São as flores do meu jardim, são as palavras em flor, que semeio no meu jardim, são as flores do meu jardim e as palavras em flor que semeio no meu jardim as responsáveis pelo aprisionamento do teu sono, e tudo isto,
E tudo isto enquanto a
terra não se cansa de girar, gira e é tão gira e é tão bela, a terra ou o meu
jardim ou outra coisa qualquer…, gira em torno de um eixo imaginário, roda à
velocidade de trinta quilómetros por segundo,
E, no entanto,
As flores do meu jardim e
as palavras que semeio no meu jardim, estão lá, quietinhas, e o teu sono,
Escondido na minha mão,
Depois, depois pego no
sono, coloco-o cuidadosamente nos teus lábios de mel, olho-te, olho-te da mesma
maneira que olho o mar…
Em pequenos silêncios,
No teu cabelo, os
maravilhosos barcos em papel colorido, e depois de poisar o sono nos teus
lábios de mel, afago o mar do teu cabelo, separo os barcos rapazes dos barcos
raparigas, e espero,
Espero que acorde o
pôr-do-sol.
Desenhas um sorriso na
alvorada, uma âncora de néon que não me deixa construir todos os meus papagaios
em papel que ainda me faltam construir, e são tantos, ainda, meu Deus… tantos
papagaios em papel,
Da janela nada virá. Nem
regressa o vento das tempestades de silêncio, nem regressam as papoilas da
clareira, nem tão pouco, vê tu, meu amor, nem tão pouco regressarão as
primeiras lágrimas da madrugada,
E se eu pudesse,
O sono sorri-me,
O teu sono, claro,
O teu sono sorri-me, eu
sorrio-lhe, e o filho de ambos,
Sorri,
E das suas gargalhadas, vejo
o meu sono e o sono dela e o sono de ambos, todos, em busca de um pedacinho de
mar (e de outro sono) com odor a desejo, a música, a música bloqueia-nos as
mãos, e momentaneamente, e momentaneamente é impossível escrever um abraço na
janela do prazer, os cigarros vão matar-me, mas pensando bem, tudo nos mata,
até porque todos nós nascemos para morrer,
E uns morrem mais
depressa de que outros, mas o que interessa,
Todos morrerão, como
morreram as minhas sandálias em couro que usava na minha infância, em Luanda.
O barco, cansado, um
barco rapaz, salta do mar do teu cabelo e deita-se junto a nós, aos nossos pés,
ainda seguras o pedacinho de sono nos teus lábios de mel e em breve uma nova
alvorada nascerá com as palavras semeadas no meu jardim, gosto deste quadro,
gosto deste quadro que não me canso de o olhar a que dei o nome de paixão,
O barco, o barco rapaz,
coitado dele, o barco, o barco rapaz, sabe que brevemente todos os buracos
negros deixarão de ser negros (não será esta uma forma de racismo? Buracos
negros…) tantos, olha tantos…
E são tão belos e mágicos
e tudo o mais, todos os buracos negros do Universo, e vê tu, meu amor, dizem
que existe no Universo quarenta quintilhões de buracos negros, meu amor,
quarenta quintilhões…
(nem o vizinho do segundo
esquerdo com o seu berbequim faria tantos)
E, no entanto, guerreamos
por milímetros de terra em comparação com o tamanho de todos estes buracos
negros e o próprio tamanho do Universo, vês, vês agora porque penso tanto?
Da terra virá, um dia, ou
talvez já cá esteja, o nosso Salvador; tudo isto, tudo, para te dizer, que
talvez nessa altura já não exista cá nada,
Nem flores, nem poesia,
nem tão pouco o silêncio, olha
E nem o dia…
Quem diria,
Que um dia,
Qualquer dia…
Ele virá nos salvar,
Mas… salvar o quê? Quando
tudo já desapareceu…
Deitava-me no chão, no
chão da minha infância, depois, de barriga para o ar, olhava a copa das
mangueiras e sonhava,
Sonhava, escrevia,
desenhava… e tudo apenas com um simples olhar, o avô Domingos
Luisinho.
E eu, nada.
Luisinho coisa alguma,
pois chamo-me Francisco, fui baptizado e meço um metro e setenta e cinco centímetros,
(diga-se que o meu avô
Domingos era a pessoa mais teimosa que eu conheci em toda a minha vida),
E quando me olho no
espelho
Eu, nada.
Baptizado, tu?
Sim eu, sim…
Tenho as fotografias…
Olha… eu também tenho
fotografias da lua
E?
E nunca fui à Lua.
O avô Domingos
escondia-se entre os machimbombos, e eu
Eu, nada.
Sentado no chão a
imaginar como poderia construir um jardim de silêncio no cabelo da minha mãe,
Mas, confesso, que até
hoje, não fui capaz de construir esse jardim de silêncio no cabelo da minha
mãe,
Acabou por perder o cabelo,
levado pelo vento numa noite de luar…
Para o meu mar,
Não estou arrependido,
não.
E enquanto podia estar a
beijar-te loucamente, enquanto podia escrever no teu corpo todos os poemas que
ainda não escrevi,
Penso.
Mas penso em quê?
E quando descobrirem que
afinal Deus, o todo-poderoso, criador do céu e da terra e dos buracos negros (quarenta
quintilhões de buracos negros), é afinal uma mulher?
Silêncio na sala,
Ai e tal,
Não gostaram,
Quando pensavam que Deus
era homem, tinha tesão, e, no entanto, como poderia um homem desenhar e criar
A mulher…
Nenhum homem conseguiria
desenhar e criar a mulher, poder podia, mas com tanta perfeição,
Não, não podia.
E de agora em diante,
Deus é uma mulher,
Porque apenas a mulher
consegue de um pedacinho de nada, pouca coisa minúscula em comparação com os quarenta
quintilhões de buracos negros que existem no Universo ou com os cerca de duzentos
a quatrocentos biliões de estrelas existentes na nossa galáxia,
E, no entanto,
De um pequeno pedacinho,
um quase nada de nada, acorda na tela da vida, o mais belo ser, de tudo e de
todos e de todo o Universo,
O seu filho.
Filho, filha, que brincou,
que passava tardes inteiras a rabiscar na parte esquerda do útero, pequenos
círculos, pequenos quadrados, alguns números e letras,
E eu que o diga,
Passei lá tardes
infinitas…
Como o Universo?
Como tudo na vida, meu
amor.
O avô Domingos, sentado
numa cadeira, porque tinha sofrido um grave acidente e uva muletas, eu,
rapazote irrequieto e pior de que o Diabo, segundo a minha mãe, roubava-lhe as
muletas e corria, corria, corria…
Até que…
Não tinha mais quintal
para correr,
Luisinho. Luisinho.
E eu, nada.
Não é comigo.
O meu nome é Francisco.
Como sempre.
A alvorada ergue-se no
mar do teu cabelo, os poucos barcos que ainda restam, um barco rapaz e dois
barcos raparigas, olham-te, como eu te olho, e o desejo de ambos é o mesmo,
Luisinho.
Nada.
Depois, espalho o sono
nos teus lábios de mel, muito devagarinho, em silêncio, até que adormeces na
minha mão,
E sei que Deus, afinal, é
É uma mulher.
Só poderá ser uma mulher…
Alijó, 02/05/2023
Francisco Luís Fontinha