segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Viajante secreto – o homem sombreado

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


O desejo cansado do solstício envenenado
das palavras o ranger da porta sem habitantes
que a noite comeu
o desejado corpo nos pindéricos rochedos de papel
voando sobre a cidade dos machimbombos
o entardecer não regressa nunca
o viajante secreto enlatado num caixote em madeira
o homem sombreado dos alicerces de prata
afogado num pedaço de terra...
hoje
hoje não vi o mar
nem os barcos de esferovite construídos por crianças junto à ribeira...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 26 de Janeiro de 2015


domingo, 25 de janeiro de 2015

Poemas escritos debaixo da embriaguez


Nunca soube o que era o amor, acreditava nas gaivotas em papel da minha infância, recordo o triciclo enferrujado, o boneco estúpido que apelidei de “chapelhudo”..., que parvalhão apelidava o seu fiel amigo de “chapelhudo”, eu, claro,
As palavras misturados entre orgasmos e flores, gemidos cirílicos suspensos nas andorinhas em flor,
Eu?
Nunca,
O amor,
Poemas escritos debaixo da embriaguez
Freguês?
Nem uma modinha habita na minha algibeira, e o amor sossegado debaixo de uma mangueira, crescia, brincava e...
Nunca,
E embrulhava-se na timidez de um novo dia, e lentamente, os meus ossos alimentados pelos sulcos solitários da noite, a barriga crescia-lhe, é menino? Menina?
Freguês?
Eu, simulador de voo quando as estrelas dormem, e habita na minha algibeira uma película fina de desejo,
O que é o desejo...!
Não
Nunca soube o que era o amor,
Não pai, não pode ser,
A vida é viver, um dia, dois dias, um quatro de dia..., percebes?
VIVER...
E amar?
Não sei, meu pai, não... sei.

(…)


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 25 de Janeiro de 2015

O suicídio do amor


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Trazíamos no corpo as feridas da luz,
havia silêncio nos teus olhos
e na pedra fulminante da paixão,
tínhamos nas estrelas o cansaço das palavras
roubadas do jardim sem coração,
desenhávamos o amor na areia fria da insónia,
como se houvessem lençóis de prata nos teus ombros...
equações,
geometria invisível galgando a ardósia da tarde,
e sabíamos que o suicídio do amor
aconteceria um dia,
como acorrentadas mãos a uma caneta,
uma corda em lágrimas imaginada pelo abstracto objecto das arcadas envergonhadas,
as rochas frias que alimentavam o desassossego do poema,
e nos teus braços...
as sílabas que sentiam as tristes pontes metálicas
e os animais enraivecidos,
trazíamos no corpo as feridas da luz,
o poço da morte iluminado pela tua pele em pedaços de suor...
o desejo de ti quando lá fora alguém gritava pela alvorada,
e não tínhamos horário para navegar nas ondas secretas do mar,
vadiávamos a cidade,
comíamos sombras de nada...
e amávamos a literatura.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 25 de Janeiro de 2015

O invisível sorriso

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


esqueci as palavras e os peixes do teu Oceano,
rasguei o teu sorriso numa noite ventosa,
imaginei loucos passeando num arame invisível,
atravessando as montanhas da solidão,
esqueci os barcos,
as pessoas,
e os dias encaixotado no aquário,
fui pássaro desgovernado,
rio com braços de bambu,
fui nuvem,
fui caixão...
transportando ossos sem nome.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 25 de Janeiro de 2015


sábado, 24 de janeiro de 2015

Hoje... a noite...


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Não tenho tempo para te amar, meu amor, flutuo nas ombreiras madrugadas travestido de dor, navego no teu corpo como um transeunte mendigo, sem-abrigo, poeta insignificante das palavras sem nome, e navego
Amanhã vou chorar,
E navego no teu corpo esculpido...
E na solidão do abrigo, as espátulas da insónia, o sexo embriagado, os teus seios crismados na fogueira da mendicidade,
Hoje?
Hoje vou amar-te, prometo, meu amor...
Tínhamos na algibeira o fio invisível, a luz o desejo
Amanhã?
De penetrar em ti como uma agulha de aço, um poema clandestino das
ruas de Lisboa,
Amanhã?
O sol, a noite, o teu ventre pergaminho saboreando os meus dedos, e amanhã?
Tínhamos,
Na algibeira os candeeiros da saudades,
Os beijos,
A geometria do teu olhar inseminado na madrugada, os beijos fluem como amêndoas de chocolate em brasa...
O teu corpo,
Os teus lábios...

(…)


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 24 de Janeiro de2015

Círculos de papel


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


sentíamos o peso do clítoris amanhecer
suspenso nas telhas de vidro do silêncio
tínhamos nos braços o suor das palavras
consumidas pelo fogo da paixão
havia um abraço de luz
nas verdejantes lápides da solidão
e apenas um finíssimo orgasmo de iões brincavam nas pálpebras da escuridão
havia o medo de não regressar
estávamos em círculos de papel
quando do espelho corpo em evaporação
uma gaivota soletrava os gemidos da maré...
os barcos arrependidos choravam como choram as crianças em flor.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 24 de Janeiro de 2015

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Gladíolo adormecido


As imagens tridimensionais da fotografia a preto e branco
há no seu rosto a melancolia da cúbica equação
as sílabas castanhas do primeiro amor
a equação em dor
a metáfora linhagem do sangue embriagado
cintilando
amar
não tenho vida
sou um desabitado eterno apaixonado...
pelas palavras
sorrisos
e riscos

havia outro comboio para regressar aos teus lábios
perdi-o passivamente
como um gladíolo adormecido
derrubei muros invisíveis
palhotas de silencio
antes de nascer o dia
fui habitante da cidade dos mabecos
menino desenhando círculos
na húmida saudade
que só a chuva consegue abraçar...
e hoje
hoje pertenço às imagens tridimensionais da fotografia a preto e branco.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 23 de Janeiro de 2015