, ninguém para ti
Deita-te sobre mim, meu amor, e deitavam-se as nuvens sobre as mangueiras que os pássaros deixavam ficar nos quintais abandonados, deita-te sobre mim
Meu amor...
Ninguém para ti, ninguém para mim, de candeeiro em candeeiro, uma corda de aço prendia um petroleiro, homens maus com um chicote
Não me bata por favor, gritavas quando ele acendias os cigarros nas janelas da lareira, e que a morte nos trazia todas as noites nos finos cobertores que o inverno construía, e nós
Não sabíamos o que era o Inverno,
Imaginavas a neve como sendo areia dentro de uma caixa de sapatos, pesadíssimas botas mordiam-te os pés lilases de pétala amordaçada, e não sorrias, escondias-te no sótão, e choravas, e gritavas
Não gosto desta terra maldita, maldita extinta imunda, e
Adormecias agarrada a uma boneca de trapos que nasceu e cresceu no primeiro andar com janelas e vidros envelhecidos, alguns deles em perfeita decomposição, o cheiro imundo a vidro putrefacto, em pedaços, suspensos nos peitoris de madeira apodrecida, e suja
Repetição
Não gosto desta terra maldita, maldita extinta imunda, e
E suja
Minha amordaçada menina de porcelana,
Sábado,
E tu
Luanda, as gaivotas atravessavam a Baía e deitavam-se nas mãos dos mabecos enfurecidos pela escuridão das palavras mortas, murmuradas por cadáveres estonteantes, embriagados, às vezes, outras vezes, vezes a mais, aparecias em casa numa lástima, perdias as calças, perdias as mãos, perdias os braços, regressavas, entravas, não falavas, e deitavam-se elas sobre os muitos lençóis que o cacimbo deixava ficar pelas ruas, outras vezes, às vezes, um carro zumbia, rosnava entre cães e mabecos e cavalos que tinham fugido de um carrossel estacionado junto aos Coqueiros, mostravas-me os treinos de hóquei em patins, inserias a moeda na ranhura
E os barcos começam em círculos longos voos sobre os telhados poeirentos que pertenciam às nádegas húmidas do ciume, e as fotografias do teu pai
A Preto e branco, mortas, esquecidas no fundo de um caixote de madeira, em viés um seta pintada apressadamente e letras que mal se percebia
CUIDADO PARA CIMA,
E um tipo com os dentes virados para o céu, e esperava, CUIDADO PARA CIMA
A Preto e branco, mortas, esquecidas no fundo de um caixote de madeira, em viés um seta pintada apressadamente e letras que mal se percebia que sábado, e uma casa abandonada, escura, fria, sábia e doce, sábado, ela vem buscar-me, pegar-me-ás sem que ele perceba o que é o amor, sem que tu percebas, a fina escória neblina que o soalho de vidro provoca em nós, mulheres, esposas sem marido e filhas de um Deus esquisito, às vezes, Ateu, outras vezes, malfadado, hirto, sujo, eu, quando te encontro em frente à rua onde vive a tua mãe, e tu, e eu sem que tu percebas as fotografias a preto e branco que dormem no álbum do teu pai, fotografias antigas, dos tempos de
CUIDADO PARA CIMA,
Repetição
Não gosto desta terra maldita, maldita extinta imunda, e
E suja
Minha amordaçada menina de porcelana,
Sábado,
E tu
Luanda,
E eu
Não Luanda.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Rua B

O trânsito infernal, o (pára arranca) leva-me a imaginar uma rua sem saída, e muitas pessoas a caminharem em direcção, não sei, e não mo perguntes
Em direcção ao vazio,
Ao nada, ando uns míseros milímetros, agacho-me, sinto o próprio vazio da rua sem saída a coexistir dentro de mim, ruas, pessoas
Em direcção ao vazio, nuas
Muitas pessoas,
Em direcção ao vazio, os edifícios agachados também, tal como eu, e as árvores voam, fogem para longe, levam as folhas e as flores, muitas pessoas
Vazio,
Que transportam pele e osso, quilogramas de lixo cinzento, cigarros made in China, com sabor a Primavera, procura nos bolsos, não as encontra, as chaves, de casa, do carro, procuro-os nos bolsos
Os edifícios, não os encontro, os carros, as casas, procura nos bolsos as pessoas, fugiram, deixaram de pertencer à rua B do número trinta e três, outra vez, repita comigo
Trinta e três, rua B, quito esquerdo, e ela repetia, Trinta e três, rua B, quito esquerdo, abria as asas e começava a voar sobre a cidade, deixei de a ver, deixei de a ouvir
Perguntas-me se à cidade ou a ela, à rua B
E eu simplesmente tinha saudades, da rua B, dos alicerces, as pessoas, os pássaros, o trânsito infernal, o (pára arranca) leva-me a imaginar uma rua sem saída, e muitas pessoas a caminharem em direcção, não sei, e não mo perguntes, hoje, não, amanhã talvez, saio de casa, sais de casa, encontras no bolso
As chaves do carro,
Os cigarros, as chaves de casa, os edifícios, não os encontro, os carros, as casas, procura nos bolsos as pessoas, fugiram, deixaram de pertencer à rua B, os ciganos em exames à volta de uma fogueira, três ou quatro tendas, alguns animais, cães e burros, e uma leve e fina cortina de vento, silêncio, grito-te
Não te oiço, respondes-me, trinta e três, como? Chegas a casa, e desapareces como desapareceram todas as pratas e porcelanas que tínhamos na sala de jantar, entras, não te percebo
As chaves do carro,
Não percebes, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, não temos carro, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, que nunca tivemos
Um carro,
Não te percebo, que nunca tivemos
Um burro e uma carroça,
Não te percebo, que nunca tivemos
Nada, casa, que nunca vivemos
Na rua B? Não percebes, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, não temos carro, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, que nunca tivemos
Nada
Chegas a casa, não te conheço, perguntas-me se o jantar já está pronto, olho-te, olho-te e não te percebo
Porquê se não tenho, Porquê se nunca ti, Porquê marido,
Um carro,
Um burro e uma carroça,
Assistíamos à dança dos ciganos à volta da fogueira, lembras-te, perguntavas-me e eu juro que não, na rua B deve ser engano, não conheço, não sei
Não te oiço, respondes-me, trinta e três, como? Chegas a casa, e desapareces como desapareceram todas as pratas e porcelanas que tínhamos na sala de jantar, entras, não te percebo
As chaves do carro,
Não percebes, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, não temos carro, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, que nunca tivemos
Um carro,
Não te percebo, que nunca tivemos
Um burro e uma carroça,
Não te percebo, que nunca tivemos
Nada, casa, que nunca vivemos na rua B deve ser engano, não conheço, não sei, chegas a casa, entras em cada compartimento de luz, não me encontras, finjo-me invisível, e tu perguntas-me
Como se faz Rafael?
Não te percebo, que nunca tivemos
Um burro e uma carroça,
Que eu me lembre, apenas uma rua sem saída, e muitas pessoas a caminharem em direcção, não sei, e não mo perguntes
Em direcção ao vazio.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

blogue Cachimbo de Água em destaque


(Inventavas pássaros)
blogue Cachimbo de Água em destaque
Sapo Angola

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Absorviam-te as palavras

Insisto, desistes facilmente como se fosses a chuva miudinha dos finais de tarde em Belém, e nunca percebi, senti, sem ti, perceber

Porque me perseguias entre sombras e canaviais que escondem a cidade, porque me perseguias, sem perceber, sem ti e sinto, hoje, não propriamente hoje, ontem talvez, às vezes esqueço-me que já morri, defecado dentro dos orifícios das lilases masmorras de granito, sentavas-te e acorrentavas-te aos candeeiros encardidos, velhos, ontem, hoje não

Perceber, sem ti, sentir-te dentro dos meus olhos cabisbaixos, amorfos, fabricando euros clandestinos num barracão da Madragoa, e entortavas-te com a vestimenta disfarçada de gaja Espanhola, made in China, perceber

Hoje não, desculpa-me,

E entortavas-te nos lençóis embebidos em vodka, senti, sem ti

Hoje não, desculpa-me,

Sem ti e sinto, hoje, não propriamente hoje, ontem talvez, às vezes esqueço-me que já morri, defecado dentro dos orifícios das lilases masmorras de granito, os sexos murchos como as palmeiras da Baía de Luanda, quando o vento, as levava, e eu

Sentavas-te, sem ti, senti, sentavas-te a olhar o mar, e esperavas, pelo regresso das palmeiras, algumas regressavam, outras morriam, e outras

E entortavas-te nos lençóis embebidos em vodka, senti, sem ti

Libertavam-se das manhas de cacimbo, e o capim mergulhava nas tuas coxas de linho, o cortinado tremia, sentavas-te

Sentia-te,

Sentavas-te nos rochedos que as nádegas, e entortavas-te nos lençóis embebidos em vodka, senti, sem ti a paixão dos homens que se suicidavam dentro dos cubos de vidro, e sentavas-te nos rochedos que as nádegas de manteiga desenham nos espaços vazios da areia das parais do Mussulo, caraças

Sentavas-te e sentavas-te e sentia-te

Regressavam os barcos nocturnos das viagens sem regresso, perdias-te nas caves escondidas dos porões esfomeados que a saliva do desejo traçava nas paredes murmuradas em parêntesis incompletos, pontos finais sem fim, continuação da história, da mulher de saltos altos e meia de vidro no palco em delírios e sentavas-te

No caixão revestido de sorgo, amêndoas e chocolates fora de validade, acreditavas nas esplanadas junto ao rio, abrias as pernas, fincavas os dentes num pedaço de pano, sujo, imundo, húmidas as tuas mãos, e

Absorviam-te as palavras, desculpa-me, sentavas-te, sentavas-te, senti, sem ti, absorviam-te as palavras como se fosses um poema de amor, como se fosse uma rosa, uma nuvem, pássaro, ou uma árvores inventada pelas mãos de um apaixonado motorista dos machimbombos, com asas de de vodka, embebias os lençóis em sangue menstrual, limpidamente à janela de onde se observava a pastelaria, e quem diria

E entortavas-te nos lençóis embebidos em vodka, senti, sem ti,

E quem diria, que eu, um dia, acabaria como um lençol mutuário, sem testamento, herdeiros, e quem diria, que eu, um dia, sem ti e sinto, hoje, não propriamente hoje, ontem talvez, às vezes esqueço-me que já morri, defecado dentro dos orifícios das lilases masmorras de granito, os sexos murchos como as palmeiras da Baía de Luanda, quando o vento, as levava, e eu

E eu

Um vulcão,

E eu

Sentia-te,

E eu

Libertava-me das manhas de cacimbo, e o capim mergulhava nas coxas de linho construída por uma noite de insónia, e o cortinado tremia, e sentavas-te

Sentia-te,

Nos meus silêncios do inverno à lareira dos sonhos,

E eu

Não acreditei.

(Texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Quatro segundos de voz


Roubo às palavras ditas
palavras escritas,

a melancolia
quando acordo não percebendo que acordei
e tropeço nas areias húmidas das rochas incendiárias
e não sei que o dia compreendia
a enormíssima porcaria
de fato e gravata
que é o doutorado diabo
em silêncios mergulhado
torturado por uma velha de mãos efémeras em cio
com um sorriso na veia
maldita mulher que o vento semeia
nas coxas exaustas das tempestades de areia,

Roubo às palavras ditas
palavras escritas,

e eu sabia
que um dia
me fodia
acreditando nas palavras desertas
hirtas e difusas
e eu sabia
que um dia
um velho dia
ele vinha
me pegava
e me levava
até aos confins olhos das amêndoas que jazem nas cinzentas lajes do oceano,

Roubo às palavras ditas
palavras escritas,

e sento-me sobre as nádegas do amor
sou feliz
talvez
um pouco
muitas vezes dentro de um prato de sopa
a tua simples madrugada
em gaivotas voadoras
loucas
que a tua boca de papel amarrotado
dissimila
e deita-se nas celestes luzes das cidades de vidro
a dita palavra escrita dita roubada em quatro segundos de voz,

P.S.
Roubo às palavras ditas
palavras escritas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Cachimbo de Água em destaque


(Que era pintor e usava sandálias de couro)

Cachimbo de Água em destaque
Sapo Angola


terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Que era pintor e usava sandálias de couro

Sentia-me confusa, tremiam-me as pernas, dos braços, meus, claro, um pedaço de raiva remexia-se convulsivamente, e olhavam-me pelo interior dos cortinados de noite, que forçosamente cerravam as janelas do castelo da senhora dos grandes milagres, onde, desde que me recordo, vivi, cresci às mãos de uma religiosa meio louca, surda, que tinha alguns tiques, um deles, enquanto falava comigo, metia as mãos nos bolsos do meu hábito encarnado com listras azuis, e quando me apercebia, já alguns do objectos que eu transportava jaziam nas mãos dela,

Desculpa-me minha filha, mas faço-o sem perceber,

Usava um lenço de papel pardo ao pescoço, fumava às escondidas, e tenho uma leve sensação que gostava de mim, não o gostar como quem gosta de uma filha, gostava no outro sentido, quando pela noite, descia a Almirante Reis e numa das pensões de hora e meia, entrava, despia-se, e no silêncio da noite convulsivamente, construía barcos de madeira prensada que posteriormente um velho marinheiro utilizava quando ia em sonhos até alto mar e cismava que tinha pescado uma menina loira com olhos verdes,

Tinha um amante o teu pai,

Fui literalmente pescada por um marinheiro em alto mar, numa noite de tempestade e no intervalo de puxarem as redes e de ele atafulhar o cachimbo de prata com ópio, e enquanto acendia, e enquanto não acendia, e apagava-se, e novamente acendia, o adjunto do mestre foi içando as redes, até que

Comandante, comandante, temos um grave problema, e enquanto ouvia o adjunto pensei logo que tivesse sido o Francisco que caísse à água, pois quase sempre andava embriagado, gritei, O que foi adjunto?

Um amante?

Temos na rede uma menina loira com olhos verdes, pensei, Está ele também bêbado, maldito vinho..., e olhei

E não queria acreditar, pensei que fosse do ópio, mas percebi que não, era mesmo uma linda menina, raios, e agora? Que vão dizer os meus amigos? Que fosse do ópio, não, era mesmo uma linda

Tinha um amante o meu pai?

Que era pintor e usava sandálias de couro e vestia calções com mesquinhas letras transversais, e lia Proust, e nunca

Lhe perguntei o significado do amor, sentia-me confusa, tremiam-me as pernas, dos braços, meus, claro, um pedaço de raiva remexia-se convulsivamente, e olhavam-me pelo interior dos cortinados de noite, que forçosamente cerravam as janelas do castelo da senhora dos grandes milagres, a irmã Margarida, pede um desejo

E eu sem hesitar, abraçar o meu pai, tocar-lhe no cabelo indefeso que a própria idade lhe desenhou na cabeça, pegar-lhe na mão, sentir o cheiro

Do cachimbo do teu pai adoptivo?

Que era pintor e usava sandálias de couro e vestia calções com mesquinhas letras transversais, e lia Proust, e nunca

Tinha um amante o meu pai?

E nunca me desejou

Até que o mar me levou.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Às quatro paredes invisíveis da abelha inseminada


A casa louca às quatro paredes invisíveis
que o deserto africano constrói
sobre o cansaço adormecer de uma árvore voadora
e a triste saudade que uma simples folha de papel tece
na boca inocente do morcego
há noites que comem as outras noites incompletas pela imensidão arte do esconderijo
sôfrego
sofrido mendigo do prazer amigo

há ainda noites
separadas
amantes
dramatizadas
viúvas
casadas

doentes
sofridas marés de solidão
que os barcos do desejo rompem
esmagam
nas planícies faces xistosas da pele de uma abelha
à procura desenfreadamente pelo regresso das vozes de granito

não sei
eu
a casa de ramos e esterco empilhados sobre as camas do abismo
janelas sem guardião
portas de entrada sós
uma mulher com asas
não sei
eu

na fogueira mãe abraços
em brasas de sémen do tecto do palheiro
as teias de aranha cinzentas empobrecidas pelo fumo do cachimbo de prata
lata
que a noite comida pela noite anterior
deixou ficar
abandonada
sobre a mesa de quatro patas
o amigo o cão amigo de areia
à espera do mar que incendeia
que semeia os penhascos incensos do amor proibido
a lata inseminada pela cerveja fumegante dos espíritos às insónias molduras

quatro simples fotografias
eu
ele
ela
e a manhã em que me despedi de Luanda...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó