Escondo-me nos ossos frios do meu corpo
Que vivem entre silêncios
e poeira.
As janelas que transporto
desde a infância
Fecham-se na minha mão.
Escondo-me nestes pobres
ossos
Que a noite bebe
Que eu bebo
Até que a morte nos separe.
Revolta-se a paixão dos
meus pássaros em papel
Revoltam-se os pássaros
tristes que a manhã esconde
Dentro da algibeira onde
se esconde a insónia
Gritam
E revoltam-se
Erguem-se até às nuvens
Que transportam as
pequenas gotículas que poisam na tua pele
A insónia traz as
palavras encurraladas pela tempestade
E enquanto me escondo nos
ossos frios do meu corpo
Invento as pedras onde me
sento.
Neste rio morro
Neste rio lavo os meus
ossos
E a minha vida é um
aborto na penumbra da manhã.
Visto este casaco de
chapa zincada
Que o secreto silêncio
faz de mim um coitadinho
Um pobrezinho camuflado
nas estrelas nocturnos do desejo.
Escondo-me das estrelas
Escondo-me da lua
Escondo-me da poesia
Que semeio ao meio-dia.
E sento-me nesta carícia
desejada
Uma fome em carícia
Um pequeno cadáver
deitado na lama.
Um dia
O amor vai ouvir as
minhas palavras
Vai olhar os meus
desenhos
E vai pensar o quão louco
fui
Porque amei
Porque chorei
Porque morri
E me escondo nos ossos
frios do meu corpo.
Tão triste
Quando me olho no espelho
E vejo no meu peito
A imagem do meu pai
E vejo no meu peito
O silêncio da minha mãe.
Tão tristes
As palavras de ninguém
que escrevo na minha mão
Torno-me invisível
Transparente
E desapareço debaixo do
luar.
Serei um vagabundo
Porque detesto ver
televisão?
Serei um vagabundo
Porque detesto futebol?
Serei um vagabundo
Por gostar de ouvir
poesia
Enquanto a noite se suicida
dentro de mim?
E os meus ossos?
E enquanto bebo uísque
E fumo merdas
Escondo-me no frio e triste
silêncio do meu corpo.
Converso com os peixes
Que desenhei em criança.
No meu casaco de chapa
zincada
Telhado da sanzala onde
brinco
As portas se fecham na
penumbra dos cinzentos olhos
E este meu cadáver se
despede do teu poema
Que dorme nos teus
lábios.
Olho todos estes quadros
Olho-os e penso como destruí-los
Quero ser o assassino dos
meus quadros
Quero ser o assassino de
todos os meus papeis
De todas as minhas
palavras.
Escondo-me nos ossos
frios do meu corpo
Que vivem entre silêncios
e poeira.
Levem-me.
Escondo-me nos ossos
Frios
Do meu corpo.
Escondo-me na sombra das
árvores do meu jardim
Deixei de comer
Detesto comer
Prefiro ouvir poesia
Fumar
E beber.
Detesto comer.
Neste momento
Oiço o vento
Apenas me apetece comer
poesia
Beber os uivos gritos do
teu clitóris.
Os meus versos são uma
merda
Os meus quadros
Merda são
No fundo
Um pedaço de esperma de
merda do meu pai
Fecundou um óvulo de
merda da minha mãe;
Assim, nasci eu.
O eterno artista de merda
Da merda
E da fome.
Roubaram-me a noite.
(Escondo-me nos ossos
frios do meu corpo
Que vivem entre silêncios
e poeira.
As janelas que transporto
desde a infância
Fecham-se na minha mão)
Roubaram-me tudo.
Até as lágrimas me
roubaram.
Se algum dia me visitarem
Tragam-me os retractos
que deixei na minha secretária
Veleiro dos meus sonhos
Nos meus sonhos
Os teus sonhos.
Pequena manhã do meu
inferno
Floresta que assombra o
meu passado
E enquanto Deus me
abandona
Uma flor de esperança sobe
a calçada
Liberta-me
E oferece-me as
espingardas que disparam beijos e sonhos.
Para que eu quero beijos
e sonhos…
Sento-me e pego nestas
brasas de silêncio
Ai se o meu filho
estivesse junto a mim…
Enquanto morro.
Ele morto.
Poemas sem destino
Colmeias de abelhas
dentro do meu quarto
Invento o inferno
Do inferno de escrever
No inferno que é viver
Ser louco
Entre loucos
Naquele esconderijo.
Um dia voarei sobre o teu
corpo
Que se aproxima dos ventos
imaginários da tua boca
Serei louco
Beijar-te
E cruzar os braços
enquanto me morro em ti.
Que trazes na mão, pequena?
Trazes lágrimas
Ou sonhos?
E tudo arde
Enquanto toco com a minha
mão
O Céu…
Este inferno
Destes meus pobres ossos
Enquanto me escondo
No meu corpo doente.
Bebo e fumo merdas
E penso em ti
Enquanto os meus ossos
São poemas
São palavras envenenadas
das tristes noites de insónia.
E assim dorme a noite no
meu peito.
Um milímetro quadrado da
tua pele
Nos meus lábios…
Em mim
Uma pequena estátua de
sono que te deseja.
Alijó, 26/11/2022
Francisco Luís Fontinha
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