quinta-feira, 16 de maio de 2013

ou um esqueleto embrulhado em cristais poemas

foto: A&M ART and Photos

acreditava e não percebendo porque os olhos do meu amor
não são estrelas
cores
desenhos entalados nas fendas dos tristes murais de areia...
acreditava que vivias no silêncio
como
provavelmente tu também pensavas acreditar
que sendo eu filho de uma árvores e dos restos finados do capim...
um dia hoje amanhã quem sabe
acreditávamos
voar sobre as tão distantes palavras de nós
proferidas pelas gargantas humilhadas na miudinha chuva de Maio,

tão pouco sei se tenho amor
ou um esqueleto embrulhado em cristais poemas
sobre a tempestade dos arames onde suspendo a minha roupa depois de lavada,

acreditava,

e tão pouco percebo a tua existência
e entendo-a como uma sombra plantada no vento
ou como um barco rabelo semeado nos socalcos do sonho
correndo madrugadas
e inventando dores
cansaços
e... tão pouco sei se és o meu amor
ou se sou eu o amor sem amor,

acreditava não acreditar em palavras
parvas
obscenas
inscrições maternas na palma da minha mão
e feliz eu contente
por perceber que ainda tenho mão
e mãe
… quanto às palavras e ao amor... auto-suspendo-me das funções que me foram confiadas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 15 de maio de 2013

A lareira da poesia

foto: A&M ART and Photos

Um corpo arde da penumbra noite de literatura
e da lareira dos livros vêm as marés com espuma de sémen
que as nuvens de amianto transportam sobre os cofres nocturnos da insónia
há intensas fogueiras de incenso sobre o teu ventre adormecido
pelo cansaço vómito do prazer,

Acordas-te puxando as encostas montanhas de rochas em intranquilos momentos
e poeirentas mangueiras de planícies pintadas de amarelo com bolinhas azuis
pensavam que eram o céu
e apenas as vírgulas no final de um texto escrito por ti
quando ainda conseguias alimentar as labaredas do amor,

Ardias por dentro
e fingias habitar como cubos de gelo
num copo de uísque sobre uma mesa redonda com pernas de aço
e dizias-te filha eterna do sono
e ardias nos meus braços de mogno importado do além...

Um corpo o teu corpo em mim semeado
ardemos os dois corpos dentro de um amontoado chiqueiro de cobras com lâmpadas de iodo...
havíamos de descobrir o medo
havíamos de descobrir o amor proibido e peneirento
do peneireiro de asas abertas com destinos infantis e sons de orangotango em cio,

O rio e a cidade dos corpos que ardem
em ti
de mim sabendo que amanhã deixarei de ter palavras para escrever
e muitos deles
felizes por saberem que amanhã... eu e tu... somos cinzas esquecidas na lareira da poesia...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Acreditarás no meu pequeno corpo?


foto: A&M ART and Photos

Onde me levarás quando eu descer os cortinados da dor, comíamos sandes de livros com molho de poesia e tantas migalhas em palavras, que hoje, nos esquecemos dos momentos ínfimos que a noite nos proporcionava, acreditávamos em silêncios e desenhos nas paredes do sono, lápis de cor, caixas de seis, doze ou... vinte e quatro, e sonhávamos com um corredor fino, alto, e escuro, e havia uma porta envidraçada, uma porta de entrada para o nada, e ninguém nos perguntou porque vivíamos obscuros, fingíamos-nos também nós, de pequenos cubos de vidro, fingíamos-nos também nós, de porta com o espaço reservado aos nossos corpos de vidro, livres, não opacos, transparentes e flutuantes como as folhas das árvores do jardim
o destino é fodido, dizias tu...
Do jardim das grandes amoreiras, as tuas sandália jaziam sobre o tapete de ardósia, voando, subindo veredas de carvão, o suor do teu corpo parecia papel de embrulho, ofegante, dilacerante, oitenta e quatro metros por segundo quadrado, tu, descias, descias até mergulhares nas
destino, é, hermeticamente fechado como as caixas de porcelana onde guardavas os guardanapos, alguns anéis e outras bugigangas sem interesse, como tu, para ti, sem interesse, como eu, como são as portas depois de encerradas, pregadas do lado exterior, como são os olhos das fechaduras, quando dilaceram um corpo nu, ou quase nu, suspenso nas mãos de oito estrelas com cinco cordéis de algodão, cinco, quatro, alegrias de viver e uma janela de Inverno com sombras para o mar das sílabas cansadas pela tua doce boca de lentidão, beijos, e víamos a tua face rosada mergulhar no candeeiro sobre a mesa-de-cabeceira,
o
é, dizias-me tu,
E como eu te percebo agora, porque sempre fui um filho bastardo do maldito destino, e sempre gostei de ti, como o sabíamos depois das tristes palavras que deixaste penduradas num pequeno cartaz junto ao frigorífico, irritei-me, peguei nele... e andar abaixo, rés-do-chão esquerdo, a vizinha por milímetros não atropelada por um amontoado de sucata, velharias, como eu, aqui, sentado, a tentar perceber o maldito destino de mim, sabendo eu, que eu, não, nunca, existi
acreditarás no meu pequeno corpo?
E pior do que isso... é que nem sou em ferro, porque os sucateiro davam-me um euro por cada quilo, ora isto perfazia cerca de setenta e nove euros, não era muito, sempre será alguma coisa, por enquanto, espero, porto ancorado às ilhargas elásticas dos azuis camarotes de veludo, havia champanhe, caviar, e o melódico som poético do homem das sete luas gordas, recheadas com pequenos pássaros das árvores do quintal coberto por mangueiras, criança triste fazendo-se passar por estilista, desenhava e costurava vestidos por medida, e nas horas vagas, escrevia poesia nas paredes do quarto, desenhava nas paredes da casa de banho, e irritava-se quando não o levavam a olhar o mar, domingos de manhã, escondia-se entre os barcos atracados no Porto de Luanda, e sonhava
um dia vou ter uma porta com muitos vidros, e debaixo da ombreira, uma linda mulher, com panos brancos, ou quase nua, ou ambas, ou nenhuma delas... um dia, vou ter uma porta, vinte e quatro, vinte e cinco, pequenos vidros, quadradinhos de ternura e açúcar prateado porque os teus lábios são como os pasteis de nata, comem-se, e depois... depois sentimos-nos leves como as gaivotas, passamos debaixo das portas com pequeníssimos vidros, e voamos sobre o Tejo...
Acreditas nos destino, amor meu?
E saboreava-os na boca como se fossem beijos teus...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Hotel Quinta da Seixeda – Alijó

terça-feira, 14 de maio de 2013

As janelas do Outono

foto: A&M ART and Photos

Dissimulávamos-nos entre as raízes poeirentas
dos velhos candeeiros a petróleo
deitávamos-nos sobre uma velha secretária em madeira apodrecida
e rezávamos
como personagens de um livro de insónias sobre o divã da saudade
percebia que os teus olhos
os olhos meus contra a cortina de fumo que alimentava o eterno silêncio
desejo
desejando palavras indesejadas
como nós
havíamos um dia de recortar as imagens das nossas cartas perfumadas
e suspendê-las ou decalcá-las... ou simplesmente... queimá-las contras os vidros das janelas do Outono,

Havia um corpo ancorado ao teu
que confesso... nunca percebi a sua história de cadáver sem sonhos
voando entre as montanhas dos pássaros encarnados com telhados de vidro...
ouvia
ouvíamos os ossos do esqueleto incompleto das tuas coxas ranger como gonzos
durante a noite construída em mentiras
e falsas imagens
com legendas tridimensionais
incolores
sofredoras como os bancos de madeira onde nos sentávamos...
que coisa... esta nossa vida
de equação de Einstein...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Desisto quando percebo que todos os corpos são corpos

foto: A&M ART and Photos

Escondes-te do mar, dentro do mar, existe à tua volta um túnel hiperbólico, ausente do vento de nordeste, escavam-se na rocha as palavras por dizer, proibidas, emagrecidas, escondes-te e desces e desces e desces,
dentro do meu corpo,
Sou o teu hospedeiro, o eterno viajante, sem bagagem, sem luvas, e na algibeira, poucas, as migalhas de sílabas para matar a saudade de escrever, quando a vontade há muito foi embora, agora, ficou, tu, a ausência de pessoas, de beijos, a ausência de calendários, como que existissem nas paredes em ruínas das almas que vagueiam pela cidade, corações, amor, desilusão, poucas vezes me confesso no espelho junto ao contentor de lixo, uma vezes cheio, outras, ultimamente, vazio, penumbro, escuro, e fundo,
peço um copo com água e açúcar, fico estável, não saudável, hirto, consigo caminhar sobre a espuma nocturna dos desejos masculinos, pensões de vinte e cinco euros, escadas em madeira, terceiros andares, quartos andares, pessimamente, os sótãos, difíceis para quem sofre do reumático, e quando se alcança a janela que dá para um telhado de oxigénio, existo, perco o pouco fôlego e desisto quando percebo que todos os corpos são corpos, apenas carne, ossos, e desejos, e dos tais beijos, desisto, perco-me, subo e subo e subo... até abraçar o teu corpo infinito enrolado em rectas paralelas e círculos de luz, tenho olhos verdes, e tu dizes-me que sou tímido, não sei, talvez, a primeira vez senti um frio na espinha, quando percebi que o comboio vinha na minha direcção, acordei repentinamente, interrompi o sonho, e até hoje, procuro-o... apaixonei-me por ele, e pelas loucas locomotivas com paragem em Cais do Sodré, um dia, eu, percebi que quase morrias nas minhas mãos, apenas porque tinhas esquecido de encerrar os cortinados de lona dentro do caixote de madeira, subo, subo até dizer chega, por hoje, baste de sacrifícios, de loucuras, de tesões sem palavras, nada
Entre nós,
o mundo acabou?
E sempre me respondeste que o mundo não acaba, nunca, eterno, efémero, como as gargantas dos espelhos saltitando das roseiras metáforas que a tua boca transpira,
acabou, terminaram as filmagens das últimas cenas, o eterno fim quando lá do cimo, víamos, abraçados, mão com mão, lábio com lábio, o recomeçar de um novo mundo, novas carruagens, novos viajantes, estes, sem bagagem, sem papeis de parede nos quartos, e que melhor quarto para dois, três ou... quatro, amantes, do que uma parede em gesso forrada com frestas, um crucifixo sobre a cabeceira, duas almofadas perfumadas com picos de bafio e hálito a teia de aranha, a chuinga colada sobre a mesa-de-cabeceira, e os teus gemidos travestidos de noite
Vagueando eu,
sobre os jardins inconsolado da marginal, sóbrios, eu, débil e triste, a tua partida em partida, os pedaços da tua pele sobre o meu peito cansado, recordando cigarros e imaginando, um dia, ser também como tu,
Filho da noite, sou, comíamos, bebíamos...
vagabundo tu,
O mundo acabou?
eu, débil e triste, a tua partida em partida, os pedaços da tua pele sobre o meu peito cansado, recordando cigarros e imaginando, um dia, ser também como tu, uma mala de viagem dançando de mão em mão, dormindo de quarto em quarto, não ter dono, não ser de ninguém, caminhar e subir, caminhar e subir, e subir... e caminhar sobre as tuas nádegas de areia,
O mundo acabou? Filho da noite, sou, comíamos, bebíamos...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

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