quinta-feira, 20 de julho de 2023

Traços sem nome



Olho este desenho,

Olho-o como se fosse um filho que não tenho,

Olho-o e não percebo de onde vêm estes traços,

Malditos às vezes,

Que ninguém percebe, como eu,

Mas eles são filhos da minha mão,

Portanto,

Meus filhos são.

 

Olho-os, depois,

Depois começam a acordar as palavras,

Tal como os traços,

Malditas também,

Às vezes,

São tantas as palavras,

Que aproveito meia-dúzia delas…

E as restantes,

Lanço-as ao mar,

Escondo-as.

 

Olho este desenho,

E sinceramente,

Não vejo nada,

E o pouco que vejo,

Vejo um tolo, um tolo que vai à janela,

E fica a olhar a piquena a comer chocolates,

O Esteves em volta do seu cigarro…

E eu,

E eu e o senhor Álvaro de Campos…

A olharmos para a Tabacaria.

 

Depois vou ao mar,

Retiro as palavras que tinha escondido…

E escrevo,

E escrevo parvoíces…

Tais como os desenhos que faço…

 

E feliz eu, que sou filho de Deus, feito à sua imagem…

Se não o fosse,

O Pacheco diria, (Estás fodido, pá).

Já o nosso saudoso João César Monteiro…

Bem…

(Quero que as más-línguas se fodam, que se fodam).

E eu,

E eu aqui a olhar para este pobre desenho,

Só,

E ausente…

Que acabou agora mesmo de nascer,

Que não lhe vou dar um nome,

Ninguém deveria ter um nome,

E mais uma vez,

Olho-o, olho-os,

E nada,

Não vejo nada,

Nem ninguém.

 

O Pacheco que ainda não está contente,

(Puta que os pariu),

E daqui a pouco é o pôr-do-sol,

Regressa a noite,

A noite tem estrelas,

As estrelas são lindas,

E a vaca,

A vaca não dá leite.

 

E mesmo depois de eu morrer,

Estes desenhos andarão por aí,

Por algures por aí…

Alguns prisoneiros de uma parede,

Outros acabarão numa fogueira…

E a maioria…

No cu de alguém.

 

(Olho este desenho,

Olho-o como se fosse um filho que não tenho,

Olho-o e não percebo de onde vêm estes traços,

Malditos às vezes,

Que ninguém percebe, como eu,

Mas eles são filhos da minha mão,

Portanto,

Meus filhos são).

 

E se são ou não o são só a mãe o saberá,

Neste caso,

A minha mão.

 

E ela diz-me que sim,

Olha, não vês pelos olhinhos!

Claro que sim,

Vejo pelos olhos e oiço pelos ouvidos…

Se assim não fosse,

Também eu seria um traço,

E um dia,

Acabaria no cu de alguém.

 

 

 

Alijó 20/07/2023

Francisco Luís Fontinha

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