domingo, 4 de junho de 2023

Nada

 Estava o sol

Estava a lua

Estava o filho de ambos

O sol queria a chuva

A chuva queria o sol

O filho da lua e do sol

Esse

Nada.

A lua queria a madrugada

O sol

Tal como o filho da lua

Nada.

Estava o sol

Estava a lua

Estava o filho de ambos

O sol escrevia nos lábios da lua

A lua inventava gemidos nos lábios do sol…

E o filho de ambos

Nada

Esse

Nada.

 

 

 

Francisco

04/06/2023

sábado, 3 de junho de 2023


 

Poemas dele, os poemas dele que eu amo

 Com este pedaço de carvão desenho nesta folha em papel que a vida me deixou, o poema que habita dentro de mim, não

Não são as equações dos momentos nem tão pouco as equações das tensões, aos poucos, de pequenos riscos, como gotinhas de água em direcção ao mar, crescem e nascem coisas, coisas minhas, coisas que me pertencem…, coisas que andam comigo.

Com este pedaço de cartão, enquanto a música dos Rolling Stones se masturba contra esta pilha de livros sobre mecânica estrutural e vigas e janelas viras para o mar,

Abro-a,

Abro a janela e…

E nada,

O mar não está lá.

E comprei-a como se dela visse o mar…

Mas não vejo,

Vigaristas.

Com este pedaço de carvão, desenho o mar, desenho o mar onde se escondem as estrelas, do mar onde vejo o meu cadáver a ler os poemas de AL Berto, do mar, daquele mar onde escondi o pedacinho de carvão, que sobejou do teu corpo,

Neste pedaço de papel, sem perceber que lá fora morrem crianças, morrem os pais das crianças, morrem as palavras e morrem as estrelas,

Do nada,

Até à glória,

E diziam que morreria cedo, tal e coisas, tal e nada,

Um pequeno sorriso,

Acorda,

Nesta pequena folha em papel,

E deste sorriso,

O silêncio em forma de geada,

Encolhido na minha mão…

Com este pedaço de carvão escrevo a madrugada, o poema invisível dos teus olhos de chuva domingueira, e mesmo sabendo que esta merda vai colapsar,

Acredito,

Muito,

Que um dia,

Qualquer dia,

O vento me abraçará como abraçou a Primavera, neste pedaço de carvão, desta folha triste e só, da noite às lágrimas,

E em poucos segundos,

Chão, a menina viga aleijou-se?

Não, sou parvalhão…

Claro que não.

E escrevo, e desenho, e penso…

 

 

 

 

Francisco

03/06/2023

Estrela entretida num simples olhar


 Deste silêncio pouco

Deste pouco nada

Ainda me sobram algumas palavras

Umas boas

Outras

Outras muito parvas

E muitos nadas.

 

Dos nadas

Todas as minhas palavras

E hoje a noite

A noite

Não a minha noite

Mas hoje a noite está triste

Já me atirou com lágrimas…

Com sorrisos de fúria…

Nem uma estrela para olhar

Ou

Outras…

Pedir um desejo.

 

E o que posso eu desejar

Que já não tenha desejado

Escrito

E desenhado

No entanto

Desejo

Muito

Não morrer de cancro.

 

 

 

Francisco

03/06/2023

Tarde em silêncio

 

Às vezes, às vezes tínhamos pressa do cansaço,

Muitas vezes,

Das outras vezes,

Era o cansaço que se fartava de nós…

 

E escondia-se na algibeira do sono.

Às vezes, às vezes éramos acorrentados aos lábios do vento,

Muitas vezes,

Das outras vezes…

Era o vento que desenhava em nós a madrugada.

 

Às vezes, às vezes sentíamos no peito a gravidade…

E em cada segundo de colapso…

Percorríamos nove vírgula oito metros por segundo ao quadrado…

Tantas vezes,

Das outras e destas vezes…

E das vezes que não tínhamos vezes…

 

Caia sobre nós a tarde vestida de silêncio.

 

 

 

Francisco

03/06/2023

sexta-feira, 2 de junho de 2023


 

Fotografias de antigamente

 

Quis Deus e o destino e o Diabo que eu tivesse assentado praça na Ajuda, que nada ajuda, e que quando ajudava, não ajudava nada.

Depois de ter sido expulso de vários quarteis, desde o Bairro Alto a Cais do Sodré, passando por Alcântara Mar,

Fui cair…

Na Ajuda,

E da ajuda,

Quis Deus e o Destino e o Diabo…

Que da ajuda,

À Ajuda,

E logo que olhava o primeiro cacilheiro da manhã,

Zás,

Tombava no pavimento sonolento das sombras da noite anterior, depois, depois…

Nada.

Quem vem lá faz alto,

Disparava dois tiros de sono, um pirolito…

E zás,

Mais um dia, mais uma noite, mais uma Primavera e mais um Verão que era mais teimoso que a prima da prima da Primavera,

Baixava a cabeça, peganhava na minha mão…

E ao longe o Tejo em aflitivos gemidos.

Quis Deus e o Destino e o Diabo e o raio que o parta…

Que eu assentasse praça na Ajuda,

Sem ajuda,

Que apenas o Tejo me compreendia.

Inventava doenças aos meus pais, um dos meus irmãos estava sempre com problemas,

Coitado dele,

Coitado

Tinha tantos problemas que nunca saiu dos testículos do meu pai,

Tudo servia de desculpa para regressar a casa. Um dia, qualquer dia junto ao Tejo, convenci uma amiga para ir falar com o meu chefe e dizer-lhe que era a minha namorada e que estava grávida e que não sabia como fazer e que eu estava mortinho para regressar a casa…

O chefe comoveu-se, trouxe quinze dias.

Quando disse em casa que ia ficar quinze dias,

Quinze dias, porquê?

Porque a minha mãe achava normal…

E claro, que iam ser avós e que já não iam,

Não perceberam,

Eu também não,

Mas…

Ajuda, da Calçada, quando os parêntesis do sono se abraçavam a nós, e nós e eles e elas e eles todos…

Nada,

Ninguém percebia, porquê.

Durante a noite desenhava círculos nos cornos da lua, depois,

Depois,

Nada,

Depois aparecia o coveiro, pegava em nós e sepultava-nos junto a um cacilheiro, já muito velhinho, já muito trôpego, já muito…

Caia a noite sobre a alvorada, a espingarda começava a disparar fotografias de antigamente…

E depois,

Depois nada.

 

 

 

Francisco

02/06/2023