quarta-feira, 21 de agosto de 2013

traço descontínuo

foto de: A&M ART and Photos

há um traço descontínuo que nos separa
nuvens que encobrem o teu olhar
abraços dispersos pela madrugada
há um traço descontínuo
um ruído ensurdecedor que acorda com o amanhecer
há um poster de uma mulher nua na paredes da tua insónia
descontínuos
as pernas e a sombra dos triciclos em madeira...
há uma casa dentro de uma estrada
rodeada por um fino traço descontínuo
há chuva
há crianças correndo e saltando as sebes do invisível
há uma menino especial
com dentes em marfim
há uma menino que dizem ser filho do sol
e do cacimbo...
há um traço de ti que é descontínuo...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 21 de Agosto de 2013

FRANCISCO LUÍS FONTINHA (Participa no II Volume de PALAVRAS DE CRISTAL)

ALIJÓ

Nasceu em Angola, Luanda, a 23 de Janeiro de 1966. Em 1971 vem para Portugal com os pais e fixam-se em Alijó, Vila Real, onde faz os estudos, primários, secundários, e mais tarde, já como desenhador, frequenta o curso de Engenharia Mecânica, em Bragança, que por dificuldades económicas, não concluiu.
Apaixonado por livros, gosta de ler, escrever, desenhar, e colecciona cachimbos. Escreve regularmente no seu blogue Cachimbo de Água (http://cachimbodeagua.blogs.sapo.ao/). Tem um texto de ficção escolhido pelo escritor José Luís Peixoto, publicado na rubrica Conte Connosco 2 – pág. 72/73, livro apenas digital. Ultimamente tem um poema publicado na pág. 465/466 na “Antologia de Poesia Contemporânea Vol. IV, Entre o Sono e o Sonho”, Chiado Editora, participou nas colectânea de poesia “Palavras de cristal I” e “Aqui há Poetas – Poesia sem gavetas parte II”.

A morte do teu cabelo

foto de: A&M ART and Photos

O meu cabelo absorve a cidade, vive debaixo dele a manhã dilacerante, há um perfume desconhecido que vai subindo até aos meus cabelos, encosto a cabeça ao espelho da manhã, trinco os lábios e sinto as madeixas das árvores engomadas por um velho ferro de engomar, não me sinto bem, estou estonteante, estou... em desequilíbrio, e oiço as finas gotas que o horário suspenso na parede da sala de jantar, essas... em pequenas lágrimas pergaminho, como húmus derretido sobre a terra árida das velhas mãos que serviram para alimentar o calendário nocturno
O meu cabelo morre,
E a tua boca silencia-se como se vivêssemos em permanente ditadura, como se vivêssemos... sem sairmos de casa, à varanda do silêncio, choras-me porque perdeste os cigarros, porque perdeste o emprego, porque perdeste... a vida
O meu cadáver de costas sobre a cidade, de um salto em falso... voo sobre a calçada camuflada com pequenas pedras de chocolate, alguém grita o meu nome,
O meu cabelo morre,
A minha pobre vida, aos poucos... também ela morre, como o meu loiro cabelo, como o sombreado vento, como a grade da varanda que me aprisiona e não me deixa ser livre, livre como as gaivotas de Belém, ir a bares, beber em esplanadas a vodka que sobeja dos veleiros acabados de regressar da Rússia, e
O meu cabelo morre, e a minha vida morre, e tu, e tu morres-me... porque a água salgada do mar começou a subir pelo ascensor, entrou no terceiro esquerdo, entro no terceiro direito,
Nós
E o teu cabelo quase em chamas,
E nós quase, porque habitamos o sexto frente, e daqui a pouco, a tua cabeça, encostas-a à grade enferrujada e lanças-te em
Queda livre,
O meu cabelo morrer,
Nós, nós quase engolidos pelas caravelas que a noite lança pelas ruas para nos aprisionarem, como acontece com o teu cabelo, como acontece com o teu corpo...
Ambos prisioneiros, vagabundos, quase em
Queda livre,
A cidade,
Morre,
O meu cabelo morre,
E o teu cabelo quase em chamas,
E nós quase, porque habitamos o sexto frente, e daqui a pouco, a tua cabeça, encostas-a à grade enferrujada e lanças-te em granito polido, cubos em gelo, pregos de madeira rompem os sargaços dos teus beijos, e nós, porque habitamos o sexto frente
Morre, morre o teu cabelo quando te lanças sobre os veleiros desgovernados das Clarissas abandonadas, ouvi-o, ouvi-lhe os cabelos agarrarem-se à velhíssima grade e voavas, e dançavas, e
E o teu cabelo quase em chamas,
E os meus braços enrolados no teu pescoço, a cidade, a cidade com o teu corpo como húmus, sobre a terra ressequida, feia, dilacerante...
E morre,
E desce... até encontrar a lápide cinzenta onde está escrito o seu nome,
A criança rodopia,
E a vida, a vida também morre, e a vida espera por um digno salto, e ela
Ela morre,
O meu cabelo morre, o meu cabelo... em flor, sobre as árvores dos teus seios, transparentes, como as velas do veleiro estacionado junto à Torre de Belém,
E ela?
Ela... ela morre, morre, até encontrar a lápide cinzenta onde está escrito o seu nome,
A criança rodopia.

(não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 21 de Agosto de 2013

cortinado amanhecer

foto de: A&M ART and Photos

seus olhos em movimento curvilíneo
seus braços baloiçando como uma criança em queda livre
voando sobre os sons de um piano desafinado
há uma janela aberta com sombra sobre a cidade do medo
e ela
ela esconde-se nos abraços cerrados do cortinado amanhecer...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 21 de Agosto de 2013

Ínfima nuvem que sonha e corre e sonha

foto de: A&M ART and Photos

Qualquer coisa estranha
na flor que brinca em tua mão de porcelana
qualquer coisa vã
ínfima
que esconde o teu olhar,

Qualquer coisa geometricamente sombra nos teus lábios
estranha
castanha
que de nuvem em nuvem
caminha e sonha e sonha e caminha,

E morre estranhamente como um pássaro de asas em papel
qualquer coisa estranha na tua mão branca
silenciosamente só
tristemente sentada numa cadeira sem coração...
que vive em ti e de ti se alimenta.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 21 de Agosto de 2013

terça-feira, 20 de agosto de 2013

manhã sem manhã

foto de: A&M ART and Photos

apetece-me comer-te
morder os teus lábios em chocolate
fervilhar como tu dentro de uma chávena de chá
olhar-te
saborear-te quando entras em mim
pela manhã sem manhã

mastigar os teus olhos de néon
sem que tu percebas que os teus olhos são comestíveis como as castanhas
no Outono
sentados a uma lareira invisível
enquanto eles se dissipam através da chaminé do desejo
voando sobre os velhos telhados da tua aldeia

apetece-me comer-te
saborear-te como saboreio um copo com água
como saboreio as gotículas de suor do teu corpo bronzeado...
mastigar-te e saborear-te e engolir-te
como se tu e os teus olhos e a manhã sem manhã... fossem pedaços de vento
também eles comestíveis e saboreáveis...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 20 de Agosto de 2013