Não podemos ser tudo
Quando somos o nada menos
o tudo,
Não podemos ser isto,
Não podemos ser aquilo
E aqueloutro,
Só porque queremos ser,
Isto e aqueloutro…
Quando queremos ser tudo…
Às vezes,
Muitas vezes
Somos o nada menos o tudo,
E o nada seremos sempre,
Sempre que lutamos por
ser o tudo
Acabando por sermos o
nada,
Não podemos ser pássaro
Se não tivermos asas para
voar…
E podem dizer-me que um
pássaro
Sem asas
É um pássaro,
Mas não é um pássaro
qualquer… e não é a mesma coisa…
Um pássaro sem asas… é o
nada,
Um pássaro que não canta,
É um pássaro,
E sem asas e sem cantar…
Continuará a ser um
pássaro,
Mas…
Para que quero eu um
pássaro,
Que não canta,
Que não voa…
Que apenas me serve de
adorno
Sobre a mesinha-de-cabeceira
Onde guardo o isqueiro os
cigarros e a pistola?
O nada,
Sempre que o tudo…
Não é o tudo,
É quase como o Universo…
Tão infinito tão belo tão
escuro tão… tão nada,
De que me serve a beleza
do Universo?
De que me serve se o
Universo é finito,
Não finito…
Ou assim-assim…
Ou o nada…
De que me serve saber que
toda a matéria do Universo se encontrava concentrada no espaço do tamanho da
cabeça de um alfinete,
Vê lá tu… meu amigo, do
tamanho da cabeça de um alfinete,
Depois…
Dizem que explodiu…
Expandiu-se…
E hoje…
O nada,
De que me serve saber de
nublosas, buracos negros…
Buracos negros em
vómitos,
Velocidade da luz,
Que fiquei com raiva de
Einstein quando percebi que…
Vê tu, meu amigo,
Que teoricamente é
possível viajar no tempo…
Odeio este gajo só por
isto,
E por anda,
Imagina meu amigo,
imagina viajarmos no tempo…
E encontrar aquela gaja
horrível,
Aquele gajo…
Qualquer coisa,
De nada, obrigado…
Estes e outros fantasmas
da noite,
E anda por aí, e anda por
ali…
Anda por cá e vai
cavalgando montes e vales,
Pedras e montanhas,
Noites de lua cheia…
E o nada,
O zero absoluto…
Zero graus celsius,
O quase tudo,
Ou o quase nada,
De que servem as
palavras,
Os poemas…
E a madrugada?
Quando o sono,
Quando o sono apenas
estorva…
Não deixa viver,
Não deixa respirar…
De quase tudo,
Ou de quase nada,
O que adianta passares a
noite em discussão…
Se Deus,
Se Deus existe, existiu…
Ou nem por isso?
Se Deus criou alguma
coisa…
Tu,
Tu vais morrer, existindo
ou não existindo Deus,
Universo…
Ou buracos negros,
Ou o raio que os parta,
E nunca te esqueças, meu
grande amigo,
Nunca te esqueças que
setenta por cento do peso do teu corpo…
É água,
E o resto…
Merda,
E o quase nada,
Depois,
Temos a luz vestida de noite,
Lindíssima como as
estrelas,
Lindíssima como sempre,
A sempre bela noite,
Bela e puta…
Também ela,
Tal como eu,
Um pedacinho de nada,
Uma molécula de desejo…
nos olhos da alvorada,
Dentro de um recipiente…
A poeira do teu corpo,
Não,
Não podemos ser tudo,
Quando nasceste para ser
o nada,
Quando nasceste travestido
de equação matemática,
Complexa…
Ordinária equação
complexa do terceiro grau ou do quarto grau…
Uma complexa equação
diferencial,
De uma mão, da outra mão,
Acordam,
O nada,
E o tudo…
Ou o quase tudo,
E quase nada,
Sim meu amigo,
De que te servem as
canções da alegre Primavera,
Quando a tua Primavera…
É quase nada,
Do nem quase tudo,
De entre o tudo e o nada,
Depois,
Depois dizem que estás
louco,
Internam-te em
psiquiatria…
E que sim,
Ao nascer do dia,
Coitado do rapaz…
Coitado dele,
E às vezes, nem tudo é o
tudo,
Nem o nada é o tudo,
De nada,
Nem o nada…
Nem o tudo,
Não me digas que às vezes
o nada é o tudo?
Ou quase tudo?
Quando não preciso de
nada,
Não meu amigo,
Eu, eu sinceramente já
não te digo nada,
Nada,
Que nem tudo é tudo,
E que nem tudo é o nada…
Quando tu,
Quando eu,
Meu grande amigo,
Somos o nada,
E o nada é um conjunto
vazio,
Tem jarras com flores,
Tem poemas de amor e
sedução,
Olha…
Tem um rio,
E tem o mar,
O mar de ninguém,
No mar de nada,
Quando o quase tudo,
Nasceu, cresceu, morreu…
Sendo o quase nada…
E do quase nada,
Vês apenas o sorriso do
clitóris
Quando se ergue na tua
mão… a doce madrugada…
Que de tudo,
Não tem nada.
Alijó, 01/05/2023
Francisco Luís Fontinha