domingo, 2 de julho de 2023

Abraço desejo

 

Em silêncio desejo

Este poema se mata

Deste poema sem lata

Na boca de um beijo,

 

Em silêncio desejo

Este poema desgovernado

Qua não vejo…

Em silêncio desejo o abraço desejado

 

Nãos mãos de uma Princesa.

Em silêncio desejo

Dorme a madrugada em triste beleza…

 

Do triste cansaço

Quando o meu corpo aleijo

Em busca de um abraço.

 

 

 

02/07/2023

Francisco Luís

Trigésima quinta madrugada…

 Amo-te dentro desta esfera em silêncio

Junto a este caderno quadriculado…

Amo-te na imensidão dos dias

E das noites

E das noites…

Sem os dias,

 

Amo-te como se estivesse a resolver uma equação diferencial ordinária de segunda ordem

Que não me vai fazer feliz

Resolvê-la

E que a única pessoa aqui feliz…

É o professor Mário Abrantes

Por eu a revolver,

 

Amo-te enquanto a Terra dá voltas ao Sol

E roda sobre ela mesma

Amo-te sabendo que do outro lado da rua

Brinca o mar

O mar da minha infância,

 

Amo-te junto a este hipercubo

Que está abraçado à matriz transposta da paixão…

Enquanto um beijo meu…

Anda por aí…

Entre a montanha

E a filha da montanha

E o chão,

 

Amo-te à vigésima quinta hora

Enquanto uma louca locomotiva se faz à estrada

Rumo aos rabiscos das minhas folhas de papel…

Amo-te dentro deste complexo casaco de forças

Em perfeito equilíbrio

Em X

Em Y

E em Z,

 

Amo-te à trigésima quinta madrugada…

Sem dormir

Quando dentro desta esfera em silêncio

Me obrigam a calcular o seu volume…

Idade…

E o sexo,

 

Antes que a noite te roube de mim.

 

 

 

02/07/2023

Francisco

Santa Apolónia

 O comboio

Com destino a Santa Apolónia…

Dará entrada na linha dois dentro de momentos,

Uma Donzela

De cabelo pincelado de vento

Pergunta-me se tenho isqueiro…

Digo-lhe que não fumo

Que nunca fumei…

Nem fumarei

Coisas estranhas,

 

Ela diz-me que para ter isqueiro

Não preciso de fumar

Porque posso transportar na algibeira uma esferográfica…

E nem saber escrever,

(pensei: ela é muito inteligente)

 

Passeio-me pela rua Augusta

Com um par de asas…

E que nem voar sei,

Pergunta-me ela…

O que são as pirâmides da insónia…

Respondo-lhe que nem sei o que são pirâmides…

Quanto mais essas coisas da insónia,

 

Claro que não

Voar dá muito trabalho.

 

Um gato aproxima-se

Dá-me um beijo na face esquerda

E segreda-me que está loucamente apaixonado por mim

(e eu que odeio gatos e os gatos também me odeiam)

Mulheres vendem o corpo a retalho

Por catálogo

Bebem uísque de Sacavém…

E dizem-se felizes

E dizem-se…

Tanto como eu…

 

Junto ao rio há um barco em apuros

Os meus cigarros parecem lareiras depois da meia-noite

E do livro que poisa na minha secretária…

Oiço a voz do silêncio,

 

Senhores passageiros

O comboio com destino a Santa Apolónia

Dará entrada na linha dois…

E partirá

Se chegar a partir…

Às dezanove horas e dois minutos,

 

Hesito

Ela hesita

Fico na dúvida se sigo destino

Ou se eu e ela desertamos…

E vamos apanhar o comboio

Com destino a uma pensão barata…

Que nas paredes em gesso

Tem frestas e um pequeno crucifixo,

 

E eu detesto

Odeio

Escrever o mais lindo poema de amor

No corpo de uma desconhecida

E ter Cristo suspenso num pedaço em madeira…

A olhar-me,

 

Fico sem jeito.

É como estar a fazer amor com a vizinha…

E o marido a olhar-me,

Poisei a esferográfica

Peguei num lenço em papel…

E aprisionei os olhos de Cristo,

 

Na tarde seguinte

O saudoso guarda Saraiva

Vai a minha casa

Vai a minha casa e pergunta à minha mãe se eu estou…

Claro que não

Senhor Saraiva…

Ele nem sabe voar…

Ele foi para a tropa!

O saudoso guarda Saraiva

Um pouco comovido

Diz à minha mãe que eu ainda não tinha aparecido no quartel…

Ela fica aflita

Depois mais calma…

E responde-lhe…

Talvez ele fosse voar nos braços de alguém…

 

Talvez ele esteja a rezar

A Cristo…

Ou a escrever um poema nos lábios da noite

Numa qualquer parede

De uma pensão de merda

Onde só pernoitam putas

E gajos a vender o corpo,

 

Do Tejo

E da Calçada da Ajuda

Muitas más notícias…

Ficaria de castigo duas semanas

Ausente de casa,

 

Fiquei feliz,

Muito feliz…

 

Entro no carro

Coloco o sinto de segurança…

E logo após este começar em marcha lenta

De Cais do Sodré… para Santa Apolónia

Começo a sentir a mão do oficial graduado…

A acariciar-me

E repentinamente

Fiquei na dúvida

Se lhe partia os cornos

Ou abria a porta do carro

E me lançava contra o Tejo…

 

E que dia de merda

Pensava eu

Junto ao Tejo…

 

As doze badalas nascem no quinto esquerdo

São duas da madrugada no rés-do-chão direito

A temperatura está agradável…

O comboio com destino a Santa Apolónia está quase de partida…

Na linha dois

E no duzentos e doze

Cristo consegue finalmente libertar uma das mãos

Retira o lenço em papel que lhe aprisionava o olhar

E em gritos histéricos…

TENS UM ERRO DE ORTOGRAFIA NA MAMA ESQUERDA DA TUA DESCONHECIDA…

Fiquei sem jeito

Um pouco envergonhado

E cuidadosamente pego na minha mão direita com a ajuda da minha mão esquerda…

E que sim…

Em vez de escrever desejo-te

Escrevi “desejou-te”

Ainda mais envergonhado fiquei,

 

Enquanto o comboio

Aos pucos

Despede-se de nós…

E quando acorda a manhã…

Estava só…

A desconhecida tinha ido apanhar o comboio das oito da manhã…

Para Santa Apolónia.

 

 

 

02/07/2023

Francisco Luís Fontinha

Ódio

 Este poema

Odeia-me

Este poema odeia-me

Tal como me odeiam os algures ausentados

Das palavras sem nome,

 

Este poema odeia-me

E morre na minha mão

Antes que caia a noite

Dentro deste poema…

E ele se transforme num pedaço de solidão,

 

Este poema

Não gosta de mim

Este poema odeia-me

Desde que acorda a manhã…

Até que a lua se despeça da noite,

 

E a noite me traga

Um outro poema

Que me vai odiar

Como este poema me odeia…

Das palavras sem nome,

 

Nas palavras do mar,

Este poema odeia-me

E finge que sou apenas um corpo sem mãos…

Que escreve este poema…

Sem perceber a razão de ele me odiar.

 

 

 

02/07/2023

Podia ter vinte Oceanos que nunca conseguiria abraçar o mar e, no entanto…, e, no entanto, amo o mar, e, no entanto, às vezes odeio o mar; e o meu pai, pegava na minha mão minúscula, mão de poeta, frágil, e leva-me a ver o mar e a olhar os barcos.

Apaixonei-me pelo mar e por barcos.

Hoje, hoje percebo que nunca conseguirei voar como voavam os papagaios em papel colorido que a minha mãe construía ao final de tarde, debaixo das mangueiras…

Hoje, hoje percebo que foi tudo uma mentira.

 

Oceano

 

Dos teus lábios

Ausenta-se o silêncio em espuma

Crescem nos teus lábios

Oceanos

E bruma,

Planetas e exoplanetas….

Astrolábios

Barcos de guerra

E Galiões saltitantes,

Nos teus lábios

Há uma lágrima de sono

Que se mata,

Um cigarro confundido…

Que dispara contra a madrugada,

Dos teus lábios

Ausentam-se as estrelas inventadas,

As estrelas acorrentadas…

E as restantes estrelas,

Que não sendo estrelas…

Acreditam que são uma estrela,

Nos teus lábios

Acorda um desenho

Despe-se o Pôr-do-sol…

E ao longe,

Regressa o barco da solidão…

Dos teus lábios

Nos teus lábios

Há um livro…

Há um livro com um poema…

Há um livro com um poema e dentro desse poema…

Há um livro com um poema e dentro desse poema um outro poema…

Que me diz,

Que me segreda…

Que dos teus lábios…

Há um Oceano de beijos.

 

 

 

02/07/2023

Francisco Luís Fontinha

Sonhos…

 

Os sonhos,

Os sonhos são apenas sombras

Sombras de nada

Dentro da nossa cabeça,

 

Os sonhos,

São pedacinhos de silêncio

São noites envergonhadas

Das noites sem destino…

 

Os sonhos,

Os sonhos são apenas sombras

Palavras que ninguém liga…

E vergonha…

De ter sonhado…

As sombras

Das sombras que a madrugada assassina.

 

 

 

02/07/2023