terça-feira, 22 de novembro de 2022

Nuvens poéticas em pérfidos luares

 Trazes nos olhos

O doce mel do mar

Que em teus lábios de fina madrugada

Dançam as andorinhas da adornada Primavera

Que na tua boca inventam o beijo,

 

Que no teu corpo

Menina em marítima lágrima de sono

As minhas mãos escrevem

O poema em construção

Do desejado Deus em oração,

 

As flores que transportas nas mãos

Do silenciado sorriso do centeio

Às pobres pedras da calçada

Onde danças

E brincas menina cansada,

 

E sorris à alegria janela

Que a manhã semeia e levita

Nas árvores envenenadas da paixão

E as nuvens poéticas em pérfidos luares

Poisam nas tuas coxas de ribeira acoitada,

 

É a tua voz que se liberta desta lareira

E em cada pedacinho de insónia

Diz-me ao ouvido

Que o doce mel que trazes do mar

São os sonhos que escreves no meu peito.

 

 

 

 

Alijó, 22/11/2022

Francisco

Manhãs de Inverno

 Se um dia o mar acordar

Do sono infinito desta cidade de Deus

Quando a noite inventa a paixão

Que se suicidou num belo Domingo

Enquanto os putos brincavam junto ao rio,

 

Se esse dia regressar

E se esse dia trouxer toda a poesia das montanhas

Eu

O mendigo das esplanadas em papel

Poisarei os meus braços nos teus braços,

 

Depois

Os pássaros que falam e cantam junto à lareira

Que me olham

não me conhecem

mas voam sobre a minha sombra,

 

Depois

O vento esfarrapado em pequenas brincadeiras de café

Beijam os corpos em putrefacto silêncio

Que a boca do inferno

Aprisiona nas lágrimas de cera,

 

Que as pobres abelhas deixaram sobre o mar

Os barcos amam-se em amontoados corpos de sucata

Dentro de um cubo de vidro

Quando as árvores

Tombam sobre a sombra fina das manhãs de Inverno.

 

 

 

 

 

Alijó, 22/11/2022

Francisco

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Teu nome – Caos

 Nunca lhe dei um nome. Olho-o, suspenso na parede fria e só como todos os meus livros, empilhados em estantes, frias e sós, mas esta pintura que neste momento observo, não tem nome. Não sei quem é o pai, quem é a mãe, tão pouco se gosta de literatura, poesia, música ou de arte; e que nome dar a uma pintura, suspensa numa parede fria e nua e só – como todas as pinturas que faço, frias, nuas e sós.

Irei chamar-lhe Caos.

O Caos nasceu numa tarde qualquer de Verão, como quase todas as minhas pinturas, e ao contrário de mim, que nasci num belo Domingo de Sol de Janeiro e às sete e trinta da manhã, o Caos nasceu numa tarde de Julho ou de Agosto, tanto faz.

Tem olhos verdes, e se o olharmos bem, tem no rosto o secreto mar do deserto. Perdoa-me, mas meu filho serás, como todas as outras minhas pinturas.

Nunca te dei um nome, enquanto te olho, e percebo que estás de braços abertos e estás suspensa nessa parede fria e nua e só, tenho pena da noite que mais tarde te abraçará. E que todas as estrelas se alicercem na tua boca,

E também não sei se tens irmãos.

E todas as paredes são frias e nuas e escuras e sós; e quando regressar a noite, mudarás novamente de nome, e de Caos, quem sabe, passarás a madrugada, quem sabe, passarás a noite, quem sabe, passarás a lua,

Quem o sabe.

As cores da tua pele incendeiam a luz ténue do teu olhar, um comboio de lata emerge da cozinha, e corredor adentro, entra no quarto, e deita-se sobre os lençóis do negro medo onde poisam as minhas palavras. Ele bebe a cicuta dos sonhos, aquela que o levará até à janela onde o mar brinca com a maré, e todos os barcos em papel, alguns embriagados pelo desejo, olham-no, como eu o olho, mas que nunca saberei o seu nome.

Que importa se esta pintura tem nome – e se eu não tivesse nome, certamente escrevia como escrevo, pintava como pinto e amava como amo, então

Quão importante se ele se chama de Caos ou de outra coisa qualquer.

Pintura será. Meu filho será.

E por breves momentos, coloco-me no lugar do Caos;

Conseguirá amar o Caos?

E se uma pintura amar, e se uma pintura tiver dentro de si o desejo?

E se o Caos for um poema disfarçado de pintura?

E se esta pintura, que apelidei de Caos, for um lindo poema de Sol?

E se este lindo poema de Sol for apenas a pintura que não tinha nome, que apelidei de Caos e que está suspensa nessa parede fria e nua e escura e

Com a solidão da noite.

E o homem que deu vida ao Caos, o pai do Caos, será ele um pintor, um poeta ou

Um pequeno silêncio de vento?

Não importa se a noite é escura, não importa se a parede da sala é fria, não importa…

Levanta as mãos, e reza.

Até que o vento seja um pequeno quadrado de luz.

Poderia sentar-me nesta cadeira e em frente ao mar, dar nomes a todas as minhas pinturas, poderia reler todos os meus poemas, mas são tantos que o tempo restante de vida que me resta, não chegaria.

Irei dormir sem saber o teu nome, como não sei o nome das minhas pinturas: mas gosto muito de ti, meu querido Caos.

Depois,

Um fino e frio e escuro silêncio, desenhará um sorriso na parede da tua sala, fria e nua e escura e só.

Uma serpente enrolada nas marés que assombra a janela com retracto para o teu nome; o Caos a quem dei a vida e amo-o como amos todos os meus filhos. As minhas pinturas do nobre deserto entre os parêntesis da insónia.

 

 

 

 

 

 

Alijó, 21/11/2022

Francisco

Mecânica dos corpos que se desejam

 Em cada milímetro quadrado de silêncio

Que adorna a minha noite

Um mícron quadrado da tua pele

Poisa nos meus lábios,

 

E à velocidade de um minuto/luz

Chegam a mim as palavras

Do mel derramado

Sobre a superfície marítima;

O teu doce mar.

 

E pergunto-me – quanto pesará um grama de paixão?

 

Tanto como um grama de saudade,

Menos do que um grama de desejo,

Talvez mais do que um grama de beijo…

Num grama de liberdade.

 

 

 

 

Alijó, 21/11/2022

Francisco

O Sol de amar

 Nem sempre temos o sol dentro de nós;

Às vezes, chora,

Outras, sorri,

Às vezes levanta-se da cadeira junto ao mar,

E revolta-se,

 

Às vezes, às vezes, chora,

Às vezes grita,

Às vezes quer ser o vento,

Outras, a chuva,

Às vezes quer voar,

 

Às vezes, às vezes, morrer,

Às vezes o Sol não quer chorar…

Mas de tantas vezes que chora,

Às vezes, às vezes,

Às vezes o Sol quer amar.

 

 

 

Alijó, 21/11/2022

Francisco

O poema da paixão

 Se eu pudesse, plantava em cada sombra

Uma linda flor.

Se eu pudesse, em cada olhar triste

Semeava o mar e o luar.

Se eu pudesse, em cada sorriso

Semeava um beijo,

E nos lábios da manhã

Desenhava o Sol.

 

Se eu pudesse, não havia frio,

Se eu pudesse, todas as noites

Eram o silêncio embrulhado nas marés sem inferno,

Se eu pudesse, todos os barcos dormiam na minha mão

Como dormem as palavras que lanço ao vento.

 

Se eu pudesse, inventava o poema,

O foguetão sem combustão,

Se eu pudesse, ninguém morria do coração,

De cancro ou de solidão…

 

Se eu pudesse, em Janeiro era Verão,

Trazia o mar para junto da minha janela,

Se eu pudesse, escrevia uma canção,

Se eu pudesse, não havia fome,

E o pão,

E o pão, se eu pudesse, era liberdade,

 

Se eu pudesse…

Se eu pudesse, voava,

Escrevia sobre o mar,

O poema da paixão,

Se eu pudesse, queria novamente ser criança,

Dar-te a mão,

E de mão dada,

Se eu pudesse,

 

Dormia enquanto houvesse madrugada.

 

 

 

Alijó, 21/11/2022

Francisco

Estrelas de papel

 

Semeio as estrelas de papel

Nas lágrimas dos teus lábios,

E não são beijos,

Porque esses,

Poiso-os cuidadosamente no teu olhar.

 

 

Alijó, 21/11/2022

Francisco