quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Insónia

 Em cada pedacinho de noite

Há um segundo de sono

Em cada silêncio de noite

Há um minuto de tristeza

E um indeterminado tempo infinito de insónia…

 

Em cada pedacinho de noite

Há uma lápide de Inferno

Com o meu nome

Com a minha morada

A cada silêncio de sono

Acorda um triste olhar de insónia

Em cada pedacinho de noite

 

Um segundo de noite

Em cada noite

Um segundo de Inverno

Enquanto o meu corpo se transforma em noite

Da noite em pedacinhos

Quando se despede a madrugada.

 

 

18/10/2023

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Um outro amanhã



Chove,

São as lágrimas do teu sorrir,

São as pétalas do Outono em Inferno partir,

São o silêncio da manhã,

 

Chove,

São as sílabas das tuas mãos em meu ser,

São nuvens de açúcar letrado,

Chove,

São as palavras do meu escrever,

São o cardo,

São o sono…

De um outro amanhã,

De um outro viver.

 

 

17/10/2023

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Montanha

 Sonho-te junto a este amontoado de sombras

De riscos invisíveis

Suspensos no tecto da insónia

Sonho-te junto a este amontoado de sombras

De palavras adormecidas

De poemas

E dias

E poesia envenenada

Sonho-te cansaço nocturno da madrugada

Flor em papel

Lâmina de sono

Nos teus lábios

 

Sonho-te junto a este amontoado de sombras

De corações de púrpura manhã sem nome

Tal como eu

Que também não tem nome

Tal como eu

Que também sonho

Que desenho

E me escondo

No cimo da montanha

 

Sonho-te junto a este amontoado de sombras

De inúmeras janelas viradas para o mar

Do mar dos teus olhos

Aos olhos do teu mar

Pertinho dos rochedos

Pertinho do céu

Sonho-te acreditando que as nuvens são os teus lábios

E nos teus lábios há uma janela

Uma janela especial

Onde te sonho

E beijo

No cimo desta montanha.

 

 

16/10/2023

Dia de chuva

 O que posso esperar

Depois de um dia de chuva

O que espero eu

Desta cidade envenenada

Nesta cidade de latidos

De gritos

De suspiros

 

O que posso esperar

Depois de um dia de chuva

O que me espera

Depois de um dia de chuva

Sentar-me?

Fumar-me?

Beber-me?

O que posso esperar

Eu

Depois de um dia de chuva

 

Depois de uma morte anunciada

O que posso esperar eu

Depois de um dia de chuva

Enquanto a noite regressa

Lentamente ao meu corpo

E espero

Que as estrelas em papel

Se transformem em mel

 

O que posso esperar

Depois de um dia de chuva

Quando os pássaros já dormem

E eu

Sei que não dormirei

 

Enquanto espero pelo que me espera…

Depois de um dia de chuva.

 

 

16/10/2023

domingo, 15 de outubro de 2023

O senhor estrangeiro

 Sinto-me um estrangeiro

Nesta cidade estrangeira

Sinto-me um estranho

Dentro desta cidade estranha

Nesta cidade sem ribeira

Desta cidade de montanha

 

Sinto-me só

Nesta cidade estrageira

Desta cidade sem nome

À beira

Da fome

Sinto-me um estrangeiro

Nesta cidade amuada

Com tudo encerrado

Desde a madrugada

 

Sinto-me um estrageiro

Nesta cidade amaldiçoada

Com tudo encerrado

Desde a madrugada

Sinto-me um estrageiro apupado

Pelo povo e pelo vento

Pelos relógios

Sou um estrageiro

Dentro desta cidade

Estrageira

À beira

De um ataque de nervos

 

Sinto-me só

Só um estrageiro

Sem nome

Sem dono

Um estrageiro redondo

Circular e uniforme

Que marcha

Que come

As palavras

E todos os estrageiros

Desta cidade estrageira

 

(Sinto-me um estrangeiro

Nesta cidade estrangeira

Sinto-me um estranho

Dentro desta cidade estranha

Nesta cidade sem ribeira

Desta cidade de montanha)

 

À beira

Da loucura

 

Sinto-me um estrangeiro

Dentro desta cidade de fantasmas

De marés envenenadas

Um estrageiro diplomado

Com asas

Com cornos

E cabelo encaracolado

Junto ao mar

O poeta enforcado

 

Sinto-me um estrangeiro

Dentro desta cidade estrangeira

Com tudo encerrado

Desde a madrugada

À beira-rio

O estrageiro enforcado

Poeta e vadio.

 

 

15/10/2023

Primeiro olhar

 Afinal onde ficou

O teu primeiro olhar

Onde se esconde

O teu primeiro sorriso

A tua primeira lágrima

Afinal onde ficou

O teu primeiro olhar

Onde se esconde agora

O teu primeiro silêncio

Para mim

Afinal onde ficou

A tua primeira palavra

Que se abraçou

Ao meu poema

Afinal onde ficou

Onde se esconde

O teu primeiro olhar

Do teu primeiro beijo

Afinal onde mora

Onde está

A tua primeira alegria

Do dia

Em poesia.

 

 

15/10/2023

Nuvem


 O cachorro não cessa de latir

A janela do quarto

Deixou de abrir

A chuva cai

A chuva traz vinho

E pão

Também

E às vezes

A chuva vai

Depois vem

E rima

Com ninguém

 

Ninguém à mesa

De alguém

Que já foi tudo

E hoje

E hoje entretém-se a comer chocolates

Coisas raras e boas

Castanhas assadas

E viagens sem fim ao fim-do-fim

Entre parêntesis

E a rima

E a rima com noite desgovernada

 

Que tinha não mão uma granada

E a rima

E pimba

A bala disparada

 

Contra o peito do magala

 

O cachorro não cessa de latir

A janela do quarto

Deixou de abrir

A chuva cai

A chuva traz vinho

E pão

E a chuva vai

E a chuva vem

Sem saber que do tecto cai

Que do tecto também

Uma nuvem sai…

E uma nuvem vem

Aos braços de alguém.

 

 

15/10/2023