sábado, 26 de novembro de 2022

Estátua de sono

 Escondo-me nos ossos frios do meu corpo

Que vivem entre silêncios e poeira.

As janelas que transporto desde a infância

Fecham-se na minha mão.

 

Escondo-me nestes pobres ossos

Que a noite bebe

Que eu bebo

Até que a morte nos separe.

 

Revolta-se a paixão dos meus pássaros em papel

Revoltam-se os pássaros tristes que a manhã esconde

Dentro da algibeira onde se esconde a insónia

Gritam

E revoltam-se

Erguem-se até às nuvens

Que transportam as pequenas gotículas que poisam na tua pele

A insónia traz as palavras encurraladas pela tempestade

E enquanto me escondo nos ossos frios do meu corpo

Invento as pedras onde me sento.

 

Neste rio morro

Neste rio lavo os meus ossos

E a minha vida é um aborto na penumbra da manhã.

Visto este casaco de chapa zincada

Que o secreto silêncio faz de mim um coitadinho

Um pobrezinho camuflado nas estrelas nocturnos do desejo.

 

Escondo-me das estrelas

Escondo-me da lua

Escondo-me da poesia

Que semeio ao meio-dia.

 

E sento-me nesta carícia desejada

Uma fome em carícia

Um pequeno cadáver deitado na lama.

 

Um dia

O amor vai ouvir as minhas palavras

Vai olhar os meus desenhos

E vai pensar o quão louco fui

Porque amei

Porque chorei

Porque morri

E me escondo nos ossos frios do meu corpo.

 

Tão triste

Quando me olho no espelho

E vejo no meu peito

A imagem do meu pai

E vejo no meu peito

O silêncio da minha mãe.

 

Tão tristes

As palavras de ninguém que escrevo na minha mão

Torno-me invisível

Transparente

E desapareço debaixo do luar.

 

Serei um vagabundo

Porque detesto ver televisão?

Serei um vagabundo

Porque detesto futebol?

 

Serei um vagabundo

Por gostar de ouvir poesia

Enquanto a noite se suicida dentro de mim?

 

E os meus ossos?

E enquanto bebo uísque

E fumo merdas

Escondo-me no frio e triste silêncio do meu corpo.

 

Converso com os peixes

Que desenhei em criança.

 

No meu casaco de chapa zincada

Telhado da sanzala onde brinco

As portas se fecham na penumbra dos cinzentos olhos

E este meu cadáver se despede do teu poema

Que dorme nos teus lábios.

 

Olho todos estes quadros

Olho-os e penso como destruí-los

Quero ser o assassino dos meus quadros

Quero ser o assassino de todos os meus papeis

De todas as minhas palavras.

 

Escondo-me nos ossos frios do meu corpo

Que vivem entre silêncios e poeira.

 

Levem-me.

 

Escondo-me nos ossos

Frios

Do meu corpo.

 

Escondo-me na sombra das árvores do meu jardim

Deixei de comer

Detesto comer

Prefiro ouvir poesia

Fumar

E beber.

 

Detesto comer.

 

Neste momento

Oiço o vento

Apenas me apetece comer poesia

Beber os uivos gritos do teu clitóris.

 

Os meus versos são uma merda

Os meus quadros

Merda são

No fundo

Um pedaço de esperma de merda do meu pai

Fecundou um óvulo de merda da minha mãe;

Assim, nasci eu.

 

O eterno artista de merda

Da merda

E da fome.

 

Roubaram-me a noite.

 

(Escondo-me nos ossos frios do meu corpo

Que vivem entre silêncios e poeira.

As janelas que transporto desde a infância

Fecham-se na minha mão)

 

Roubaram-me tudo.

 

Até as lágrimas me roubaram.

 

Se algum dia me visitarem

Tragam-me os retractos que deixei na minha secretária

Veleiro dos meus sonhos

Nos meus sonhos

Os teus sonhos.

 

Pequena manhã do meu inferno

Floresta que assombra o meu passado

E enquanto Deus me abandona

Uma flor de esperança sobe a calçada

Liberta-me

E oferece-me as espingardas que disparam beijos e sonhos.

 

Para que eu quero beijos e sonhos…

 

Sento-me e pego nestas brasas de silêncio

Ai se o meu filho estivesse junto a mim…

 

Enquanto morro.

 

Ele morto.

 

Poemas sem destino

Colmeias de abelhas dentro do meu quarto

Invento o inferno

Do inferno de escrever

No inferno que é viver

Ser louco

Entre loucos

Naquele esconderijo.

 

Um dia voarei sobre o teu corpo

Que se aproxima dos ventos imaginários da tua boca

Serei louco

Beijar-te

E cruzar os braços enquanto me morro em ti.

 

Que trazes na mão, pequena?

 

Trazes lágrimas

Ou sonhos?

 

E tudo arde

Enquanto toco com a minha mão

O Céu…

 

Este inferno

Destes meus pobres ossos

Enquanto me escondo

No meu corpo doente.

 

Bebo e fumo merdas

E penso em ti

Enquanto os meus ossos

São poemas

São palavras envenenadas das tristes noites de insónia.

 

E assim dorme a noite no meu peito.

 

Um milímetro quadrado da tua pele

Nos meus lábios…

 

Em mim

Uma pequena estátua de sono que te deseja.

 

 

 

 

 

Alijó, 26/11/2022

Francisco Luís Fontinha

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