quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

(imagem tua estampada no rosto inverso do vidro...)

foto de: A&M ART and Photos

A imagem tua estampada no rosto inverso do vidro
vêem-se de ti os cabelos da madrugada trigonométrica procurando senos e cossenos
e dentro do círculo trigonométrico
os teus tristes lábios em três quartos de pi radianos
a imagem acorda em ti e cansa-se do silêncio transferidor
e as lágrimas envergonhadas como pedras fundeadas na ribeira do Adeus
desaparecem ao amanhecer
tenho medo confesso-lhe
e ela desesperadamente
desenha-me na ardósia manhã como beijos tangenciais ao quadrado do Amor
o rio flui até encostar-se à fórmula fundamental da trigonometria...
e percebo que o seno ao quadrado de alfa mais o cosseno ao quadrado de alfa é igual à unidade... a (imagem tua estampada no rosto inverso do vidro...)

Imagino-te nua sem saberes que no espelho encarnado vivem gaivotas veleiros
e pernaltas petroleiros

A imagem tua estampada no rosto inverso do vidro
a equação da Saudade desfaz-se em pedacinhos papeis...
que voam em direcção ao infinito onde se abraçam rectas paralelas e ventos circunflexos
corpos incandescentes ardem como ângulos adormecidos
há lareiras em desejo na janela da noite
quando os versos transformam-se em sanduíches de nada
e do nada
a tua imagem sem saber que as integrais triplas são amantes dos cossenos hiperbólicos...
a matriz transposta invade o púbis da matriz inversa
choras...
dormes... como uma criança deitada na equação diferencial da paixão
e a tua imagem... e a tua imagem esconde-se na lixeira do inferno.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 26 de Fevereiro de 2014

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Às flores vencidas

foto de: A&M ART and Photos

Às flores vencidas
aos pilares de areia das tardes perdidas
às árvores emagrecidas
e aos rios condenados
tristes
tristes e apaixonados
aos sorrisos de algodão
e às lágrimas de porcelana
às flores envelhecidas que ressuscitadas insistes
e ignoras
e choras...
a madrugada das persianas embaladas,

(às flores vencidas
e aos cansaços amores do invisível desejo)

Às flores vencidas
que se escondem em jardins com janelas encardidas
aos pássaros de marfim com ossos desventrados em marés esquecidas
e aos silêncios com palavras escritas em paredes de xisto
e tu não percebes os sonhos com coloridos quadrados e círculos nocturnos
e desisto
de procurar os lábios da Garça sem graça... nas ruas de Lisboa
descendo a calçada endiabrada comendo rebuçados de voláteis cigarros de chumbo...
às flores enroladas em trigonométricos fumos
que morrem na cidade das esplanadas de vento
com sofrimento
a vós, a todos vós que têm corações de pano e beijos de chita...

(às flores vencidas
e aos cansaços amores do invisível desejo)


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 25 de Fevereiro de 2014

Cenas da NET

Cenas da NET: Poema de Francisco Luís Fontinha – Sapo Angola – Blogue Cachimbo de Água.

A rosa embalsamada


Sento-me nas esferas anacrónicas dos beijos de papel,
sinto o perfume cansado de uma rosa embalsamada,
ela dorme dentro de um poeirento livro,
e chora e sofre... e sonha,
sento-me e percebo que sou um pedestal sem mágoa,
um triste infeliz construindo barcos de esferovite,
sinto-me aprisionado aos tanques de marfim onde mergulhavam os meus bonecos de criança,
e sei que lá fora, quando cai a noite sobre o capim...
chora,
a cobra de quatro cabeças,
a longa esferográfica perdidamente apaixonada por mim...
que loucamente inventa palavras, círculos... e quadrados com olhos de insónia.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 25 de Fevereiro de 2014

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Inverno das madrugadas em geada

foto de: A&M ART and Photos

Sou um pássaro sem gaiola de aço
um rio sem pontes
sou um barco sem leme sem velas sem vento...
sou uma árvore dentro dos finos abraços
escondido nos montes
saboreando o sofrimento,

Sou uma nuvem envergonhada
correndo os corredores da dor
sou uma rua esquecida na cidade
sou uma sombra desenhada
do jardim em flor...
sou... sou um homem construído pela saudade,

Sou um pássaro sem poiso um pássaro fingindo amar
sou um esqueleto invisível caminhando junto aos rochedos do amor
sou... um pássaro conversando com pequenos livros de porcelana
sou uma janela virada para o mar
esperando a morte vestida com cor
esquecendo a vida em noite escura que a toda a hora me proclama,

Sou o Inverno das madrugadas em geada
o patamar dos vadios pés revestidos a azulejo
sou um pássaro voando nos sonhos inventados
uma ribeira gelada
sou... sou um pássaro em desejo
comendo corações apaixonados.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 24 de Fevereiro de 2014

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Uma rua dentro de ti, meu amor.

foto de: A&M ART and Photos

Há uma rua dentro de ti, meu amor, que sente o medo da solidão,
há nos teus cabelos de folha caduca nuvens de maré adormecida,
veias em combustão,
transeuntes insignificantes com mãos de porcelana,
rios, mares, e barcos de aço apodrecido,
há uma rua dentro de ti, meu amor,
deserta, húmida... uma rua sem nome, idade, como uma criança que brinca,
como um pedestal que espera pelo meu corpo de silêncio,
há palavras de ti, meu amor, palavras com fotografia para a montanha,
o medo,
o medo que em ti se entranha,
e te absorve,

submerges-te nas cavernas dos prisioneiros marinheiros embriagados,
há uma rua dentro de ti, meu amor, uma rua esquecida na madrugada,
uma rua sem maldade,
como tu, como eu... duas ruas de costas voltadas para o luar,

há uma rua dentro de ti, meu amor, com ranhuras, com palheiros recheados de desejo,
corpos misturados em pedaços de papel,
há em ti o beijo,
uma carícia disfarçada de amanhecer,
há uma rua, meu amor, uma rua que não dorme, uma rua que tem lágrimas, uma rua nua, deserta, uma rua revestida de pedra,
há uma rua, meu amor, uma rua como os teus olhos sem cor,
como as tuas pálpebras em flor,
há em ti, meu amor, a paixão, o inferno, a tristeza... e há em ti o poema em construção,
as palavras mortas, as palavras perdidas no rio dos arbustos empalhados,
há uma rua, meu amor, uma rua com homens falhados, como eu, como eu...
um homem falhado filho da rua, como eu... como eu, um homem em forma de rua,
mas... quem, mas quem és tu, meu amor? Existes? Vives e choras? Sofres?... como eu, como eu...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 23 de Fevereiro de 2014

Do dia... suicidado

foto de: A&M ART and Photos

O dia termina inventando sonhos para a noite que se avizinha
o livro de poesia fecha-se dentro da gaveta do armário
o dia já era
foi
partiu... partiu sem saber o significado da palavra AMOR
não sabe que a saudade habita no edifício da insónia
um triste quinto andar sem janelas
mas... mas pelo olfacto dir-te-ei que temos perto de nós o mar
e as marés de Inverno
e as amarras do inferno...
dentro do dia terminado
do dia... suicidado.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 23 de Fevereiro de 2014