domingo, 17 de setembro de 2023

Planície

 Sou Príncipe

Tu és Princesa

Sou o guardião dos teus olhos de mar

Sou cavaleiro em revolta

Nos teus doces lábios de mel

Sou barco de papel

Sou flor rasurada

Sou luz diáfana

No silêncio da madrugada

 

Sou faina

Príncipe à tua volta

Tu és Princesa

Na mão da aforada       

Que corre e que grita e não se solta

Da manhã que acorda envenenada

Sou Príncipe

Tu és Princesa

Sou o teu poeta adormecido

Sou o teu escrivão

Que dorme esquecido

Do mar que se esqueceu

De um dia ter pedido

De todos os Príncipes do Reino

A alvorada sem ninguém

Triste e só

Triste nos olhos de alguém

 

Sou Príncipe

Tu és Princesa

Sou o cálice envenenado

Sobre a mesa do poeta

No poema encarcerado

Em gritos e revoltado

Ergue-se do alegre chão

Que me aponta

A mão

Do não

E dispara contra o meu coração

 

Sou Príncipe

Tu és Princesa

Sou um cavaleiro em revolta

Que de batalha em batalha

De planície teu cabelo em treliças de alecrim

Corre para o mar

E jamais volta

E jamais amará as palavras do luar

Porque chove

Porque gritam as sílabas do meu poema…

Se a noite é escura

E eu sou o Príncipe

E tu és a minha Princesa.

 

 

17/09/2023

sábado, 16 de setembro de 2023

Gaivota

 Em teu cabelo de mar ondulação

Brinca uma gaivota de papel

Tem um sorriso nos olhos

Tem nos lábios um batel

Em teu cabelo

De mar

Cinzenta tempestade

De ondas na mão

Em pedacinhos de fúria

Em teu cabelo de mar ondulação

Brinca uma gaivota de papel

Tem o silêncio na boca

E sobre os ombros embriagados de luz…

O sino da aldeia.

 

Em teu cabelo de mar ondulação

Brinca uma gaivota de papel´

Tem nas mãos o feitiço da lua

E nas asas

A doce liberdade.

 

Em teu cabelo de mar ondulação

Brinca uma gaivota de papel

Tem no sorriso um poema

Tem no poema um sorriso de mel

Em teu cabelo

Em mar ondulação

Brinca uma gaivota em papel

E um pobre coração.

 

 

 

16/09/2023

Os barcos da infância

 S. Martinho do Porto, Janeiro de 1989,

 

Deste quarto, dentro deste quarto, olho o mar e pinto o mar nos meus olhos, antes de adormecer. Deste quarto, onde me escondo, não sabendo porque me escondo, neste quarto pinto o sol no tecto, no tecto deste quarto, e sinto neste quarto, dentro deste quarto, o assobiar dos barcos da minha infância.

Neste quarto, de onde oiço o mar, pincelo o meu olhar com estrelas-do-mar e silêncios de alegria, depois, depois peço ao guarda deste quarto, peço ao senhor António, que liberte todas as serpentes, que dormem neste quarto e não gostam de poesia, como todos os que detestam poesia, que são muitos, que são alguns, não pertencem a este quarto, de onde eu, pela janela deste quarto, sinto o cheiro do mar, e depois,

E depois nada. Fico dentro deste quarto.

Vou à janela deste quarto, puxo por um cigarro, acendo-o preguiçosamente, eu oiço-os

Entre gritos, ao lado deste quarto,

Sem perceberem que dentro deste quarto,

Habito eu, o poeta suicidado por uma bala de medo numa tarde junto ao Mussulo.

Então senhor António, as serpentes?

Sei lá eu das serpentes, menino,

Sei lá eu.

E de dentro deste quarto, nem eu, nem eu, senhor António,

Nem eu.

Neste quarto, de dentro deste quarto, oiço o sorriso das girafas, brincando no capim como se fossem crianças pinceladas de saudade, neste quarto, dentro deste quarto todos os papeis são loucos, todas as palavras são loucas, neste quarto, de dentro deste quarto, todos os Sábados, junto ao rio…

Então o senhor António pensava que as serpentes não sabiam ler?

Sei lá eu, menino,

Sei lá eu,

Nem eu, de dentro deste quarto,

A bala sorriu e caiu no pavimento lamacento. Dentro deste quarto, neste quarto, aos Sábados, oiço o mar, desta janela sem sorriso, enquanto o senhor António se vai travando de amores com as serpentes,

E o menino,

O menino, deste quarto, de dentro deste quarto, deste quarto, dentro deste quarto, olha o mar e pinta o mar nos seus olhos, antes de adormecer. Deste quarto, onde se esconde, não sabendo porque se esconde, neste quarto pinta o sol no tecto, no tecto deste quarto, e sente neste quarto, dentro deste quarto, o assobiar dos barcos da sua infância.

 

 

 

16/09/2023

Luís

Tempestade

 Das sete espadas do inferno

Recebo as cabeças dilaceradas pelo poema em veneno,

Depois, pego em todas as palavras e semeio-as na sombra desenhada pela noite,

Mausoléu do silêncio, vírgula suspensa na tarde,

Das sete espadas, recebo o primeiro beijo da madrugada,

Vestido de negro,

E pincelado de medo.

 

Do rio sonolento, as vozes do inferno, chamam-me e apelam-me…

“que o dia se transforme em noite,

E as estrelas,

Em beijos croché com pedacinhos de sonho…”

Nunca terás as chaves do céu, dizia-me ele antes das sete espadas…

Partirem em direcção ao nada,

Quando o dia se cansa da tarde,

E velozmente,

Suicida-se na mão do Magala que está sentado na Torre de Belém.

 

Das sete espadas do inferno

Recebo as cabeças dilaceradas pelo poema em veneno,

Recebo o livro, recebo a morte,

Depois,

Sento-me e olho pelas janelas do inferno…

A planície vestida de branco,

Com árvores em papel,

Depois,

Sento-me e olho pelo tecto do inferno…

As estrelas vestidas de silêncio

E o sol,

E o sol olha-me,

Puxa-me…

E abraça-me como quem abraça a tempestade.

 

 

 

16/09/2023

Francisco

Escritor Transmontano Insigne Lista de 100 escritores

 




sexta-feira, 15 de setembro de 2023

O Corvo

 Olho-te.

Poiso a minha mão no teu corpo

Como se fosse o dia a chamar a noite,

Lhe desse um beijo…

E partisse para o outro lado do rio.

 

Olho-te

Dentro deste infinito labirinto de saudade,

Dentro deste círculo de tristeza,

Olho-te sabendo que não me ouves,

E que estás longe,

E que voas…

Sobre o pinhal de Carvalhais.

 

Olho-te.

Poiso a minha mão no teu olhar,

Ao de leve,

Como se eu fosse um pedacinho de luz,

Olho-te

E perco-me na tua sombra estonteante,

Debaixo dos teus gemidos

Que se erguiam na madrugada…

E não terminavam nunca.

 

Olho-te

E sei que me olhas,

E sei que vês e sentes o meu rosto…

Impregnado nesta tela sem nome,

Dentro deste pincelado desejo…

De voltar a ver-te,

Tocar-te,

Sem que percebesses que te via,

Sem que percebesses que te tocava…

E olhava-te,

 

No eterno pigmento lunar

Das mandíbulas entre quatro parêntesis rectos,

Uma equação

E um punhado de nada,

 

(Olho-te.

Poiso a minha mão no teu corpo

Como se fosse o dia a chamar a noite,

Lhe desse um beijo…

E partisse para o outro lado do rio)

 

Olho-te

Fingindo que estou parente a mais bela lâmina de medo,

Quando percebo que lá fora, distante de mim,

Voas como um corvo esfomeado,

À procura do meu último poema.

 

 

 

Luís

15/09/2023

Partida

 Esqueci o teu nome

Esqueci o teu rosto

Nas lágrimas do meu rosto,

Esqueci o teu cabelo

Quando a tempestade do silêncio

O levou…

E ficaste sem cabelo,

Esqueci a cor dos teus papagaios de papel,

Esqueci as tuas mãos que poisavam nas minhas mãos…

Apenas recordo o meu último beijo,

E com os meus braços abraçados aos meus braços…

vi-te lentamente partir!

 

 

Alijó, 15/09/2023

Francisco