terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Segunda-feira

A calçada de ossos levava-a até ao rio dos silêncios, virgulas suspensas nos parágrafos incompletos que a vida vai escrevendo nas folhas verdes das árvores, os pássaros dentro da gaiola inventavam círculos de luz até cair a noite nos olivais distantes da cidade, a calçada de ossos

perdidamente apaixonado pelos sonhos coloridos que o vizinho do segundo esquerdo, segunda-feira, que tu desenhavas nos vidros embaciados das janelas anguiformes do húmido edifício, o suor dilúvio que a tarde provocava no peito da paixão deitava-se na cama cansada que o teu corpo habitava, eu tinha medo de desejar-te até morrerem todas as palavras,

a calçada de ossos, até ao rio dos silêncios, há na morgue literária cadáveres de prostitutas que os poemas comeram antes de serem poemas, quando os poemas não eram poemas, quando os poemas de inverno chamavam-se desejo das palavras, e ele, o poeta, o homem do segundo esquerdo construía, uma por uma, as frases insignificantes de homens que amam as árvores, de homens que amam loucamente os pássaros e os rios e os barcos, de homens, apaixonados pelo vento, verdes árvores e havia sempre uma janela indesejada, aberta, partida, abandonada, e homens que amavam outros homens na clandestinidade dos cacilheiros verdejantes, e afagavam o louco perfume dos sótãos com grandes finíssimas que as aranhas do medo deixavam enrolas nos lençóis do ciúme, e homens como eu que amavam mulheres impossíveis, e eu tinha medo de desejar-te até morrerem todas as palavras,

à espera da tua mão, tocavas-me e eu sentia os princípios elementares da mecânica clássica, pedacinhos de saliva nas equações complexas que nas tuas pálpebras acordavam depois da tarde se esconder no dormitório vazio do edifício semeado segunda-feira na cidade sem que tu, meu poeta, tenhas dado por ele, e ele vivo, lá, lá do outro lado da rua, rouba-nos o sol e o rio, tocavas-me e eu recusava-me a comer a sopa, perdia nos jardins as mãos e dizia-te O menino hoje não mãos, e tu acreditavas, e me olhavas até que o mar começava a correr nos teus olhos e eu sabia que choravas antes dos pássaros às voltas com os círculos de luz, habitava em nós a abelha abandonada, pedias-me e eu dizia-te Hoje não, Hoje não mãos, e a sopa diluía-se como as nuvens cinzentas do mar do amor,

segunda-feira

segundo esquerdo,

segunda-feira morre a paixão e eu tinha medo de desejar-te até morrerem todas as palavras.

(ficção não revisto)

Palavras de amar na maré tua língua


Sento-me sobre as águas ínfimas da noite quando sinto em mim
as luzes em pequenas doses de azul marinho
das conchas coxas transversais da madrugada
a tua voz silenciada pelas sombras tuas mãos
em mim
no meu pescoço alicerçadas,

guardo-os como se fossem só meus
os lábios vermelhos teus
às quatro paredes de vidro
que os sonhos desenham no livro das palavras
sento-me
sinto-me palidamente solitário junto às esquinas fictícias da morte,

às quatro horas do limite infinito alicate do amor
flores belas embebidas na vodka falsidade
que vivem na cidade translúcida e em pequenos vãos voos dos teus seios de vento
vive-se e vai-se vivendo inventando coisas
poucas coisas
que o homem descobre nas estrelas nuas entre os parêntesis da insónia,

sento-me
e sinto-me
e mergulho nas rochas melancólicas que na tua boca habitam
as gaivotas filhas dos barcos
e netas da revolta
Ai se a maré tua língua fosse só minha como são as palavras de amar...

(poema não revisto)
Sinto-me encornado literalmente. O fim do mundo já não vai ser dia 21 de Dezembro mas sim a 23 de Dezembro; e agora?
Eu preparei-me convenientemente, aluguei uma cabana no alto de uma montanha, com lareira, e clarabóia para não perder nada do então fim do mundo, e agora que não, já não vai terminar dia 21 e com um pouco de azar nem a 23 de Dezembro, e azar dos azares nem durante o ano de 2013, o que quererá dizer que vamos todos ter que levar com o OE para 2013 e mais as devidas enrabadelas que possam acontecer-nos por parte dos nossos governantes.
E eu que já tinha coisas marcadas para o dia 23 de Dezembro, lamento, mas dias 23 não posso ir...
E agora?
Estes senhores não conseguem acertar uma data? Até parecem, sem ofensa, os catedráticos que elaboraram o OE para 2013 que possivelmente não vão acertar nenhuma das previsões...
Se o mundo tivesse fim, Ai que eu gostava que fosse a 23 de Janeiro.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

para a menina dos sorrisos com lábios poéticos

“para a menina dos sorrisos com lábios poéticos que o silêncio das palavras alimenta a noite melancólica da paixão”, e queixava-se por tudo e por nada, faltava-lhe sempre alguma coisa

- ainda hoje coisas que faltam dentro de coisas que sobejam,

se tinha a prata de alumínio, faltava-lhe a heroína, tinha o dinheiro e faltava-lhe a prata de alumínio e a heroína, pior, tinha tudo e o corpo rejeitava em vómitos circulares que desenhava entre os plátanos e as sandálias que trouxera de Luanda, no recreio da escola escondia-se aos olhos do pinheiro manso inventando pinhões e vidros partidos, os calções sentiam a geada doce da Primavera, tremia de frio, enroscava-se nos abraços desertos que ouvia das palavras moribundas, das palavras sujas, das palavras imundas,

- e a palavra amo-te acabadinha de suicidar-se na rua Augusta, Tens a certeza miúdo?

sim pai, eu vi-a suspensa da janela do terceiro andar, estava roxa, estava incrédula, e o vento roçava-se nela e nele, quando o paragrafo inteiro, também ele suspenso na janela, putrefacto no esqueleto da literatura solitária que as noites de inverno constroem nas lareiras do sono, perguntava-me a que cheirava o cadáver de um simples paragrafo que quase nunca tive porque me faltaram sempre coisas, tinha a cratera do vulcão e faltava-lhe o divino magma, tinha tudo e

- os calções sentiam a geada doce da Primavera, o corpo rejeitava em vómitos circulares que desenhava entre os plátanos

palavras que nunca tiveste coragem de escrever no meu secreto diário, palavras de merda, palavras como a palavra amo-te depois de suicidada, coitada dela, da palavra amada, inventada por vezes no silábicos alumínios que o mar deixa cair sobre a espuma doirada do mês de Janeiro, ninguém, Tens a certeza miúdo? invejada por vezes no silábicos alumínios que o mar deixa cair sobre a espuma doirada do mês de Janeiro, e eu não sabia que dos beijos nascem poemas,

- ainda hoje coisas que faltam dentro de coisas que sobejam,

cruzava os braços, flectia os joelhos até me sumir nos xistos emagrecidos que as tardes de Abril gostavam de escrever nos vidros das janelas dos barcos,

- “para a menina dos sorrisos com lábios poéticos que o silêncio das palavras alimenta a noite melancólica da paixão”, e

o que são poemas, pai? Tens a certeza que viste a palavra amo-te suspensa na janela do prédio da rua Augusta? Sim, Pai, Tenho a certeza, roxa, silenciosa, imunda, suja, ah ah ah... poemas são palavras que se suicidam nos prédios com escadas até aos sótãos virados para o Tejo, sentavas-te e olhavas as longínquas manhãs inocentes depois das viagem até ao abismo, e tinhas inventado o ciúme,

- e os vómitos dilaceravam-me dentro das placas de gesso da pensão ALZIRA, mulher de boas famílias, culta, poetisa, e às vezes escrevias nas costas azuladas das portas da casa de banho as histórias sagradas, belas, poeticamente difíceis de esquecer, e eu, eu descia as escadas e quando pisava pela milésima vez os pesadíssimos paralelepípedo da insónia,

já não conseguia lembrar-me das palavras da tia Alzira,

-e tinha pena dela,

quando as pálpebras do poema sobre a madeira imunda, espessa, onde em pedaços de papel subtraído a uma velhíssima lista telefónica, ela, coitada dela, assentava os números invisíveis dos bilhetes de identidade, também eles, tal como a palavra amo-te, acabadinhos de suicidarem-se nos jardins de Belém,

- e tinhas inventado o ciúme,

e tinhas inventado a palavra amo-te, e tinhas inventado a rua Augusta, e ainda hoje, ainda hoje coisas que faltam dentro de coisas que sobejam; os teus lábios poéticos que o silêncio das palavras alimenta a noite melancólica da paixão.

(texto de ficção não revisto)

Vogais do amor


Abandonas-me como se eu fosse um pássaro
que de dentro de uma gaiola
ouve docemente as palavras do amor
em amar
às coisas belas que as estrelas semeiam nas mãos da Cinderela paixão
do amor
em amor
tua minha cansada noite de solidão,

abandonas-me como se eu fosse as singelas palavras
voando sobre os telhados de vidro que o desejo constrói em tua cidade
não há ruas simples e perfeitas
nos olhos envenenados pelo medo
um boneco torna-se em vida humana
quando do muro pincelado de amarelo
acorda a revolta que os teus lábios de seda
desenharam nas pedras frias da calçada,

abandonas-me
que de dentro de uma gaiola
das tardes sobejam os desassossegados braços das rectas paralelas
e no infinito
misturada com as sílabas
as vogais de açúcar
que o bolo do amor
deixou sobre a mesa.

(poema não revisto)


Em destaque no Sapo Angola
Blogue Cachimbo de Água

domingo, 2 de dezembro de 2012

Um coitado em silêncios beijos


As avenidas da solidão
que desço depois do pequeno-almoço
olho-me quando entram em mim as flores do inverno
e as tempestades que a noite putrificou dentro das esquinas complexas minhas mãos
olho-me
sentado
inerte
morto
um coitado
que passeia na tarde os murmúrios em ácidos cansaços beijos
ele descobre que o amor vive na escuridão das palavras
derretidas no açúcar invisível dos relógios de pulso,

silêncios beijos
os teus
sobre a impune geada das terras áridas transmontanas
a lareira morre na insónia tua boca
os desejos longínquos suspensos no tecto do prazer
prometendo números de circo
debaixo das árvores abandonadas pelas desertas esplanadas da madrugada
olho-me
sentado
inerte
morto
um coitado,

e não tens vergonha dos meus lábios de algodão
semeados na planície ínfima que a vida constrói
em cordões de sémen quando os vãos de escada descem às catacumbas dos sexos
magoados nas cansadas flores do inverno
as estrelas
as flores
o inferno
vêm dos distantes cais dos barcos de papel
silêncios beijos
os teus
os nossos corpos em decomposição
amam-se e desejam-se e no húmido pergaminho se transformam em poema.

(poema não revisto)

sábado, 1 de dezembro de 2012

Acrílicos voos do fatídico inverno

Saboreava-te percebendo que na rua sofrimentos e cansaços emergiam da literatura que sentados na esplanada em frente ao rio, ele, pegava na tua mão, silenciava os teus gemidos, e

- viste as minhas calças amor?

e percebia-se que lentamente como se o vento fosse uma lâmpada incandescente, covarde, lenta, e percebia-se que os outros miúdos de mãos na algibeira esperavam pelas quatro badaladas amorfas do relógio de água, Não, Não via as tuas calças e nem saudades tenho delas, às vezes, entra no quarto disfarçado de cadáver, cruza as mãos e poisa-as no peito dissecado sobre o mármore frio e longínquo dos barcos de papel que o novo inquilino trouxe do outro lado do rio, levantas as mãos até construíres um cordão de pedras preciosas à volta do meu pescoço, e novamente a tua voz de malmequer abandonado no jardim da saudade

- viste as minhas calças meu amor?

chaleiro, filho da puta, agora já sou o amor dele, Meu amor, Meu querido, grande cabrão este, da saudade até chegar ao Chiado, as ruas desertas, nuas, abruptas dentro dos lençóis levantes que as madrugadas de Belém deixavam na insónia entre espelhos e sofrimentos e cansaços emergiam da literatura que sentados na esplanada em frente ao rio, e não, Não vi as tuas calças nem desejos beijos às janelas sobre a cidade verde e ténue de cinza quando os orgasmos nocturnos subiam a Calçada da Ajuda, à direita olhava-a cambaleada nos paralelepípedo de cintilações que os corpos transeuntes questionavam nos folhetos de apresentação para o sarau onde sílabas e pedacinhos de peixe frito mergulhavam na geada poeirenta que em Trás-os-Montes se alicerça nos ombros dos vultos gaguejares com plumas de avestruz sobre o susto que a noite provoca no amor,

- sabes o que é o mar, guardião das minhas calças? Nele percebia-se a ausência melancólica das andorinhas e dos grunhidos fósforos semeados nas planícies húmidas do Tejo quando pescava mãos com os lábios cor de veludo, e ouvia-os em cada suicídio imprimido no pavimento circular do ciúme,

saboreava-te percebendo que na rua sofrimentos e cansaços emergiam da literatura que sentados na esplanada em frente ao rio, ele, pegava na tua mão, silenciava os teus gemidos, e

- viste as minhas calças amor? E quando o desassossego aparecia e silenciava os teus gemidos questionados pelos transeuntes amorfos do espelho da morte, ouvia-te chamares-me de dentro dos livros que eu deixava esquecidos sobre a mesa-de-cabeceira, e nunca tive coragem de pegar em ti, e possivelmente as tuas calças fazem parte dos cortinados inventados por ele, quando o rio se sentava no colo emagrecido do fim de tarde, vodka em cada suicídio imprimido no pavimento circular do ciúme

e percebia-se que ontem te ausentaste de mim como fazem as gaivotas depois do pôr-do-sol, sobe em ti a maré nocturna das palavras, lá fora uma lâmpada incandescente, covarde, lenta, e percebia-se que os outros miúdos de mãos na algibeira esperavam pelas quatro badaladas amorfas do relógio de água, Não, Não via as tuas calças e nem saudades tenho delas,

- há em mim o cheiro intenso a cadáver,

sem perceber que o ciúme telegráfico da tua língua brinca docemente nas asas do vento, e a cidade adormece nos teus olhos de milhafre esquecido nas nuvens fictícias das palavras inventadas nas tuas calças,
desejarei o amor ilimitado dos plátanos magoados pela noite teus abraços em pedaços de aço inoxidável pigmentado com acrílicos voos do fatídico inverno, e um dia desenharei o amor dentro de quatro paredes de vidro,

- viste as minhas calças meu amor?

experimenta na biblioteca, na prateleira do Lobo Antunes ou do AL Berto.


(texto de ficção não revisto)

Caravelas


Regressam as caravelas aos teus lábios cidade adormecida
na madrugada fundeada nas amarras do silêncio
há nas tuas poucas palavras
palavras
encantos
que fazem sorrir as caravelas,

regressam a ti de longe as minhas mãos guiadas pelo vento
dos suspiros que fingem espelhos de ternura
há nas tuas palavras
palavras
dor
amargura.

(poema não revisto)

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

morte inventada de ti em pedacinhos de amêndoa


a minha morte inventa-se dos papeis emagrecidos da poesia não escrita
a fogueira alimenta-se indecisamente como se eu fosse uma árvore
uma simples palavra
ou uma erva daninha
que brinca no recreio da escola,

metes-me medo
quando apareces no espelho do tecto da insónia
oiço-te chamares-me gritando para as flores verdes
e castanhas
e não esquecendo as cinzentas que colocaram sobre o meu peito,

e eu não vou
nunca irei
a minha morte entre três pedacinhos de vidro
obrigam-te a desceres as tuas lágrimas
e nunca mais gritarás o meu nome,

e dos teus olhos de purpura manhã engasgada no oceano
renascerá a voz melódica do uivo circular em medos negros
castanhos
as raízes do teu coração
vagueando na areia desgovernada da solidão.

(poema não revisto)