Antigamente escrevia cartas, hoje, escrevo silêncios.
Sempre quis ser artista;
a minha mãe talvez acreditasse que eu um dia fosse estilista, pois passava tardes
inteiras, em Luanda, a desenhar e a costurar vestidos para um parvalhão de um
boneco, que ainda hoje desconheço a razão de o ter baptizado com o nome de
chapelhudo, e sendo eu contra os nomes das coisas e das pessoas, pergunto-me
Porquê?
Porquê chapelhudo…
Não o sei.
Como deixei de saber tanta
coisas,
A tarde fugia, e eu
corria e conseguia apanhá-la junto à capelinha, metia-a no bolso, e sorria, e foi
aí que aprendi a desenhar.
Antigamente escrevia
cartas, hoje, hoje queimo cartas e lanço-as ao vento, e o vento as leva para o
mar.
O meu pai nunca duvidou
que eu um dia viesse a ser artista, e não se enganou, de arte em arte, fui
artista maior da parvoíce e estupidez, graças a Deus e à insistência da minha
mãe com ele, cá estou eu,
Noutras artes.
Antigamente escrevia
cartas, hoje, procuro a tarde que fugia e eu corria, corria…
E agarrava-a junto à
capelinha.
E voavam, voavam,
Como silêncios envenenados.
Quase fui trapezista,
sim, trapezista, não fosse a minha paixão pela cachopa trapezista, e que queria
que eu a acompanhasse de terra em terra, num qualquer circo ambulante,
Não fosse essa minha
paixão, desfalecer, quando olhei para o céu,
E ela,
Ela voava, voava…
E pensei,
E voa, e voa…
E prefiro ser poeta.
Antigamente escrevia
cartas, hoje, hoje pinto trapezistas nas telas, desenhos os papagaios que a
minha mãe me ensinou, escrevo, escrevo para o vento, e para o mar.
Antigamente escrevia
cartas, hoje, hoje não escrevo cartas, mas sinto raiva, das cartas escritas.
Antigamente escrevia
cartas, hoje, hoje conto as cartas que escrevi.
21/07/2023