segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Dia de chuva

 O que posso esperar

Depois de um dia de chuva

O que espero eu

Desta cidade envenenada

Nesta cidade de latidos

De gritos

De suspiros

 

O que posso esperar

Depois de um dia de chuva

O que me espera

Depois de um dia de chuva

Sentar-me?

Fumar-me?

Beber-me?

O que posso esperar

Eu

Depois de um dia de chuva

 

Depois de uma morte anunciada

O que posso esperar eu

Depois de um dia de chuva

Enquanto a noite regressa

Lentamente ao meu corpo

E espero

Que as estrelas em papel

Se transformem em mel

 

O que posso esperar

Depois de um dia de chuva

Quando os pássaros já dormem

E eu

Sei que não dormirei

 

Enquanto espero pelo que me espera…

Depois de um dia de chuva.

 

 

16/10/2023

domingo, 15 de outubro de 2023

O senhor estrangeiro

 Sinto-me um estrangeiro

Nesta cidade estrangeira

Sinto-me um estranho

Dentro desta cidade estranha

Nesta cidade sem ribeira

Desta cidade de montanha

 

Sinto-me só

Nesta cidade estrageira

Desta cidade sem nome

À beira

Da fome

Sinto-me um estrangeiro

Nesta cidade amuada

Com tudo encerrado

Desde a madrugada

 

Sinto-me um estrageiro

Nesta cidade amaldiçoada

Com tudo encerrado

Desde a madrugada

Sinto-me um estrageiro apupado

Pelo povo e pelo vento

Pelos relógios

Sou um estrageiro

Dentro desta cidade

Estrageira

À beira

De um ataque de nervos

 

Sinto-me só

Só um estrageiro

Sem nome

Sem dono

Um estrageiro redondo

Circular e uniforme

Que marcha

Que come

As palavras

E todos os estrageiros

Desta cidade estrageira

 

(Sinto-me um estrangeiro

Nesta cidade estrangeira

Sinto-me um estranho

Dentro desta cidade estranha

Nesta cidade sem ribeira

Desta cidade de montanha)

 

À beira

Da loucura

 

Sinto-me um estrangeiro

Dentro desta cidade de fantasmas

De marés envenenadas

Um estrageiro diplomado

Com asas

Com cornos

E cabelo encaracolado

Junto ao mar

O poeta enforcado

 

Sinto-me um estrangeiro

Dentro desta cidade estrangeira

Com tudo encerrado

Desde a madrugada

À beira-rio

O estrageiro enforcado

Poeta e vadio.

 

 

15/10/2023

Primeiro olhar

 Afinal onde ficou

O teu primeiro olhar

Onde se esconde

O teu primeiro sorriso

A tua primeira lágrima

Afinal onde ficou

O teu primeiro olhar

Onde se esconde agora

O teu primeiro silêncio

Para mim

Afinal onde ficou

A tua primeira palavra

Que se abraçou

Ao meu poema

Afinal onde ficou

Onde se esconde

O teu primeiro olhar

Do teu primeiro beijo

Afinal onde mora

Onde está

A tua primeira alegria

Do dia

Em poesia.

 

 

15/10/2023

Nuvem


 O cachorro não cessa de latir

A janela do quarto

Deixou de abrir

A chuva cai

A chuva traz vinho

E pão

Também

E às vezes

A chuva vai

Depois vem

E rima

Com ninguém

 

Ninguém à mesa

De alguém

Que já foi tudo

E hoje

E hoje entretém-se a comer chocolates

Coisas raras e boas

Castanhas assadas

E viagens sem fim ao fim-do-fim

Entre parêntesis

E a rima

E a rima com noite desgovernada

 

Que tinha não mão uma granada

E a rima

E pimba

A bala disparada

 

Contra o peito do magala

 

O cachorro não cessa de latir

A janela do quarto

Deixou de abrir

A chuva cai

A chuva traz vinho

E pão

E a chuva vai

E a chuva vem

Sem saber que do tecto cai

Que do tecto também

Uma nuvem sai…

E uma nuvem vem

Aos braços de alguém.

 

 

15/10/2023

Sem tempo o vento



Desiste do tempo

Enquanto tens tempo

Insiste no tempo

Do tempo sem tempo

Desiste do vento

E do tempo

Sem vento

 

Desiste do tempo

Desiste do vento

Desiste da tempestade que traz o vento

E leva o tempo

 

Desiste do tempo

Quando o tempo se esconde na madrugada

Sem tempo

Coitada

Coitado é do vento

Que corre

Corre

E nunca tem tempo

Para nada.

 

 

15/10/2023

sábado, 14 de outubro de 2023

A minha rua



É noite nos teus olhos,

Meu amor,

É noite nos teus olhos,

E do outro lado da rua,

Procuro a outra rua,

A rua da minha ausência,

É noite, meu amor,

É noite e do outro lado da rua,

Procuro a tua rua,

A rua das flores,

A rua dos jardins suspensos da Babilónia…

É noite, meu amor,

É noite no outro lado da rua,

É noite nos teus olhos, meu amor,

E procuro as tuas mãos,

E procuro os teus lábios…

Do outro lado da rua,

Em frente à minha rua…

Junto ao mar.

 

14/10/2023

Aldeia

 Triste nasceu o dia

Na aldeia

Triste e fria

A mão que semeia

O dia

A poesia

E a fogueira que incendeia

 

Triste nasceu a aldeia

No triste dia

Da luz da candeia

À luz do dia

 

Triste

Triste nasceu o dia

Na aldeia

E a aldeia resiste

Ao triste dia

 

Triste acordou a aldeia

No triste dia

Da luz que encandeia

E desenha a ideia

No triste acordar da aldeia

Da aldeia que não sentia

A ousadia

Do dia

No dia onde nasce a ladeia.

 

 

14/10/2023