sábado, 8 de julho de 2023

Coisas



Há quanto tempo

Há quanto tempo tantas coisas

Que já nem sei…

Há quanto tempo

As coisas

São coisas,

 

Há quanto tempo

O Sol não acorda de manhã

Há quanto tempo

O desenho de um abraço

Não cresce na minha tela,

 

Há quanto tempo

Há quanto tempo a Lua se veste de tristeza

E a tristeza

Se pigmenta de Lua,

 

Há quanto tempo

Há quanto tempo não desenho um sorriso no mar

Há quanto tempo

Há quanto tempo não consigo sonhar.

 

 

 

08/07/2023

Francisco

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Equação de Deus



Pego no teu doce olhar

E aprisiono-o dentro deste poema

Ainda sem nome

Meio pensado…

Meio envergonhado,

Pego no teu doce olhar

E aprisiono-o dentro desta mão

Que escreve este poema

Ainda sem nome,

E confesso,

Odeio os nomes…

Tudo era tão simples

Se nada

Mesmo nada

Não tivesse um nome,

 

O olhar poderia chamar-se de amar

O mar de pôr-do-sol

O Francisco

O poeta…

Equação de Deus,

 

Mas todos temos uma matricula

Um número

Eu sou o sete milhões

De anos à beira-mar

Ou a comer gelados no Baleizão…

Sei-te lá…

Foi há tanto tempo…

Mas isso já não interessa

O importante

É mesmo o teu doce olhar

De manhã dançante

Sobre uma fina camada de geada,

 

Pego no teu doce olhar

E corro apressadamente para a floresta dos silêncios…

Enquanto uma estrela te segreda…

Sei lá eu o que te segreda…

Para amanhã,

Para amanhã

Nada de novo

No teu doce olhar.

 

 

 

07/07/2023

Francisco

O currículo

 Enviei o meu currículo a Deus

Talvez

Talvez ele me queira como assessor

Talvez como chefe de Gabinete

Secretário de Estado

Ou mesmo Ministro…

Olha

Ministro da Poesia,

Não andei de bandeira na mão…

Mas prometo que vou andar.

 

E se Deus quiser

Eu também quero

Que o dia acorda sempre depois do um outro dia terminar a sua árdua tarefa de ser dia,

Quem diria que ele conseguia…

Subir à copa das árvores

Sentar-se à sua direita

Depois puxar de um cigarro

Inventar um abraço no perfume das flores…

E lançar-se sobre o mar,

 

A morte é o seu destino

Pois claro

Nem poderia ser uma outra coisas,

As lâmpadas

Todas fundidas

Se é mais barato trocá-las agora ou para a semana…

Tanto me faz

Quero lá eu saber das lâmpadas

Quando sobre mim

Tenho uma lâmina de insónia

Quase a desfalecer

E que nem Médico de Família tem

Coitada da lâmina de sono

Coitada,

 

Talvez logo

Muito mais logo

Ainda eu acordado

Deus responda ao meu currículo…

E me abrace…

Como se abraçam os rabiscos das minhas telas…

 

 

 

07/07/2023

Francisco

O gato preto



Ao cair da noite

Ouvem-se os tristes gemidos

Do gato negro,

Logo eu

Que confesso a Deus que odeio gatos

(e Deus sorri, olha logo tu… um coração de manteiga)

Que fiquei muito chateado

Muito triste

Quando me convenci a adoptar um…

E depois

Coitado

Tal como o senhor Mário de Sá-Carneiro…

Perdeu os miolos algures,

 

Ao cair da noite

Gemem as mulheres e os homens em tristes pedacinhos de cio…

Quando uma gaivota

Nas mãos de uma vagina

Que vem de longe

Me abraça

E quase que come todas as quadriculas do meu corpo,

 

Vou à varanda

Ao longe

A Nossa Senhora dos prazeres

E logo eu

Um verdadeiro Ateu

Pensa

Sei lá em quantas coisas penso eu

Penso que às vezes

Não penso

Penso que se eu tivesse asas

Era um instantinho…

Até lá,

 

Depois penso em tudo o que semeio numa branca folha em papel

E daí nada de novo

Como o Senhor Grande Luiz Pacheco…

Puta que os pariu,

 

Ao caiar da noite

Sentem-se os orgasmos lunares

Que brevemente acordarão sobre cada alpendre

Das cabeças pensantes

E não pensantes,

Cai então a noite

E as mãos de um corpo

Procuram a saliva nocturna do desejo

Há um púbis desenhado

Algures por aí

Junto ao Tejo

Ou junto a outra coisa qualquer

Se Deus quiser

Amanhã será Sábado,

 

Cai a noite

Sobre todos os meus papeis

Uns já dormem

Outros passam a noite acorrentados a um pigmento de silêncio

Enquanto um marialva resolve pela calada…

Roubar a lua

O luar

E todas as estrelas desejadas,

 

O corpo esconde-se

Dentro de uma mão

Junto ao rio

O corpo mergulha no outro corpo

E um só corpo

Permanecerá junto ao jardim dos poemas,

 

Enquanto o meu corpo vagueia

Procuro nos poemas de AL Berto

O silêncio

A paixão

A arte de mandar foder

Ou então

Ser eu o ofendido

(digamos: fodido)

E o corpo que transporta os pássaros da noite

Passeia-se

Vende o corpo do vizinho

E habita num rés-do-chão…

Sem janela para o Tejo,

 

O corpo não sabe

O corpo desconhece…

Que dentro de cada corpo

Há um lápis de sonhar…

Quer de dia

Quer durante a noite…

Deixará sobre uma tela…

O teu nome.

 

 

 

07/07/2023

Francisco

Palavras de um corpo

 O corpo extingue-se nas lágrimas do fogo

O corpo desaparece

E reaparece

Nos braços da madrugada,

O corpo finge

O corpo grita

Às estrelas de um doce olhar,

O corpo move-se

Contorce-se

E abraça-se ao vento

Quando o vento regressar

E novamente partir,

O corpo extingue-se

Dentro do teu corpo sempre que acorda a manhã,

O corpo escreve

Ao meu corpo

As palavras de um outro corpo,

Frágil

Doce

Meigo

Deste corpo que morre

Neste corpo quando se deita…

A triste noite ensonada.

 

 

 

07/072023

Francisco

O medo



Deste poema,

Palavras que escrevo no teu corpo de erva fresca

Quando o teu olhar me rouba o sono

E apagas as estrelas do tecto da minha alcofa,

Deste poema,

O desejado vento que brinca no teu cabelo

Quando um pedacinho de luar poisa nos teus lábios,

 

E com medo,

O medo…

E com medo deito a minha cabeça no teu peito,

Sendo eu um barco em papel

Em busca de um porto de mar com janela para a madrugada,

E deste poema,

Poema em construção na tua pele de brancura manhã…

Que espera o Sol

E traz a mim a lua.

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

(inédito)

Livro

 Este livro que escrevo

Na sonolência dos dias

E das noites perdidas

Este livro que escrevo…

E que brevemente será lançado à fogueira,

 

Na fogueira dos dias sofridos.

Este livro que escrevo

Na sombra do olhar materno

Um dia deseja voar…

Ao outro dia…, deseja morrer,

 

Este livro que escrevo

E rasgo

Quando acorda a manhã…

E lanço ao mar

Para que este livro, nunca mais seja um livro de sofrer.

 

 

Bragança

07/07/2023