sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Acordar

 Que o teu sorriso

Seja sempre o sol de cada manhã

Quando acorda

Que o teu sorriso

Seja sempre o poema

Em cada dia

A cada poesia.

 

22/09/2023

Outono

 O que posso eu oferecer-te no primeiro dia de Outono,

A não ser, um pedido,

Que te dispas, lentamente,

Devagarinho,

Que poises aqui uma pétala,

Ali, outra pétala,

Mais além…, uma outra pétala.

 

Que te dispas, como se despe o poema,

Ao cair da tarde,

Junto ao rio,

O que posso eu oferecer-te no primeiro dia de Outono,

A não ser, um pedido,

Que te dispas, suavemente,

E as restantes pétalas… lança-as ao vento,

E guarda apenas uma,

Para te recordares de mim.

 

 

22/09/2023

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Regresso

 Perguntavam-lhe o que ele queria ser quando fosse grande,

E ele,

Costureiro.

Como ele ainda não sabia o significado de estilista, respondia que queria fazer vestidos para o chapelhudo,

Criança parva, aquela.

Um dia quando acordou, olhou pela janela e decidiu que queria ser guardião de barcos, que felizes eles eram, quando se cruzavam, apitavam e beijavam-se…

O mar agitava-se, às vezes, outras, outras parecia um lençol de linho deitado sobre a tua pele, até que descia a noite e levavam-me para o camarote.

Cheirava a Nafta e eu gostava daquele cheiro, daquele silêncio da meia-sucata, alguns envenenados pelo tempo, ali parados, parados a olharem-me. Deitava-me. De barriga para o ar, olhava o tecto e desenhava círculos de luz com o meu olhar,

E ele nem percebia porque acordavam os mabecos durante a noite a chorar…, quanto mais que ia para Portugal, para a Metrópole. Raios.

E depois de desenhar os pequenos círculos de luz, imaginava a lua a descer, a descer, até poisar sobre a minha cama, pelo óvulo da janela, o mar, o salgado mar das tardes de poesia junto ao rio, enquanto me deixa ir pela preia-mar e só acordava numa qualquer pensão recheada de piolhos e afins,

Criança parva, aquela.

Um dia, qualquer dia, percebeu que valia mais ter ficado no mar.

Era frio. Às vezes, às vezes o cobertor não dava para os três, e mesmo assim, queria fazer vestidos para o chapelhudo, descia a calçada, e virando à direita, aterrava num qualquer aeródromo com cadeiras de ferro, e mesas de ferro. Ficava ali até acordar o dia… até o dia se fartar de mim.

Um dia, qualquer dia, quando se ia deitar descobriu que queria ser o silêncio,

Já sei o que quero ser quando for grande,

Quero ser o silêncio.

E eu expliquei-lhe que nunca poderia ser o silêncio porque ninguém pode ser o silêncio e que o silêncio é quando Deus está… em silêncio.

Não percebeu, o miúdo.

Parvo, este miúdo.

Aos olhos da neve sou um pedaço de alegria embebida em quadradinhos de ausência, já aos olhos dele,

Criança, parva.

Criança, parva.

O rio fartava-se dele, pedia-lhe desculpa, despedia-se e só ao outro dia, por volta das onze é que regressava, eu, lá, esperando que ele voltasse.

Talvez me pagasse o almoço.

Olhava-o, pedia-lhe um cigarro, e conservávamos sobre coisas banais, coisas simples, coisas de mim e de para um rio; o cobertor parecia uma folha de papel vegetal, e sentia os meus ossos em pequenos rangeres como gonzos loucos sitiados e revoltados numa qualquer clinica psiquiátrica.

Durante muito tempo acreditava que tinha deixado lá o sono em detrimento de trazer outras quaisquer bugigangas. Depois um parvalhão ofereceu-me um par de botas, pesadas, pesadíssimas como chumbo. Chorei.

À meia-noite ouvia o sino e acreditava que ao outro dia, um qualquer dia, todos os pássaros seriam livres.

Todos.

Estilista.

Quero ser estilista.

 

 

21/09/2023

O feliz ausentado

 Sento-me

Pego num cigarro

E penso

Penso que todos os loucos têm razão

Quando dizem

Que não estão loucos

 

Sento-me

Ausento-me

E penso

Penso que um dia

Qualquer dia

Alguém vai encontrar uma partícula

Com velocidade dez vezes superior à velocidade da luz

E a luz

Deixará de ser o limite

 

Penso

Sento-me

E fumo o que penso

Penso que um dia

Qualquer dia

O pequeno-almoço serão dois gramas de poesia

 

E uma colher de literatura

Sento-me

Ausento-me

E penso

Penso que um dia

Um qualquer dia

Não haverá noite

Não haverá dia

Haverá apenas fios de loiro Inverno nas mãos de uma criança

 

Penso

Ausento-me

E sento-me

Sento-me e fumo

Fumo do que me ausento

E bebo o que fumo quando me sento

E penso

Que um dia

Um qualquer dia

A chuva será de prata

E o Sol de oiro

E mesmo assim

Haverá gente

Gente que não sente

E infeliz

E triste como quem mente

 

Um dia

Sento-me

Ausento-me

E penso

Penso que não devia pensar

Que pensar dá trabalho

Cansa

E dá sono antes de adormecer

E mesmo assim

Penso

E fumo

E bebo o que penso

E penso o que bebo

E não bebo o que fumo.

 

 

21/09/2023

Pedacinho de silêncio

 

Porque te escondes num pedacinho de silêncio,

E não,

No meu olhar,

Porque te escondes nos lábios da manhã

Desenhando sorrisos na lua,

Porque te escondes nas primeiras palavras da manhã…

Sem perceberes

Que as palavras que escondes…

São as palavras que te escrevo.

 

Porque te escondes num pedacinho de vidro,

Na página de um livro,

Nos olhos de um poema…

Porque te escondes, musa,

Quando o dia, quando o dia sem o teu sorriso…

É um dia perfeitamente estúpido,

Sem sentido.

 

Porque te escondes num pedacinho de silêncio

E não,

No meu olhar,

 

Porque te escondes Princesa da poesia,

Porque te escondes dos meus poemas,

Porque te escondes,

Nesse pedacinho de silêncio,

E não…

No mar do meu olhar.

 

 

21/09/2023

(desenho de fontinha)

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

O tojo flor nas mãos de Deus

 Éramos o tojo

Nas mãos de Deus

Calejadas pelo silêncio de uma qualquer madrugada

Quando o poema desenha o seu orgasmo

Numa pequenina folha em papel

Fez-se luz

Acorda o dia

Abre a janela

Puxa de um cigarro

E pensa,

 

Fuma um dos pedacinhos do pensamento.

Éramos o tojo

A silva agreste nas mãos do agricultor

A fome e o frio

As vidraças todas partidas

Todas

E eles

Eram felizes

Com Deus o é.

 

Éramos o tojo nas mãos de Deus

Criador do Céu e da Terra

Da mulher e do homem

Das árvores e dos pássaros

Que voam

Sobre ti

Numa noite de Inverno

Junto ao rio

Debaixo do rio

O segredo imensurável da ausência.

 

Perdidos.

Eles.

Naquela triste escuridão

Dentro daquele malcheiroso quarto

Horrível

A janela para um jardim pobrezinho

Que nem pássaros tinha,

 

Perdidos

Perdidos de algibeira na mão

Perdidos no pão

E perdidos

Mesmo de louco-perdidos

Ou perdidos de louco

Sem saberem que a loucura é a saliva de Deus

E Deus…

Não o sei!

 

 

20/09/2023

Cidade perdida

 Não sei se me perdoarás de todas as merdas que te fiz

Mas era difícil ser diferente

Sempre fui diferente

Para ti

Não

(a merda de um filho nunca cheira mal…, disseste-me tantas vezes…)

Não e talvez sim

Quem sabe

Um dia

Eu voarei,

Sobre o teu cabelo ausente

No esplendor branco invisível

Que quando nascia o sol

Brilhava como uma rocha de mármore cinzento…

 

Depois…

Depois contávamos estórias de mentira

Eu, prometia-te

Tu, que estavas muito bem

Eu, mentia-te e que estava tudo bem

Tu, mentias-me que estava tudo bem

Quando

Nada

Nada estava bem.

 

Ausente sempre o fui

De mim

De ti

De todos

De toas as coisas visíveis e invisíveis…

Aí está

DEUS…

O teu deus

Pequenino

Mesquinho

Arrogante

Sim

Sim

Quando chovia… corríamos em direcção ao capim.

 

E éramos felizes

Felizes

(e falta-te aquele toque feminino da beleza)

O capim

Morreu com o estilhaço de uma granada

Tu

Estás no teu altar-mor e que não passas de uma foto

Nada mais do que isso

E eu

Procuro aquela cidade

A cidade do encanto

Do cheiro

Da terra quando cheirava a terra…

 

Queimada.

Não sei se me perdoarás

E tão pouco estou preocupado

Se perdoaste ou não perdoaste

De toda as merdas que te fiz

Quero lá saber de Santa Apolónia

Do Cais do Sodré

(e agora marchava)

Em direcção ao nada

À cidade perdida

No espaço

Na algibeira de um transeunte

Ausente

Sem ninguém…

E no entanto

Tudo perdoaste.

 

Tudo.

Coitado do magala

Escreve lágrimas em cartas sem remetente

Fotografa com o olhar todos os barcos que entram e saem da barra

E fuma compulsivamente qualquer coisa esquisita

E sabes?

Não interessa

Tu sabes tudo,

 

Um dia

Eu voarei,

Sobre o teu cabelo ausente

No esplendor branco invisível

Que quando nascia o sol

Brilhava como uma rocha de mármore cinzento…

 

 

 

20/09/2023

Luís