domingo, 27 de novembro de 2022

Barco rabelo

 És o poema que abre a porta da manhã

Vulcão que acorda a cidade do vento

Palavra que traz o mar

És poema ao acordar

Que brinca no meu pensamento.

 

És silêncio do meu pobre olhar

Jardim onde sepulto o meu corpo de brincar

És canção

Neste pobre coração

És o meu poema ao levantar.

 

És foguetão

Rumo ao luar

Barco rabelo em círculos solares

És flor e muitos mares

Nos mares de amar.

 

 

 

 

Alijó, 27/11/2022

Francisco Luís Fontinha

Um pequeno nome

 Dêem-me um nome

Um pequeno nome

Dêem-me um pedaço de terra

Para sepultar o meu nome

Um pequeno nome

 

Nome sem nome

Numa árvore com nome

Um poema sem nome

Um pequeno nome

Este meu pobre nome

 

Um nome

Para este retracto anónimo

O último pendura na última parede

Fria e nua e sem nome

Um nome

Um pequeno nome

 

Dêem-me um nome

Para o meu corpo sem nome

Porque não tenho nome

Nem tenho uma parede para pendurar o meu corpo

 

Sem nome.

 

 

 

 

Alijó, 27/11/2022

Francisco Luís Fontinha

Cinco mil beijos

 Tenho mais de cinco mil poemas publicados

Se cada poema fosse um beijo

Cinco mil beijos.

 

E quantas palavras têm os meus beijos?

E quantos beijos têm as minhas palavras?

Cinco mil beijos

Muitos beijos

Bocas

Lábios

Poemas e beijos

E companhia limitada.

 

Cinco mil palavras

Mais de cinco mil bocas

Outras tantas folhas em papel

Cinco mil beijos

Nos cinco mil poemas.

 

Quantos beijos tem uma palavras

E lábios?

Quantos lábios são cinco mil palavras

Dos cinco mil beijos?

 

Nos cinco mil poemas.

 

Cinco mil beijos publicados

Em muitas folhas em papel

Guardanapos manchados de vinho

Toalhas de restaurante

Tudo me servia para beijar

Os cinco mil beijos

Nos meus cinco mil poemas

Poemas de beijar.

 

Cinco mil beijos

Em cinco mil bocas

Em cinco mil pedaços de papel…

 

Cinco mil beijos.

 

 

 

Alijó, 27/11/2022

Francisco Luís Fontinha

Quadro sem nome

 Uma casa

Sem casa

A minha mão na tua mão

Um quadro sem nome

Que arde nesta fogueira em brasa,

 

Um nome

Sem corpo

O meu corpo

Entre as cerejas do teu olhar

Uma casa que morre,

 

Na casa sem morar

Uma casa

Sem casa

Um poema sem palavras

Nas palavras de amar,

 

Uma casa

Sem casa

Doente

Envenenada

Com tudo e com nada,

 

Uma casa contente

Uma casa

Sem casa

Uma casa revoltada

Nesta casa sem gente.

 

 

 

 

Alijó, 27/11/2022

Francisco Luís Fontinha

Tempestade

 Trazes-me o sono

E as noites fugindo de mim

Trazes-me o silêncio

As palavras

Trazes-me a madrugada

 

Trazes-me a tempestade

Dos Domingos a olhar o mar

Trazes-me todos os barcos

E todos os peixes

E trazes-me este triste olhar

 

Trazes-me a chuva

Trazes-me a neblina matinal

E as nuvens em luar

Trazes-me a voz

E a vontade de gritar.

 

 

 

 

Alijó, 27/11/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 26 de novembro de 2022

Estátua de sono

 Escondo-me nos ossos frios do meu corpo

Que vivem entre silêncios e poeira.

As janelas que transporto desde a infância

Fecham-se na minha mão.

 

Escondo-me nestes pobres ossos

Que a noite bebe

Que eu bebo

Até que a morte nos separe.

 

Revolta-se a paixão dos meus pássaros em papel

Revoltam-se os pássaros tristes que a manhã esconde

Dentro da algibeira onde se esconde a insónia

Gritam

E revoltam-se

Erguem-se até às nuvens

Que transportam as pequenas gotículas que poisam na tua pele

A insónia traz as palavras encurraladas pela tempestade

E enquanto me escondo nos ossos frios do meu corpo

Invento as pedras onde me sento.

 

Neste rio morro

Neste rio lavo os meus ossos

E a minha vida é um aborto na penumbra da manhã.

Visto este casaco de chapa zincada

Que o secreto silêncio faz de mim um coitadinho

Um pobrezinho camuflado nas estrelas nocturnos do desejo.

 

Escondo-me das estrelas

Escondo-me da lua

Escondo-me da poesia

Que semeio ao meio-dia.

 

E sento-me nesta carícia desejada

Uma fome em carícia

Um pequeno cadáver deitado na lama.

 

Um dia

O amor vai ouvir as minhas palavras

Vai olhar os meus desenhos

E vai pensar o quão louco fui

Porque amei

Porque chorei

Porque morri

E me escondo nos ossos frios do meu corpo.

 

Tão triste

Quando me olho no espelho

E vejo no meu peito

A imagem do meu pai

E vejo no meu peito

O silêncio da minha mãe.

 

Tão tristes

As palavras de ninguém que escrevo na minha mão

Torno-me invisível

Transparente

E desapareço debaixo do luar.

 

Serei um vagabundo

Porque detesto ver televisão?

Serei um vagabundo

Porque detesto futebol?

 

Serei um vagabundo

Por gostar de ouvir poesia

Enquanto a noite se suicida dentro de mim?

 

E os meus ossos?

E enquanto bebo uísque

E fumo merdas

Escondo-me no frio e triste silêncio do meu corpo.

 

Converso com os peixes

Que desenhei em criança.

 

No meu casaco de chapa zincada

Telhado da sanzala onde brinco

As portas se fecham na penumbra dos cinzentos olhos

E este meu cadáver se despede do teu poema

Que dorme nos teus lábios.

 

Olho todos estes quadros

Olho-os e penso como destruí-los

Quero ser o assassino dos meus quadros

Quero ser o assassino de todos os meus papeis

De todas as minhas palavras.

 

Escondo-me nos ossos frios do meu corpo

Que vivem entre silêncios e poeira.

 

Levem-me.

 

Escondo-me nos ossos

Frios

Do meu corpo.

 

Escondo-me na sombra das árvores do meu jardim

Deixei de comer

Detesto comer

Prefiro ouvir poesia

Fumar

E beber.

 

Detesto comer.

 

Neste momento

Oiço o vento

Apenas me apetece comer poesia

Beber os uivos gritos do teu clitóris.

 

Os meus versos são uma merda

Os meus quadros

Merda são

No fundo

Um pedaço de esperma de merda do meu pai

Fecundou um óvulo de merda da minha mãe;

Assim, nasci eu.

 

O eterno artista de merda

Da merda

E da fome.

 

Roubaram-me a noite.

 

(Escondo-me nos ossos frios do meu corpo

Que vivem entre silêncios e poeira.

As janelas que transporto desde a infância

Fecham-se na minha mão)

 

Roubaram-me tudo.

 

Até as lágrimas me roubaram.

 

Se algum dia me visitarem

Tragam-me os retractos que deixei na minha secretária

Veleiro dos meus sonhos

Nos meus sonhos

Os teus sonhos.

 

Pequena manhã do meu inferno

Floresta que assombra o meu passado

E enquanto Deus me abandona

Uma flor de esperança sobe a calçada

Liberta-me

E oferece-me as espingardas que disparam beijos e sonhos.

 

Para que eu quero beijos e sonhos…

 

Sento-me e pego nestas brasas de silêncio

Ai se o meu filho estivesse junto a mim…

 

Enquanto morro.

 

Ele morto.

 

Poemas sem destino

Colmeias de abelhas dentro do meu quarto

Invento o inferno

Do inferno de escrever

No inferno que é viver

Ser louco

Entre loucos

Naquele esconderijo.

 

Um dia voarei sobre o teu corpo

Que se aproxima dos ventos imaginários da tua boca

Serei louco

Beijar-te

E cruzar os braços enquanto me morro em ti.

 

Que trazes na mão, pequena?

 

Trazes lágrimas

Ou sonhos?

 

E tudo arde

Enquanto toco com a minha mão

O Céu…

 

Este inferno

Destes meus pobres ossos

Enquanto me escondo

No meu corpo doente.

 

Bebo e fumo merdas

E penso em ti

Enquanto os meus ossos

São poemas

São palavras envenenadas das tristes noites de insónia.

 

E assim dorme a noite no meu peito.

 

Um milímetro quadrado da tua pele

Nos meus lábios…

 

Em mim

Uma pequena estátua de sono que te deseja.

 

 

 

 

 

Alijó, 26/11/2022

Francisco Luís Fontinha

As flores do sono

 Este relógio

Que morre no meu pulso

Este relógio

Que não escreve na minha mão

As horas em que vivo

 

Este relógio

De números invisíveis

Deste relógio

Que transporta a dor

Que sentem as flores do sono

 

Este relógio

Que habita no meu pulso

O meu pulso sem coração

Completamente só

 

Este só

Que é este pulso só

Deste relógio

O relógio dos quatro ventos

Junto ao mar

 

Este relógio

Com veneno em apêndice

Com poemas e sem poemas

Porque este relógio

É o relógio deste poeta só

 

 

 

 

 

Alijó, 26/11/2022

Francisco Luís Fontinha