quarta-feira, 28 de junho de 2023

Madrugada

 

Tudo arde

Tudo arde dentro deste pedaço de nada

E no entanto

Desenho o fogo na minha mão…

Tudo arde

Tudo…

 

Tudo arde

E apenas o silêncio dorme…

Nada mais consegue dormir dentro de mim…

Os meus poemas suicidam-se ao nascer do dia

Os meus desenhos…

Esses…

Morrem envenenados pela luz das estrelas

 

E desta fogueira…

Apenas encontro as cinzas que a lua lançou ao mar

Numa triste manhã de Primavera…

Tudo arde

Tudo arde dentro deste pedaço de nada

E é tão lindo o fogo…

O fogo que consome a madrugada.

 

 

 

28/06/2203

terça-feira, 27 de junho de 2023

Tractatus Logico-Philophicus

 

Com quinze ou dezasseis anos comecei a consultar o “Tractatus Logico-Philophicus” de Ludwig Wittgenstein, o que eu procurava, ainda hoje não o sei, sei que passava noites quase abraçado a esse tratado sobre tudo, e nada do que eu precisava tinha.

Também, como referi à pouco, ainda hoje não sei o que procurava.

Consultava “Amor” e quase que levava com uma resma de equações matemáticas, de tratados e almas mortas de Gogol, e se é para ir para a fogueira, vamos então todos…

Também ainda não sei quem são e quantos são; alguns,

Tal como parte do manuscrito de “Almas Mortas” …

A minha mãe,

Fernando… marca uma consulta ao nosso filho, olha que ele não anda bem…

E claro que sim,

E depois de milhares de cartas escritas pelo Senhor Fernando António Nogueira para a sua grande amada,

A doce Ophelinha…

Não interessa…, deixei de receber cartas.

Quanto a mim, prefiro o Senhor Álvaro de Campos…, a tabacaria, a pequena dos chocolates, o Esteves…

Coitado do Esteves…, onde andará ele!

Deu-me trabalho, mas consegui convencer a minha mãe, que aquele calhamaço não era perigoso, e quase era irmão gémeo da Bíblia que ela tinha em cima da mesa,

Olhou-me,

Franziu o sobrolho,

Apelidou-me de Francisco…

E eu,

Já estou fodido; vou apanhar nos cornos.

A coisa passou, e eu todas as noites à procura no “Tractatus Logico-Philophicus” de qualquer coisa…,

E sabes, meu amor,

O senhor Álvaro de Campos tem algo de misterioso, não sei…

Tal como o que procurava naquele livro,

Nada.

Os anos passaram, ele acompanhou-me quase sempre, até quando fiz o serviço militar na Calçada da Ajuda,

Que de ajuda,

Nada,

Como aquilo que eu procurava.

Talvez procurasse um pássaro, talvez procurasse a insónia de uma pequena estrela de silêncio…,

E ainda não encontrei neste “Tractatus Logico-Philophicus” nada sobre Alhetas, que o calor que entra mais o calor gerado é igual ao calor que sai mais o calor acumulado…

E eu, meu amor,

De tanto calor…

Já nem sei se hoje é segunda-feira ou se amanhã é quinta-feira…, no entanto, recordo todas as palavras do Senhor Álvaro de Campos, e eu, de Tabacaria em Tabacaria, que deixei de comer chocolates para não ganhar peso, lá está ele,

O Esteves,

Coitado do Esteves,

E, no entanto, pareço o Esteves, à procura de um cigarro e que o vento me leve,

A minha mãe…

Estás bem, meu filho?

Já conversamos, quando eu regressar da lua...

Desenhava um abraço no meu rosto, e ficávamos horas a conversar sobre coisas; ela, que Deus era/é um ser maravilhoso, que ia sempre proteger-me de tudo e de todos…, coisa assim e coisa assado, e eu, eu perdia sempre porque não conseguia explicar o que existia antes da grande explosão na teoria do Big Bang, dava-lhe um beijo, e ia até à galáxia mais próxima.

Às vezes penso, e se tudo isto não existir.

E formas apenas um pedacinho de sono, em pequenos círculos…, na ponta de um elástico…, nas mãos de Deus?

Enquanto isso, ele…

Consulta o “Tractatus Logico-Philophicus” …

O Senhor Mário de Sá-Carneiro dispara o revolver na sua própria cabeça,

Aos vinte e seis anos…

Apetecia-me pedir ao Pacheco algumas das suas Pachecadas, e ir por aí…

Ir por aí a declamar os poemas de AL Berto.

E sabes, mãe…!

Está tudo no “Tractatus Logico-Philophicus”, de Ludwig Wittgenstein.

 

 

 

 

 

27/06/2023

Flor em luar

 

Há uma flor em tua mão

Tua mão em flor,

Tua mão em minha mão

Na tua mão em dor.

 

Há uma flor em papel

Flor na mão tua minha mão de mar,

Uma flor nos teus lábios em mel…

Do mel doce lar.

 

Do mel doce amar,

Uma flor em tua mão…

Uma flor que não sabe falar.

 

Há uma flor de beijar,

Uma pequena flor no teu coração,

Uma linda flor, uma flor em luar.

Lábios de mel

 

Transportas no olhar

As palavras que te escrevo,

Das palavras de beijar

No teu corpo em relevo,

 

Transportas no olhar

O desejo de viver,

O desejo de te desejar…

Desejar em ti escrever,

 

E desejar e escrever e beijar…

Nos teus doces lábios de mel,

Enquanto tens uma estrela em ti a brilhar

 

Que faz de ti a Deusa do mar,

Transportas no olhar este meu pedacinho de papel

Onde poiso a vontade de amar!

segunda-feira, 26 de junho de 2023

Silêncio de minerais acesos…

 

Enquanto oiço alguns poemas do AL Berto

Penso

Enquanto me sento nesta tábua invisível

Enquanto procuro o sono no sono

Desta tábua invisível

Penso

Penso e guardo dentro de mim

Algumas das frases dos poemas de AL Berto…

“demoraste tanto, meu amor…”

“nesta cama de minerais acesos…”

Penso

Que sou muito parvo em pensar…

 

Enquanto oiço alguns poemas do AL Berto

Penso

Semeio alguns rabiscos nesta pobre folha em papel

Procuro dar vida

Ao que jamais terá vida

Mas procuro…

Procuro neste silêncio de minerais acesos…

Sei lá eu o que procuro…

Demoraste tanto, meu amor…

 

 

Desta cama acesa no interior de uma caverna

Oiço-o

Penso…

Pensarão que estou louco… e alguns… dizem-no

E se aquilo que tenho é loucura…

Estou tão feliz, louco…

Dessa cama de minerais acesos...

Demoraste tanto, sílaba do sono,

 

Penso

Afrodite do medo

Alucinação das praias doiradas do Sul…

E oiço-te, meu querido…

Oiço dentro deste silêncio onde poiso a enxada do sonho…

A luz

E acredito em ti, meu querido…

E penso

Sim

Meu querido

Penso

Quando dizes… “nessa cama de minais acesos…)

Imagino o sono

Dançando nos braços da madrugada sem destino

Depois

Pergunto-me o que faz esta circunferência de luz…

Na minha mão…

Demoraste tanto…

 

E oiço-te

E escrevo-te

 

Enquanto oiço alguns poemas do AL Berto

Penso

Enquanto me sento nesta tábua invisível

Enquanto procuro o sono no sono

Desta tábua invisível

Penso

 

E deixei de acreditar em ti…

Mentes-me

Sempre

Dizes-me vezes sem conta que abres a janela…

E o mar todo entra pela janela…

MENTIRA

Abro a minha janela…

Grito pelo mar…

E nada…

Nem a espuma dos dias

Nem

Os dias em espuma…

 

Mas oiço-te

E dirão que estou louco por te ouvir…

Não me importo

Com a tua paixão

Tão pouco com a minha…

Apenas desejava  

Meu querido

Que quando gritasse pelo mar…

O mar todo entrasse pela janela…

 

 

 

26/06/2023

As árvores do desejo

 

Voa a paixão nas tristes árvores do desejo

Que abraça o medo da solidão,

Quando na claridade

De um beijo,

Um tamarino em tua mão

Chama a si a clepsidra da saudade,

 

E do homem que sou,

Dos meus olhos tristes no sémen das palavras envenenadas

Uma árvore se cansou

Como se cansam no fervilhar do prazer

As madrugadas que não tenho, nas madrugas em que vou,

Não vou mais viver,

 

Viver para quê, se a vida é apenas uma sombra de luar

Em direcção à morte,

E quando se vive a paixão nas tristes árvores do desejo,

No triste orvalho sem destino,

Há sempre uma flor cansada de gritar…

De gritar por aquele triste menino,

 

E deste corpo sem sorte,

A nuvem de luz sem tino

Corta a cabeça milenar das cansadas

Espadas,

Nas espadas… deste pobre menino,

Menino que espera pela morte.

A tua mão

 

Enquanto tudo arde,

Sento-me e pego na tua mão,

Enquanto a noite cai sobre ti

Semeio as minhas palavras no teu corpo,

Ergo a voz a Deus,

E percebo que brevemente vou voar,

 

Percebo que estou vivo,

Respiro,

Amo,

Enquanto tudo arde,

Trago a mim aquele rio de saudade,

Trago a mim os teus olhos em maré…

 

Enquanto tudo arde,

Sento-me e pego na tua mão,

Sento-me nesta pedra cinzenta,

Sem medo de partir,

Sem medo de viver…

Enquanto tudo arde,

 

Pincelo a manhã de púrpura paixão

Como se fosse a minha última manhã…

Como se fosse o adeus às palavras escritas,

Enquanto tudo arde,

Sento-me e pego na tua mão,

Sento-me… e olho-te junto ao mar.