A coitadinha da moeda de
vinte e cinco escudos, só, só na algibeira do magala, sem que ela tivesse percebido
que dentro em breve estaria abraçada a uma pequena ranhura de uma cabine,
Os cortinados negros,
inventando a noite, quando ainda era tarde, final de tarde, junto ao rio, ao
longe,
Um petroleiro de sono,
uma jangada em cio procurando engate, que me convidava às vezes,
E eu aceitava,
Que outras tantas mais
vezes,
Me ignorava,
E eu…, ficava a olhar…
O Tejo,
Que eu às vezes, que eu
às vezes, recusava,
Nesta triste vida de
comandante deste navio,
Deste gigantesco
petroleiro,
Ouvia-se no silenciar da
noite inventada, o som da moeda de vinte e cinco escudos em pequenas descidas acentuadas,
Depois,
Depois uma mulher despia-se,
aos poucos, uns… aproveitavam o silêncio para se masturbarem, outros nem por isso,
e os outros…
Contemplavam,
O quê?
Um pedaço de carne esquecido
debaixo de um pinheiro, o puto foi entregue à Ermelinda, e que, lá anda...
Contemplar,
O quê?
Contemplar uma mulher só,
mais cansada da vida, de que a vida cansada dela, e, no entanto, comtemplavam-na…
Contemplar,
O cigarro e o cheiro
intenso a sémen,
Às vezes, às vezes
ouviam-se pequenos gemidos, dentro destas lâmpadas silenciadas que um louco
qualquer desenhou na geada.
Às vezes, às vezes
percebia-se no olhar desta mulher, percebia-se a fome, a porrada invisível que
um chulo qualquer invisível lhe dava, muitas vezes, às vezes, até nos seios se
percebia a tristeza desta mulher,
E, no entanto,
Apenas com vinte e cinco
escudos…
Às vezes,
Às vezes, às vezes dos
seios destas mulheres, desciam lágrimas de cansaço, desciam lágrimas de
saudade,
Saudade da infância,
Saudade dos amigos da
escola,
Saudade das ruas antes de
nascer o sol.
E, no entanto,
Contemplavam-na,
Contemplar, o quê?
Contemplar duzentos e
seis ossos, alguns já em mau estado de conservação, as pintinhas nos braços e
afins, da agulha,
Que chutavam heroína,
Que fumavam heroína…
E mesmo assim, havia quem
as contemplasse por uns míseros vinte e cinco escudos.
E ao fundo da cabine, o
Tejo, o cheiro do Tejo, e enquanto se preparavam para bater mais uma…,
Encerrava-se o óculo,
ficava escuro, ficava escuro dentro da cabine e do outro lado do Tejo, um navio
escondia-se da tristeza.
Contemplar,
Contemplar uma mulher
sofrida, às vezes quase criança, outras quase nem uma coisa nem nunca seria
outra coisa, que não fosse,
Criança,
E mulher.
E contemplavam-na,
Tal como o beijo
contempla os lábios, ou…, quando a maré entra pela janela, e ela, aquela mulher
inventada, por apenas vinte e cinco escudos…
Contemplavam acreditando
que do outro lado do Mundo, um apito perdido…, procurava a primeira lágrima da
manhã.
01/07/2023
Francisco Luís Fontinha