sexta-feira, 16 de junho de 2023

Sistema solar

 Se o Pacheco soubesse

Se o Pacheco soubesse morria de inveja

A única diferença…

A única diferença é que nunca me masturbei na casa de banho de um qualquer bar,

Numa qualquer cidade,

De um qualquer planeta do nosso sistema solar,

 

Se o Pacheco soubesse…

Se o Pacheco soubesse como é a minha vida…

Coitado

Morria de inveja,

Duas vezes por dia,

E uma pequena drageia ao deitar…

 

Se o Pacheco soubesse

O quão é difícil viver

Vestir todos os círculos da geometria

E quando ele se senta em frente à nossa senhora…

Em vez de rezar…

Não...

Escreve poesia…

E ele,

Ele masturba-se numa qualquer casa de banho de um qualquer bar desta pobre cidade…

 

A noite traz a sombra de espuma deste barco de insónia

E se o Pacheco soubesse

Ou se ele sonhasse....

Não queria ser marinheiro

Doutor

Engenheiro…

Não...

Queria ser…

Masturbador de insectos,

 

Se o Pacheco soubesse

De todos estes gatos anónimos

De todos estes cadáveres de sono

Que não falam comigo

Que me ignoram…

Coitado do Pacheco

Não sabe

Não imagina

Que dentro de um pequeno silêncio

Esconde-se a primeira equação do destino,

 

Sei lá se o Pacheco percebia de equações…

Eu,

Eu dou-lhe um pequeno jeito…

Vou fazendo

Vou lançando sobre o mar

Tudo aquilo que o Pacheco…

Que o Pacheco deveria saber,

 

Mas não,

Não sabe,

Não se interessa…

Nada.

 

Se o Pacheco soubesse

Como são tristes as lâmpadas da minha vida

Como são distantes

Longínquas

Todas as estrelas…

Todas as estrelas da minha vida…

 

Se o Pacheco soubesse!

Certamente morria de inveja,

Certamente,

Nada de muito certo…

Morria de inveja…

Porque eu,

Porque eu ainda consigo ser mais miserável de que o Pacheco,

Se o Pacheco soubesse…

Só não me masturbo na casa de banho de um qualquer bar de uma qualquer cidade…

De todo,

De todo o sistema solar.

 

 

 

Francisco

16/06/2023

Menino sem destino do destino menino

Somos tão poucos

Somos tão poucos aqueles que pertencem ao destino

Sem destino

Tão poucos

Tão quase anda

Este pobre menino

Neste pobre destino

E sem madrugada.

 

Do quase anda

Ao quase tudo

Grita este menino

E desenha o mar…

Nos lábios da tristeza

Da tristeza

Deste menino…

Sem destino

Este pobre menino,

 

Tão quase nada

Tão quase tudo

Este pobre menino

Sem destino

Diga-se

Que foi quase tudo

Do pouco que podemos considerar…

Tudo,

E hoje,

Hoje é um quase anda.

 

Somos tão poucos

Somos tão poucos aqueles que pertencem ao destino

Sem destino

Tão poucos

Nos poucos de nada

Quando tudo

Quando tudo é uma maçada…

E é quase nada.

 

 

 

Francisco

16/06/2023


 

quinta-feira, 15 de junho de 2023

Das tantas vezes, as minhas vezes

 (aos meus pais)

 

 

Às vezes,

Às vezes não tínhamos nada,

Às vezes…

Às vezes tínhamos tudo…

Tudo que até sobrava,

Às vezes olhávamos o sol

Outras vezes nem por isso…

Mas éramos tão felizes,

 

Às vezes,

Às vezes me lamentava

E quase que chorava

E não acreditava…

E claro…

Sonhava,

 

Às vezes não comia

Outras vezes…

Comia pequeninas sombras de nada

E inventava…

Meu Deus… tanta coisa que eu inventava,

Mas a vida é assim,

Claro que sim…

Uns morrem…

Outros,

Outros tal como eu…

Voam…

E não se cansam de voar,

Sonham…

E não se cansam de sonhar,

 

 

Aos mortos,

Que hei-de eu dizer aos mortos…

 

Às vezes,

Sentia medo do silêncio da minha casa,

Tantas vezes,

Tantas vezes… meu Deus…

Tantas vezes que eu chorava…

E fingia

A cada novo dia...

Que sim…

Que estava tudo bem,

E claro que não…

Como poderia estar tudo bem…

Se o meu pai tinha morrido,

E a minha mãe…

Coitada da minha mãe…

Lutava,

Rezava…

E acreditava…

Que de cancro não morria também,

 

E as minhas tantas vezes,

Aos poucos…

Começaram a ser menos vezes…

(porque o poeta nunca morre,

Mesmo que tenha fome)

E aqui estou eu…

O poeta,

O artista plástico,

Talvez um pouco de louco,

Talvez um pouco de nada…

E claro…

Quase engenheiro…

Como o meu pai gostava.

 

 

 

Do vosso filho,

Francisco

15/06/2023


 De um pequenino nada,

Quando esse nada…

Quando esse nada é tão pequenino…

De um pequenino nada,

Acorda o mar,

E o mar…

Transporta nos seus lábios

Todo o silêncio em pequenos círculos de luz…

 

 

 

Francisco

Labirinto de insónia

 Procuro nas minhas mãos

O sono e o silêncio das primeiras lágrimas da madrugada.

Procuro nas minhas mãos

Vazias

Distantes…

Procuro nas minhas mãos

A luz diáfana das marés de engano

E todas as tristezas da alvorada,

 

Visto-me de zé-ninguém

Sabendo que um outro alguém

Também vestido de uma outra coisa qualquer…

Me persegue neste labirinto de insónia

Devoluto

Frio…

E escuro como os túneis de vento,

 

Procuro

Procuro nas minhas mãos…

A sombra

E o além,

 

Procuro nestas mãos inventadas

Por alguém que não conheço

Que nunca vi

Mas que existe

E está lá

De lá

Onde este navio apodrecido

Ainda resiste

Ainda procura nas minhas mãos…

Um pedacinho de mar

Antes que o mar…

Antes que o mar morra

E este pobre barquinho…

Adormeça

E das minhas mãos…

Um sorriso de alguma coisa…

Cresça.

 

 

 

Alijó, 15/06/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 14 de junho de 2023

Gemido-uivo

 

Há um gemido-uivo

Em cada olhar do teu cabelo

Em cada silêncio dos teus lábios.

Há um gemido-uivo

Que pertence à noite

Que é construído em aço laminado

E no peito

No peito brincam os meninos da sua infância…

 

Há um gemido-uivo

Triste

E coitado

Um gemido-uivo em cada parêntesis da tua mão

Depois da tempestade zarpar.

 

Há um gemido-uivo

Em uivos-gemidos de medo

Quando o tédio desce à cidade…

E a cidade

Entre outros gemidos de medo…

Come o gemido-uivo

Que existe em cada olhar do teu cabelo.

 

Há um gemido-uivo

No Oceano do teu sorriso

Um gemido sem Pátria

Que fez o serviço militar em algures por aí…

E crucificaram-no num belo dia de silêncio

Junto ao peito da saudade.

 

Há um gemido-uivo

Um pequenino gemido-uivo

Com medo

Com fome

Que grita

Que chora

Que não come…

Um gemido-uivo do além-mar

Deste mar que não morre.

 

 

 

Francisco

14/06/2023