sábado, 27 de agosto de 2016

prisão


a tempestade cessou

nos meus braços de sonâmbulo, acorrentado

ao cais da saudade

imagino a madrugada adormecida, distante das pálpebras quebradas,

a tempestade cessou

no meu corpo escorregadio pelo suor da solidão,

vejo os tentáculos das palavras,

mortas,

ou quase mortas… em mim, em ti…

os velhos pilares de areia,

sinto a escuridão dos dias

quando tu não estás no meu círculo cinzento

que os barcos transportaram para o longínquo cemitério de pedra,

e antes da tempestade cessar,

antes de acordar em mim o sono,

tínhamos uma cama imaginária

que nos abraçava quando regressava o luar…

os lençóis em linho perfeito,

desenhos bordados pelas tuas mãos,

desenhos desenhados pelo meu olhar…

cansado olhar,

de te ver e ouvir,

quando cessou a tempestade,

e juntos…

e juntos ficamos presos ao mar.

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 27 de Agosto de 2016

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Terra salgada


Terra salgada,

esta,

onde escrevo,

e habito desordenadamente só…

terra de encantos,

e mortos,

palavras que o vento enrola,

palavras sós,

palavras soltas e livres,

terra de sofrimentos,

e esqueletos prateados pela geada…

terra salgada,

esta,

onde escrevo o teu nome…

sem nome,

nunca tiveste um nome,

apenas palavras dispersas,

palavras cambaleando na noite,

agreste,

fria,

a gente se enfurece,

a gente protesta…

e esta terra…

esta…

terra salgada,

triste ao luar,

alegre na madrugada,

esta terra merece…

um nome,

um beijo com nome…

terra salgada,

Agosto em raiva,

quase Setembro à porta…

e

e esta,

terra salgada…

chora.

 

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 18 de Agosto de 2016

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O infeliz da madrugada


O esplendido silêncio amargo do corpo

Nas frestas cansadas da solidão

O derradeiro sopro

Insignificante

Que abraça este desiludido coração…

Quando amanhece

E finalmente

Os teus braços me lançam na madrugada

E esquecem

Aquele que não conhece

Os sonâmbulos que aquece…

A alma infeliz e rasgada.

 

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 11 de Agosto de 2016

segunda-feira, 8 de agosto de 2016


Dos murmurados alpendres onde me arrumavas os braços e as pernas depois de me usares,

Acordavas cedo, puxavas as cordas da noite e começava a clarear o dia, inventavas

Descobri tardiamente

Que inventavas os dias só para mim, como o jardineiro quando sente que uma fina pétala se desprende do esqueleto da Cinderela e também ele, inventa as espinhas que sobejaram dos peixes de madeira que a filha fez numa das aulas de Trabalhos Manuais, ele aprendeu a pregar botões e a fazer uma simples instalação eléctrica, e com algumas picadelas nos dedos de areia

Descobri tardiamente que não tinha jeito para invenções,

De areia como as línguas de fogo que começaram a descer dos telhados de vidro das casas dos mais enlouquecidos pasteis de nata, do Rossio até Belém, aproveitando o vento e o sabor a morango do rio, a cidade ia ficando-se

Como tu antes de inventares esse maldito espelho onde te olhas ao acordar, a janela do dia de ontem, onde vês o restaurante encerrado por falta de clientes, as cadeiras vazias onde se sentavam as galdérias noites e candeeiros a petróleo que a cidade rejeitava, ouvíamos um banco de jardim a passear junto à Torre de Belém, fumava cigarros de enrolar, tinha na cabeça um pano vermelho, e era alimentado por painéis lunares, e

Saltitava-lhe da voz

Todos Todas Adivinhos,

A rouquidão do prazer quando os mamilos da Cinderela, colorida com os lápis de cor da miúda, a filha da Rosalinda, chegava da escola, e poisava a mochila no pátio de gelo em frente ao pindérico jardim onde brincava um casebre empobrecido, de lata, e um olho em xisto, E

E

Saltitavam-lhe da voz as laranjas podres e os limões sem as palavras que tu

(Inventas no espelho, e no caixilho onde dorme o espelho, inventas no prego, onde penduras o espelho, e na parede, inventada por ti, inventas na sombra que escurece no espelho, onde te olhas, onde fumas, no cigarro inventado, pela secura do silêncio agachado no pavimento ósseo com ripas de fumo e pedacinhos de suor da tua pele perfumada, na água inventada, inventas com as tuas mãos as calibradas pálpebras (de) (da) madrugada, perdem-se nos sossegados momentos de literatura dentro da esplanada vestida como as roupas por ti, inventadas

Todos Todas Adivinhos).

 

In “Noites de mim”

Francisco Luís Fontinha

sábado, 6 de agosto de 2016

os olhos do teu prazer


descem a ribeira

os olhos do teu prazer

trazem na mão a tristeza

e o mar a arder

sinto o palpitar do meu coração

numa simples gota de suor…

deitada nas sombras dos aciprestes

descem a ribeira

as montanhas desertas

cansadas de viver…

que este corpo desenhou

nas palavras de escrever

descem a ribeira

os trilhos pedestres

dos abutres desgovernados

tristes

apavorados…

pela solidão da tempestade.

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 6 de Agosto de 2016

terça-feira, 2 de agosto de 2016


(…)

 

Triste?

Que algo de triste ia acontecer, e aconteceu, e.… senti-me ténue nas mãos garras da gaivota sem nome, pediram-me a certidão de nascimento, acanhadamente respondi-lhes que não a tinha, que nunca a tive, porque

Sou,

Sentia-lhe o cheiro da naftalina nas roupas emagrecidas, e eu

Sou, sou um apátrida com dentes de marfim, e eu, eu sabia que morreria como um rio de encontro ao mar, que morreria como um barco encalhado num velho quintal de um velho bairro onde habitavam velhas casas, com velhas árvores, onde viviam velhos

Sou,

Pássaros como bolas de naftalina, como beijos prometidos e nunca dados, como beijos perdidos na avenida longínqua da saudade, e sentia-te sentir na minha mão os teus velhos lábios, os teus lábios inventados pelo batom encarnado, e de uma roulotte ouviam-se-lhe os gritos da distância, no oitavo andar sentia-lhe os sons amorfos encurralados na janela de porcelana, ele chorava entre as linhas do velho, também ele, do velho

Caderno quadriculado?

Um lindo poema morre, e sou, sentia-lhe o cheiro da naftalina nas roupas emagrecidas, e eu conversava com as também velhas sombras de Deus, e de nada percebia, queríamos conversar e não tínhamos todas as palavras necessárias, Deus imaginava-me um louco vestido de andaime suspenso num oitavo andar da memória, Deus queria-me e eu sentia-lhe os sonoros melódicos suspiros do velho piano de cauda, um livro estava com febre, uma mão agachada no capim, tristemente agoniada... mão, não tinha força para se levantar, para gritar, para chamar os velhos pássaros que viviam nas velhas árvores no velho quintal,

Caderno quadriculado?

Sou,

Sou, sou um apátrida com dentes de marfim, e eu, eu sabia que morreria como um rio de encontro ao mar, que morreria como um barco encalhado num velho quintal de um velho bairro onde habitavam velhas casas, com velhas árvores, onde viviam velhos meninos, e que vestiam velhos calções e calçavam velhas sandálias... e nas mãos

Nas mãos velhos papagaios em papel pardo,

E nas mãos sentia-lhe o nome “pai”, e ele percebia o meu choro, as minhas lágrimas, como percebeu muito mais tarde o meu sonho...

Outros espiavam-nos juntos às bananeiras com quatro cadeiras e um círculo de sombra, fervíamos um no outro, e outros, e outras, aos poucos apenas o silêncio do teu corpo fervilhando entre os meus dedos, outros, e outras, aos poucos o teu púbis vulcânico descia a montanha do Adeus, e cada vez mais longe

Fervilhando,

Fervíamos,

Deixávamos os meninos em volta de pequenas poças de água, tinha chovido, a terra cheirava a fogo, e o céu começava a clarear como acontecia com as janelas da velha barcaça que nos levava até ao paradisíaco Mussulo, eu, eu amava-o, e tu, tu apenas encolhias as pernas, e sobre ti um lenço de desejo te absorvia, flutuavas como uma abelha dentro da cubata, rodavas em pequenos círculos trigonométricos, e dos teus lábios um líquido amargo com sorriso de co-seno desenhava-te na face esquerda uma parábola, a equação descia-te até enrolar-se nos teus tornozelos de areia branca, palmeiras e outros, e outras

Fervilhando,

Fervíamos,

E outras melodias esperavam no cais pelo desejado embarque, deixei-te para nunca mais poisar-me sobre ti, voando, eu, eu ainda tentei..., mas caí sobre o Oceano, mergulhei acreditando encontrar-te lá muito no fundo, mas

Fervilhando,

Pedras e nada mais,

O pôr-do-sol era triste, fervilhavas nos meus longos dedos, e os teus gemidos alimentavam todo o espaço vazio da cubata, não tínhamos sequer onde poisar uma gotícula de sémen, não tínhamos sequer onde deixar suspenso na madeira misturada com zinco o crucifixo que tínhamos trazido do outro lado da cidade, antes de partirmos, antes de te deixar sobre o cais..., e quando percebi

Fervilhando,

Pedras e nada mais,

Percebi que tinhas desaparecido entre o cacimbo e a saudade, percebi que tinhas zarpado como a nossa velha barcaça, procurei por ti, inventei desculpas, cheguei a descer às profundezas do Tejo, entrei em Cais do Sodré, bebi, embriaguei-me, dancei sobre mesas e cadeiras, cambaleei até Belém, atravessei os carris e sentei-me junto ao rio..., fervíamos como líquidos amargos na imensidão dos botões de rosa, alguns bravios, outros, outros mórbidos, outras..., outros sem vida, e nada, e ninguém, nem sequer um simples peixe... para me informar do teu paradeiro, percebi que a nossa cubata tinha ardido, anos mais tarde, percebi que o teu corpo tinha crescido, mudado de forma, percebi que estávamos velhos, como o espelho da casa de banho, quando hoje me olha e diz-me

Fervilhando,

Fervíamos,

E eu, eu...  no cais pelo desejado embarque...

Como ser feliz quando não se é feliz, como, como acreditar... como confiar... como?

Sendo,

E apenas, voando como as nuvens de chocolate na boca das crianças, como, sendo, as proibidas manhãs com Sábados invisíveis, acreditando?

Sendo, parecendo ser e não o ser, esperar, esperar, só, sentado, num banco em pedra, frio e húmido, de esqueleto quebrado, os ossos acabados de submergir das profundezas vozes sem as ditas

Palavras?

As loucas palavras?

Sendo, eu sei, voando, se eu soubesse, voava dentro de ti, teu corpo de magnólia com perfume a desejo, e ficando, e deixando

As loucas palavras?

Como retirara venda dos olhos, se ela, se ela é de aço maciço, como cordas de sisal suspensas do céu, servindo, como acreditando, apenas para acolher com doçura as velhas e cansadas árvores, as alegres e as tristes, como nós, e apenas, voando, e sendo, como tu, sofrendo como tu, apenas, assim.… como as algibeiras da noite rompendo a madrugada e pintando o sobejante com acrílicos em cadáveres, quase a serem enterrados vivos na fogueira, sendo, acreditando e

Palavras?

As loucas palavras?

Sofrendo, e ardendo em ti quando transportas contigo a fogueira inventada numa noite de Inverno, quando sentados, nós, desenhávamos o fogo nas paredes do escritório, como acreditar?

Acreditando,

E

E como confiar?

Confiando,

Não o sei, apagando esse fogo, ouvindo a música das plantas, simplesmente... ouvindo e sonhando e

Acreditando?

Deixara de chover, a máquina de lavar roupa pifou uma vez mais, constipação, ou

Fígado,

Ou

Talvez não,

Não temos tempo para despedidas, Pedro, O senhor Alberto para o filho que parecia uma abelha em círculos de luz às voltas do avô João, o carro pronto a avançar estrada fora, recheado de pequenas miudezas, batatas e couves, chouriços e presunto, pão de milho, e o Opel Kadett de 1964 aos soluços como os bebés depois de nascerem enquanto aguardam a chegada do babado pai e a enfermeira

É um menino,

Fígado,

Ou

Talvez não,

O pai retractava o filho com imagens a preto e branco, no tornozelo uma fitinha azul com o nome e o dos progenitores, e se fosse hoje, e se fosse hoje juro

Pifou

E deixara de chover.

 

In “Noites de mim”

 

Francisco Luís Fontinha