sábado, 21 de abril de 2012

Portas sem janelas


Apetece-me caminhar sobre as montanhas desenhadas na tela do inferno, apetece-me correr dentro dos cubos de gelo que guardo religiosamente na algibeira, e aos poucos..., e aos poucos sinto as finíssimas gotas de água descerem-me pelas pernas esqueléticas, migalhas de xisto desprendem-se das nuvens em direcção à cidade,
- os cigarros ajoelham-se e pacientemente solicitam-me Solicitamos a presença de vossa excelência nas nossas instalações pontualmente às vinte e uma horas, e por favor, e por favor faça-se acompanhar de um prato de alumínio, respectivos talheres, guardanapo e um copo,
e percebo que me vão enforcar nos jardins do palácio, e não há amor que me possa salvar,
- e já agora vou levar também uma toalha de linho e um cordel E não esquecer o guarda-sol, os óculos escuros e o meu esqueleto, e já agora percebo que me vão enforcar na árvore adjacente ao caminho pedestre enfeitado de arbustos e janelas sem vidros, e portas sem janelas, e casas sem pessoas, e pessoas, e muitas pessoas a olharem-me
e não há amor que me possa salvar,
a olharem-me como se eu fosse um louco agarrado às grades de ferro invisíveis que me protegem das gaivotas suspensas no rio, Para a sua segurança está a ser filmado, vou ao espelho, componho os poucos fios de cabelo de piaçaba, molho a ponta do dedo nos lábios esbranquiçados e começo a desenhar riscos no meu rosto, riscos e riscos e riscos,
- um sorriso por favor, e por favor, e por favor faça-se acompanhar de um prato de alumínio, respectivos talheres, guardanapo e um copo,
olho a árvore e debaixo do meu pé esquerdo o prato de alumínio, olho a árvore e debaixo do meu pé direito a toalha de linho, olho a árvore, olho a árvore e do cordel preso a um ramo embalsamado vejo o meu papagaio de papel em fintas de mão dada com o vento,
- Sabe minha Senhora? Diga meu amo! A vida é uma merda mas melhor do que isto não existe, Assim seja meu amo, Assim seja,
e por favor, e por favor faça-se acompanhar de um prato de alumínio, respectivos talheres, guardanapo e um copo, e do cordel preso a um ramo embalsamado vejo o meu papagaio de papel em fintas de mão dada com o vento,
Assim seja meu amo, Assim seja.


(texto de ficção não revisto)

Eternamente só

Eternamente só
pensava eu quando da janela sem sorriso
me olhava a lua longínqua emersa nos silêncios da noite
todas as estrelas desapareceram do céu
e todos os lábios adormecem nas profundezas do oceano
à procura de barcos sem destino

(pensava eu eu)

eternamente só
dentro deste cubo de vidro
poisado nas garras da solidão
à espera que morra a manhã
que morra a tarde
e se faça noite
dentro de mim
ou não...

(pensava eu)

pensava eu que da janela sem sorriso
um finíssimo fio de alegria
se entrelaçava nos meus braços
e eu começava a voar

sem destino
à procura de barcos
e se faça noite
dentro de mim
ou não...
pensava eu.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Horrores

Horrores
das palavras horríveis
no jardim sem flores

horrores
as sílabas dos teus lábios em delírio
ao cair a noite
meu deus Que martírio
os sussurros dos tambores
na calçada

os gemidos dos amores
sem madrugada

horrores

das palavras horríveis
nas janelas sem livros
sem flores nuas
sem poesia

horrores
quem diria
os sussurros dos tambores
junto ao rio

os gemidos dos amores
sem madrugada

sem nada.

As rasantes da manhã


Lá fora entre as rasantes da manhã
procuro desesperadamente o relógio de pulso
que deixou de funcionar
lá fora entre as sombras do veleiro embriagado
desesperadamente procuro o calendário
que ficou esquecido na parede da cozinha

lá fora
desesperadamente
entre o dia e a noite
procuro o vento
entre as rasantes da manhã
que deixou de funcionar

lá fora
na parede da cozinha
o meu corpo crucificado

nos lábios do luar...

quinta-feira, 19 de abril de 2012


O meu sonho, Dizia ele, Fazer amor contigo e ler nos teus olhos a palavra amo-te, escrever no mar e abraçar a lua, brincar na areia molhada da praia, e olhar docemente o sorriso do espelho do meu quarto, antes de adormecer, antes de começar o dia...

A cidade dos livros

Qualquer coisa estranha à janela
olho as árvores imaginadas
por um miúdo em calções
olho-lhe os braços suspensos no cacimbo
e ele acena-me com um sorriso ténue
antes de adormecer a tarde

e enquanto me acena
vai imaginando árvores enormes quase a tocarem o céu
árvores que rompem a montanha
árvores que alguém esqueceu
num jardim de aldeia
ou perdidas numa cidade
sem janelas
sem portas
sem casas
uma cidade construída em papel
e com muitas palavras
a cidade dos livros

a cidade dos livros
com gajas poeticamente desejadas
e poeticamente amadas
como as flores dos jardins de Belém

uma cidade sem cigarros
e sem rimas
e todas as personagens

coisas estranhas à janela.

Matriz composta

Procuro nos olhos oblíquos da manhã
a bissectriz do cansaço
o meu corpo transforma-se em matriz composta
e dos meus braços
crescem linhas paralelas sem destino
algures suspensas no infinito

elevo ao quadrado a minha solidão
e à raiz quadrada do sofrimento
adiciono uma noite sem nome
sem horários

sem nada

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Poemas sem palavras

Dentro das ondas do mar
adormece o poema que nunca consegui escrever
sílabas perdidas
onde pinto os meus sonhos
e poiso as lágrimas do amanhecer

poemas sem palavras
que brincam no jardim

dentro das ondas do mar
poemas sem janelas
agarrados a mim

poemas

terça-feira, 17 de abril de 2012

Não vale a pena escreverem no google “Luís Fontinha pinturas”, não sou pintor, não sou escritor, apenas faço parte dos 15% de desempregados... e a aumentar.