quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Parecíamos dois pontos de luz em direcção à morte sem passaporte



Entranhei as mãos no teu corpo de porcelana
Parecíamos dois pontos de luz em direcção à morte
Sem passaporte
Clandestinos destinos
Das madrugadas infelizes
Tínhamos no sorriso todas as fotografias da infância
Ai… ai meu amor
A tua partida
O abismo das tardes sem ouvir a tua voz
Que a janela da biblioteca absorvia
As coisas parvas que recordávamos
Sítios
Costumes
E palavras não ditas
Suspirava quando te via
Estranhava a palpitação do meu coração
Uma máquina absorta
Nas montras da velha cidade
Os apitos dos teus seios
Chamando-me para o desembarque
Os marinheiros aflitos
Embriagados
Sonolentos
Quando nos teus lábios acordavam beijos
E lamentos
Entranhei as mãos
Na caneta de tinta permanente
Escrevi no teu corpo todos os poemas da noite
(sempre te amei na noite)
Escrevia no teu corpo como se brincasse nas planícies do sofrimento
Deixei de estar presente no teu ventre
Desenhei pássaros na tua face rosada
E bebíamos como se o amanhã não existisse mais
Amava-te
Como amo as sombras desta casa
A lareira embriagada nos trilhos das montanhas da paixão
Novamente o abismo da escrita
O sexo suspenso na clarabóia do luar
Os gemidos invisíveis das noites com geada
Os términos suspiros das alvoradas
Amava-te
E tinha medo do teu cabelo
Como ainda hoje tenho medo do teu cabelo
Veio o sonho
Trouxe a morte
E acordaram todos os vampiros da madrugada
As motorizadas dos caquécticos transeuntes
Contra o medo dos dias
Tinha-me esquecido de acordar
Tinha no quarto uma fenda no espelho
Eu parecia um monstro
Uma ribeira em direcção ao púbis do Rio
Depois acordava o mar
Depois acordava o amor
A paixão
E a desilusão de não te amar
Os lençóis quase em brasa
O suor acorrentado à tua pele de cereja
Ai… ai meu amor
Que inveja
Que saudade
São dóceis as brincadeiras do teu olhar
São dóceis os sofridos orgasmos das tuas lágrimas
E tão longe
O mar
E tão longe
O mar de papel que habita nas tuas coxas…

Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 9 de Dezembro de 2015

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

É tão fácil odiarem-me aqui


O tempo cessou de vomitar

As horas os minutos e os segundos

Estou só

Aqui

Converso com um invisível copo de uísque

Recordamos os momentos passados junto ao Tejo

O embriagado soldado

Subindo a Calçada da Ajuda

Com o Doutor Vijago debaixo do braço

Não sei se o tempo me quer

Ou se eu quero o tempo

Estou só

Aqui

Neste convés sem janelas

Neste mísero abraço

Aqui

Estou só

Converso com todos os fantasmas da noite

Reparo que um deles odeia-me

É tão fácil odiarem-me

Aqui

Olhando o sonífero luar nos términos da insónia

Sou pobre

Nada telho para te oferecer…

Apenas beijos e livros

Coisas insignificantes

Sem destino

Quando menino dormindo na sombra das mangueiras

O musseque fervilhava de paixão

Havia sexo

Orgias

Orgasmos

E gemidos

África é um Paraíso

Sem nome

Sem morada física

Como eu

Aqui

E só

Escrevendo parvoíces

Coisas que ninguém lê

Palavras

Palavras

Palavras do Diabo

Sem dono

Sem ser amado

A felicidade acorda nos teus lábios

Framboesa das manhãs sonolentas

Dos castiçais amedrontados do templo do amor

As aventuras das crianças pretas meus irmãos também

A morte regressava-lhes de vez em quando

E sorriam

Cantavam

Beijavam-me como se beijam os Coqueiros nas fotografias

E o tempo cessou de vomitar

As horas os minutos e os segundos

Estou só

Aqui

Só…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 8 de Novembro de 2015

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Sempre no esquecimento de viver sem perceber o significado da vida uma passagem


A morte desliga-se do corpo

Interrupção da vida entre momentos e obscuros silêncios

Oiço a tua voz poisada no espelho do guarda-fatos

Sentes no cabelo a tempestade dos órfãos parágrafos

Apenas palavras, meu amor, palavras sem nexo

Para pessoas sem nexo

Como tu

Como eu

Sempre no esquecimento de viver sem perceber o significado da vida

Uma passagem

Uma pequena passagem…

Para o húmus

A terra incendiada pelos teus gemidos

O borrão da caneta de pinta permanente sobre as sanzalas da tua adolescência

Foste feliz, meu amor,

O homem mais feliz de todos os homens felizes

Que eu conheci

Tinhas um crocodilo em pão-preto

Algumas fotografias a preto e branco

Um carrossel de cartão

E eu era feliz nos teus braços

A morte desliga-se

Foge

Covardemente

Foge

Sem deixar rasto

Endereço

Número de polícia

Rua ou calçada

Tanto faz

Não existes

Deixaste de pertencer às manhãs televisivas

Sentavas-te no sofá

Incrédulo

Rabugento

Nas finíssimas lágrimas da tristeza

Que o teu rosto transportava

O engano

A mentira

O sofrimento do Adeus quando a presença é desconhecida

De mim

De ti

De nós…

Às vezes acreditava que conseguias voar

Mas logo percebi que era impossível voares…

Apenas os pássaros o sabem fazer tão bem

Que

Que sempre duvidei que o conseguirias

Felizmente

Não o conseguiste

Eu não o consegui

Que

Amanhã perceba porque não o consegui

Escrevo-te sem saber porque o faço

Não me importa a solidão

E as noites sem ninguém

Não me importo com o amor

A paixão

E a ressurreição dos panos de linho

Não me importo, meu amor, não me importo com as coisas simples da vida

Os livros

Sentado numa esplanada com sabor a Tejo

Uma cerveja, um prato de caracóis, e nada mais…

Amava a tua alegria

Amava os teus braços na minha face…

E nunca me disseste que ias partir!

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 7 de Dezembro de 2015

domingo, 6 de dezembro de 2015

O meu Major sempre bêbado


O desarmado soldado na guerra do silêncio, as armas mortíferas incendiadas na paixão da vida, o meu Major sempre bêbado, o uísque trepando as escadas da solidão, bebes um como meu filho

Não, não meu Major, não bebo, nunca bebi com um Major,

Não bebo por bérber, bebo para envelhecer, dizia-me o tio Serafim, homem da terra, artista, conhecedor da ciência do bacalhau, sabe-a toda, ele, nunca fez nada na vida, parecia um espantalho do milho

Ente parêntesis, a vida, o cansaço, o cansaço da vida, de estar vivo, o cansaço das manhãs sem literatura, o aventureiro mendigo das ruas desertas de Lisboa,

O meu Major sempre bêbado, levava-o ao seu porto de abrigo, aprisionava-o à cama não fosse a tempestade levá-lo, mas vamos ser reais

Quem deseja um Major Bêbado?

Dava-me semanas de férias, …

 

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 06/12/2015

sábado, 5 de dezembro de 2015

Da tristeza de não saber que me despeço de ti sem o saber, um coitado, ele sempre um coitado...


Despeço-me de ti, sabendo que hoje é o primeiro dia da minha ausência, tive um pai, uma mãe, nunca tive irmãos, infelicidade a minha, ao menos podia culpá-los das minhas asneiras, e tantas foram, a electricidade as pinturas nas paredes do quarto, sala e cozinha, na casa de banho lia revistas, na cozinha lia livros, e no quarto

Batem à porta, a vizinha assedia-me para lhe emprestar dois ovos, uma galinha e um tractor de brincar, dei-lhe tu, menos o tractor,

E no quarto ouvia o sorriso do mar, quem, quem nunca ouviu o mar a sorrir?

Antes de acordar desenhava os eléctricos nas paredes do quarto, e esquecia-me sempre do maquinista, só, sempre só, e regressava sempre ao ponto de partida,

A chegada, o regresso acompanhado de algumas compras, presentes e um cão… deixa lá, estava só,

Vivia nas clandestinas casas do musseque, sentia o turbilhão do Machimbombo descendo o capim deitando-se rabina abaixo, zero feridos, zero mortos, apenas… apenas cadáveres vivos com olhar de mortos, não faz mal, amanhã tudo esquece, esqueço-me eu do teu rosto, esqueces-te tu do meu sorriso, e esquecemo-nos da alegria sagrada,

Sempre longe, sempre do outro lado do rio, pegava num livro, e adormecia como se fosse uma criança, desconfio

Foste sempre criança?

Desconfio que o Sol anda à volta da terra, tretas, a terra andar em volta do Sol, e eu, e eu?

À volta das dívidas, do cansaço, da tristeza

Ontem,

Da tristeza de não saber que me despeço de ti sem o saber, um coitado, ele sempre um coitado...

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 05/12/2015

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Nas pálpebras o imensurável coração de prata o rio a ribeira a eira


(dedicado a Carvalhais – S. Pedro do Sul)

 

Diz-me que és

Noite amaldiçoada que me acorrenta à solidão

Prefiro a morte

Do que ausentar-me de ti

Não quero

E nunca quis…

Perder-te para a ilusão

Diz-me o que és

Sombra peregrina das manhãs de nevoeiro

Montanha desgovernada

Descendo a Calçada

Diz-me

Loiça de porcelana entre cigarros e algumas frestas de insónia

Nas pálpebras o imensurável coração de prata

O rio

A ribeira

A eira

O silêncio do sino da aldeia

Perdido nas espigas coloridas do milho

As abelhas poisadas nos teus ombros

A malvada da cidade

Em combustão

Sem idade

Identidade

Ou saudade

Feliz aquele que não tem saudades

Feliz aquele que não sabe o que é a saudade

A ausência

O medo de perder-te

De perder o teu perfume embriagado pelas begónias em papel

Saio de casa

Regresso sem ninguém

Vou a ela

E ela não vem

A noite das sentinelas de cartão

O texto saltitando na cabeça de um prego enferrujado

Suicídio

Suicidou-se com um beijo teu

Enrolou-o ao pescoço

Desceu alguns centímetros…

Foi-se

O poema

A manhã e a noite

Diz-me que és…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sexta-feira, 4 de Dezembro de 2015

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Despeço-me de ti



Despeço-me de ti
Enquanto o meu corpo é desventrado através da mão da paixão
Cada pedacinho catalogado
Cada sombra desenhada na penumbra das imagens da loucura
Sou eu
O teu sonâmbulo beijo
Que as árvores comem ao pequeno-almoço
Sinto-me um pássaro nos teus lábios
Um rio descendo os teus seios mergulhados na poesia minha
O imbecil
Sou eu
Recordando sonhos das tristes tempestades de areia
O miúdo dos calções
Das sandálias…
Junto ao mar esperando o teu regresso
Leio os livros que escreveste na escuridão
Com uma esferográfica de cartão
Copiando as madrugadas num caderno negro
Quadriculado
O quadrado
A esfera omnipotente da sensação de estar só
E acredita
Estou só
Só hoje
Amanhã… amanhã não
O dia aparece no meu olhar vestido de sono
Pareço um palhaço brincando num quintal longínquo
Lá longe
Das fotografias aprisionadas numa estante vazia
As personagens invisíveis da minha infância
Descendo a calçada de bicicleta
O medo de
Perder-me
Perder-te
Ou amar-te
Tanto faz
E acredita
Estou só
Despeço-me de ti
Escrevo as minhas últimas palavras
Ofereço-te a minha última fotografia
Nunca tive irmãos irmãs…
Nunca tive um País
Uma Nação para com quem conversar
Sou um apátrida
Nasci no mar
Sou filho de ninguém
E apelidaram-me de… vejam lá só… J O A Q U I M
Quim para os amigos
Senhor Joaquim para os desconhecidos
E Quinzinho para ela…
Que tédio
Nervos
Euforia de estar só neste compartimento de vidro
Não tenho cortinados
Primeiro andar
Ou escadas de acesso ao sótão
Sou um triste
Nasci no mar
E acredito que a morte é um amontoado de sonhos com acção de despejo
Tudo penhorado
A vida
A morte
Assim-assim
O dia
A noite
Assim-assim
Tive um cão de nome REX
O meu melhor amigo
Ciumento
Doentio
E às vezes… traz
Dedo para o “caralho”
Fico só
Eu e ele
A dor
O sofrimento de uma noite de Dezembro
Confesso
Não gosto do Natal
Nunca
Nunca gostei
E hoje
E hoje tenho saudades do Natal…
Porque me despeço-me de ti.

Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 2 de Dezembro de 2015