segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Noite

 A noite é sinónimo de tristeza

Não queiras ser a noite

Sem luar

Sem estrelas

E sem beleza,

 

Não deixes que os teus olhos sejam a noite

Escuros

Tristes

Minguantes como uma estátua de silêncio,

 

Não queiras ser a noite

Porque a noite é tão triste…

 

Tão triste é a noite.

 

 

 

 

 

Alijó, 26/12/2022

Francisco Luís Fontinha

Doce menino

 Que te nasça um pinheirinho no cu

Com muitas luzinhas amarelas

Que te coloquem uma corneta na boca

Para que grites bem alto

Feliz Natal

Não era preciso…!

É um menino.

 

 

 

 

Alijó, 26/12/2022

Francisco Luís Fontinha

As magnólias do teu olhar

 Que às vezes

Muitas vezes

Da noite escura

Crescem as magnólias do teu olhar

Quando habitas e voas sobre o meu peito

Cubro-te de beijos

Acaricio-te como se fosses uma branca folha

Em papel desejo

E com as minhas mãos

E com os meus lábios

Escrevo em ti

E desenho em ti

O último voo do flamingo.

 

A noite traz até nós

As estrelas que o criador semeou

E nos teus lábios

Os teus doces lábios

Cresce um invisível rio

Um rio sem nome

Porque os nomes apenas servem

Para procurar a saudade

Junto ao mar

E para que queremos nós saber o nome deste rio…

Se podemos entrelaçar as mãos

E fazer da noite

Um barco de desejo em pequenos círculos de insónia.

 

Que às vezes

Muitas vezes

Da noite escura

Crescem as magnólias do teu olhar

E sei que quando acordamos

Um fino fio de luz poisa sobre os teus olhos…

 

E então percebo o que é a paixão.

 

 

 

 

Alijó, 26/12/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 25 de dezembro de 2022

A espuma do dia

 Ninguém sem dias

Uns com dias

E alguns com os dias dos outros.

 

Quando o dia é filho único

Um só dia

Pequenino dia

Ninguém apenas só

Quando o dia

Do outro dia

Ninguém sem dias

Nos dias de alguém.

 

Temos alguns dias

O dia em que nascemos

O dia em que morremos

O dia quando nasce um filho

Do dia de quando morre um filho

O dia primeiro do primeiro beijo desejado

No dia do primeiro orgasmo da manhã

Os dias de uns

Nos dias de outros

E outros dias mais.

 

O dia da morte do pai

O dia da morte da mãe

O dia do primeiro poema

Quando se olha o mar

O dia primeiro da primeira fotografia

O primeiro barco

O dia

Noutro dia

Quando o dia

Não passa de um dia.

 

O dia da primeira solidão

O primeiro desgosto do dia

O dia último

Do outro dia.

 

O dia da primeira comunhão

O dia do baptismo

(por acaso fui baptizado a 25/12/67)

O dia da primeira lágrima

No dia da primeira ejaculação

O dia

Do outro dia

No dia da primeira caricia

Quando o dia do primeiro dia no dia do serviço militar

O dia primeiro do último Tejo até Belém

O outro dia do primeiro dia de uma Calçada

Que de Ajuda nada tinha

A não ser

O dia

Quando o dia acordava embriagado

E todos os cacilheiros resolviam

Todos ao mesmo tempo

Num único dia

Assombrarem-me a cabeça.

 

O dia primeiro

Do dia em primeiro charro

No primeiro cigarro

Quando o último dia

Do dia da primeira castanha

No dia após a última branca

E da loucura do primeiro dia

Vem o último dia

Do primeiro filho

Sem dia

E em dia.

 

O dia do primeiro dia quando o dia não queria ser dia

O dia do primeiro uísque

No primeiro comboio do dia

E de Cais do Sodré até Belém levava um dia

Sem que o dia

Terminasse nas lágrimas do dia

Da primeira puta do dia.

 

O dia da primeira espingarda do dia

O dia no primeiro dia do primeiro canhão de areia

Na espuma do dia

Ao outro dia

Em dia

E de dia

Um cão que ladrava ao dia

E uma vaca comia a primeira erva do dia.

 

A ponte no primeiro dia

Ao dia de todos os defuntos

Em dia

Todos

Lá esperam que um dia

Deixe de ser este dia

E acorde um novo dia.

 

E se num dia eu sentia

No outro dia

Eu não sabia

Que do dia

No primeiro dia

O dia é apenas um dia…

 

E o que será um dia sem dia?

 

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 25/12/2022

O orgasmo

 Um dia

Qualquer dia

Ninguém vai saber

O que é um orgasmo,

Quando dois corpos

Se fundem nas lágrimas de uma estrela

E uma pequena sombra do luar

Entra no peito

(centro de massa)

E um silêncio de prazer

Explode nas nuvens do desejo.

 

O orgasmo

Quando os dedos tocam docemente nas páginas de um livro

Quando a mão acaricia a capa de um livro

E dentro do corpo daquele que toca e acaricia

Uma tempestade de estrelas acorda

E um lençol de sémen é lançado contra a madrugada.

 

O orgasmo de quando o poeta termina o poema

E quando o escritor termina o texto

E todas as personagens do texto

Movem-se com ovelhas no prado

E do prado,

O orgasmo do poema

O desejo do poema

O beijo

O orgasmo do beijo

Sobre uma cama de amêndoas doces.

 

O orgasmo de quando uma criança pergunta à mãe

Mãe como cantavam os pássaros

Quando ligavas o interruptor da manhã

E uma melodia poética entrava pela janela

E tu afagavas-me o cabelo,

 

O orgasmo de quando um menino pergunta ao pai

Pai como brincavam as acácias da tua infância

E me levavas a ver os barcos

E dos meus olhos um infinito orgasmo de pequenos gemidos

Eram lançados ao mar.

 

E do mar

Regressavam a mim as finas lâminas que só o prazer consegue fazer acreditar

E uma janela vaginal voa sobre as esplanadas da inocência

O sol poisava sobre os corpos fundidos em aço prazer

E às vezes o laminado silêncio da noite

Pareciam pássaros envenenados

Como abelhas perdidas no mel.

 

O orgasmo quando uma mulher abre a janela

E olha o mar

Como se fosse o seu primeiro beijo.

 

O orgasmo quando o luar brinca sobre a noite

Comendo palavras contidas num pequeno cartuxo de medo

E sem aviso nem agrado;

O grito da tua boca

Quando o gemido inventa o prazer.

 

 

 

 

 

Alijó, 25/12/2022

Francisco Luís Fontinha

Exército de palavras

 Éramos muitos

Éramos um exército

Hoje somos poucos

E nem um pequeno pelotão somos,

 

Hoje somos fotografias

Sobre uma secretária na casa de alguém

Ou suspensas numa parede,

 

Éramos tantos que não tínhamos medo da geada

Que não tínhamos medo de que a noite se extinguisse

Nas mãos da madrugada,

 

Éramos tantos

E muitos

Hoje somos sombras

Hoje somos saudade

E recordações

E não somos nada,

 

Éramos muitos

Éramos um exército que todas as noites

Procurávamos o luar

E do silêncio construíamos um rio

Que ainda hoje corre nas veias de alguns…

Éramos tantos

Meu Deus…

Hoje somos quase nada

À espera de que regressem as lápides

E as sepulturas

E possamos ser uma colmeia

Não de abelhas

Mas uma colmeia de palavras,

 

E de que servem as palavras

Quando éramos tantos…

E hoje somos apenas alguns

Muito poucos

Tão poucos…

 

 

 

Alijó, 25/12/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 24 de dezembro de 2022

Planeta Terra

 Vive-se e vai-se vivendo

Enquanto este planeta de loucos

Gira e não pára de girar

Vive-se

Vai-se vivendo

Uns dias alegre

Outros dias a chorar.

 

Vive-se carregando um sobretudo de insónia

Quando a noite se despe

E se deita junto ao rio

Vive-se

Vai-se vivendo

Vivendo de frio.

 

Vive-se carregando a enxada da vida

Vive-se

Vai-se vivendo…

Vivendo a poesia.

 

E se um dia

Se um dia

Dia

Esta puta de vida

For um suspiro de vento

Não vivo

Não vou vivendo

Vivendo das palavras que alimento…

 

Vive-se

Vai-se vivendo

 

Enquanto isso

A Terra não pára de girar.

 

 

 

 

Alijó, 24/12/2022

Francisco Luís Fontinha