segunda-feira, 25 de março de 2013

Cachimbos de Prata

pag. 465 (poema de Francisco Luís Fontinha – Cachimbos de Prata)


Um pedacinho de névoa
entranha-se na tua doce boca vestida de alecrim
e das algibeiras insónias madrugadas
acordam as imagens fictícias do orvalho incendiado pelo incenso doirado
olho-te vagarosamente no espelho mental das árvores danificadas
pelos ventos e tormentos que em ti navegam
perdidamente como uma gota de água
esquecida num banco de pedra debaixo de um plátano tresmalhado
e doente apaixonado
pelos orifícios indistintos do velho jardim
um pedacinho de névoa
entre os teus lábios narcisos e a tua língua rosa com pétalas de amor,

Oiço a tua mão voraz desenhando letras nocturnas
em nuvens de seda
oiço os teus gemidos transversais contra as paredes do velhíssimo relógio
suspenso no peito cansado e triste do homem das sete patas de madeira oca
oiço a voz rouca de um cachimbo de prata
saltitando
dançando
nas eiras graníticas das canções que a infância comeu
em pequenos torrões de açúcar
misturados com sílabas de céu estrelado
e sandes de marmelada
ao pequeno-almoço,

Pedia-te sossego e tu desaparecias de mim
dançando
saltitando
como um cachimbo de pedra adormecida pelas vagas contra os rochedos
dormíamos dentro dos ouvidos da praia
e antes de encerrarmos definitivamente os cortinados da Aurora Boreal
entrava em nós o Rossio vestido de gente
com mãos de noite
ouvíamos o rio nas catacumbas do amor
a pintar estrelas de luz
e luas de papel
e eu sabia que tu nunca mais irias regressar das salivas amargas do primeiro amor...


@Francisco Luís Fontinha

domingo, 24 de março de 2013

Fingidas tristezas

A&M ART and Photos

Fingias tristezas
no planalto imaginário das palavras incompreendidas
desenhavas as árvores e os arbustos que a despedida levou
quando regressou a tempestade de areia
e o teu corpo permanecia absorto ou morto ou simplesmente infinito,

Perdido nas íngremes amargas letras vermelhas
imagens a preto-e-branco projectavam-se-lhes como dentes de marfim
em crocodilos de madeira negra
húmida
também ela ausente da Primavera tarde que o silêncio amanhava,

E hoje
ninguém
coragem
ninguém o apanha do cinzeiro vestido de abelhas flutuantes
quando me escrevias insignificantes palavras desconexas,

Velhas
cansadas
mentiras de anda
como as madrugadas de cimento
e a marmelada caseira,

Minhas manhãs de nada
ou nada sabendo que não estás nas fingidas tristezas
de livros ou papel amarrotado como as lanternas da solidão
e que sim que simplesmente levitou
às mágoas uivas maçãs do prazer...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Um carrossel de vinho dentro de um corpo preguiçoso

Deixaste-me uma simples caixa de sapatos com alguns dos meus segredos, os poucos sonhos que sobejaram da grande viagem aos montes das pedras mortas, nenhum sobreviveu, nenhum conseguiu atravessar a ponte espacial, o famoso túnel de vento onde com o meu corpo, tu, experimentavas as leis aerodinâmicas, e nunca, nunca conseguiste que eu voasse, e confesso hoje, sem qualquer medo, que te mentia, porque nunca me imaginei a voar, mesmo quando me ias buscar ao sono das noites das madrugadas sem movimentos pendulares, olhavas-me, e eu
Percebia,
Que
Que um carrossel de vinho girava dentro do meu corpo preguiçoso, e sabia-o, sabia-o nas traições murchas palavras que as flores deixavam cair quando o vento era muito, regressávamos às tempestades de suor, e diziam-nos que o barco com asas de íris tinha mergulhado num buraco espesso, escuro, fundo, cinzento, que
Percebia,
Que este carrossel tinha cadeiras de madeira presas a correntes, que este carrossel rodava em torno de um veio de aço com duzentos e seis ossos, trinta e dois dentes de marfim, e um par de unhas de gel,
Irra? Vinte Euros por isso...
Compravas dois livros,
Mas mamã, com as unhas de gel fico lindona, e com os livros... quem me vai ver com os livros, e mamã... para que me servem os livros? O que eu preciso é de um homem rico, como o teu, que paga todas as nossas contas, Contas?
Sim, um, dois, três, quatro, cinco vezes três, vinte e cinco a dividir por três, o cosseno de três pi radianos..., ou que nos revolva a raiz quadrada de três mil quinhentos e quarenta e cinco, vês? Contas, o que nós precisamos são de contas pagas, com a respectiva factura, Factura?
Claro, factura,
E Fatura?
(Não, chinês não saber o quê fatura)
Numa simples caixa de sapatos, sonhos, berlindes, fotografias a preto-e-branco, bonecos, vestidos para os bonecos, tudo, tinha lá todos os meus pertences, e agora?
Nada, perderam-se as fotografias, agora são a cores, não gosto, odeio, e detesto,
Berlindes?
Rebuçados de água e açúcar, mangas ao final da tarde, chovia-nos no quintal porque a lona da tenda com alguns problemas de sonorização, e pelas ranhuras entram sons externos ao espectáculo,
Sons? Não era a chuva?
Também, também, e quando era em demasia transbordava da caixa de sapatos, e hoje, abro-a, e olho-a, e sinto (o famoso túnel de vento onde com o meu corpo, tu, experimentavas as leis aerodinâmicas, e nunca, nunca conseguiste que eu voasse, e confesso hoje, sem qualquer medo, que te mentia, porque nunca me imaginei a voar, mesmo quando me ias buscar ao sono das noites das madrugadas sem movimentos pendulares, olhavas-me, e eu), e sinto as cancelas da noite a encerrarem-se depois de ela me despir e deitar,
Eu sonhava,
Ela desesperava,
Eles,
Cruzavam os braços em direcção ao pôr-do-sol, e como o correio, só tínhamos pôr-do-sol duas vezes por semana, e quanto a marés, essas, apenas três ou quatro vezes por mês, e mesmo assim, éramos tão felizes, e mesmo assim éramos as gaivotas embalsamadas que, também elas, só apareciam dez vezes por semana, quando acordava o dia e quando a noite desaprecia
Em ti,
Como ainda hoje desaparecem todos os meus berlindes de chocolate, como ainda hoje
Em ti,
Barcos de papel perdem-se no oceano teus seios de amêndoa, flutuam como algas em desespero, levantam voo, abrem as asas, e caem sobre as madrugadas filhas dos cortinados de Inverno, barcos, perderam-se, no
Teus,
Oceano,
Seios de papel que as gotinhas da chuva deixam ficar sobre as pétalas mortas, eu inseria a moeda na ranhura, ele devagarinho começava a girar, e eu, aos poucos, sentia-me envergonhado, redopiava, e de vómitos suspiros, girava e girava e girava..., até que terminadas as voltas, e a duração da moeda, estonteante, cambaleava, e ela ia buscar-me ao sono das noites das madrugadas sem movimentos pendulares, olhavas-me, e eu
Percebia,
Que,
O carrossel tinha cessado os seus movimentos dentro do corpo dela., como o mar, quando desiste de viver e suicida-se contra os rochedos dos sexos recheados com insónia.


(texto de ficção não revisto; qualquer coincidência com a realidade é pura ficção)
@Francisco Luís Fontinha


P.S.
(mamã, parti uma unha..., ai minha filha, valha-nos Deus, valha-nos..., porque se ele descobre, se, amanhã, podes ter a certeza que estamos sentadas no passeio junto à Marilú, a pedirmos esmola, e depois, mamã, quem nos vai fazer as contas? Talvez, ai... valha-nos Deus, talvez nos apareça outro palerma bom em matemática).

sábado, 23 de março de 2013

Negros pontos de Solidão

foto: A&M ART and Photos

Roubaste-me a noite e os espelhos do meu quarto nocturno
transformas-te as luzes em pontos negros de solidão
suspensos em árvores de Primavera
e sempre que uma janela se abre
um cinzento silêncio entranha-se em ti,

Nunca percebi quem eras
e de que material eras constituída
nunca percebi se eras de pedra
ou de água sangrenta
dos rios doentes quando morre o luar,

Havia um cigarro suspenso no teu olhar
quando o comboio para Belém desprendia-se do Cais do Sodré
e navegava entre esplanadas e pasteis
e putas
e chavalhos endiabrados como cavalos de batalha,

Entravas na água salgada pelos ventos em rochedos de insónia
e um imaginário corredor de prata
sombreava-te as nádegas e as coxas e os seios
que a areia desenhava
e o mar engolia como morcegos dentro da gruta húmida da tempestade,

Havia sempre noite
e sabia-te ensanguentada nas mortalhas dos orgasmos infindáveis
que os poemas de AL Berto provocavam em nós
olhávamos o rio e os barcos e a outra cidade
quando se encolhia na neblina dos fins de tarde,

E os cigarros morriam nas flores dos jardins em plantio
às palavras pedíamos perdão
e sílabas de sabor adocicado como as mulheres que dançavam sobre as mesas da noite
desciam em cordas de suor
até encontrarmos os beijos prometidos...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Borboletas Mecânicas

Borboletas mecânicas incendiavam as fictícias manhãs de Domingo, ainda por descobrir, emagrecidas pelas janelas de ferro que o ferreiro plantou nas paredes da solidão na cidade dos esconderijos, ouviam-se-lhes as letras dissimuladas em bocas revoltadas, havia fome e havia candeeiros sentados em bancos de madeira, tínhamos descido das árvores onde passámos os últimos meses, confesso, que das borboletas não tinha medo, acordava a noite, e aí sim, elas pareciam loucas, voavam em círculos, e desenhavam quadrados e triângulos no silêncio das horas nocturnas, mas como eram de chapa zincada, resistiam, e quando batiam de raspão na parede de um prédio em ruínas, ouviam-se-lhes os ditongos metálicos da pedra contra o metal, acordávamos, pensávamos que tinham chegado os soldados com armas de paixão para nos protegerem, mas afinal
Aram apenas os sons metálicos das borboletas mecânicas, em flor, acabadas de nascer, e ainda mal percebiam os princípios da aerodinâmica, algumas, deitavam-se das árvores e batiam as asas e batiam, até se despenharem em pleno pavimento granítico das calçadas em frente ao Tejo, um rio que deixou de existir depois dos homens vestidos de negro terem invadido a cidade, e com uma pasta de couro, aos poucos, todas as plantas cessaram os seus movimentos nos jardins públicos e privados, e apenas uma ponte, também ela metálica, resistiu, e ainda hoje nos ouve, quando gritamos, quando acordamos, quando
É domingo,
Ainda não sabia o que eram crocodilos de areia, tinha uma vaga noção do que era o capim que tanto se falava em casa, mas dizer que tinha tido o prazer de deitar-me no chão, e descer uma ravina até ir de encontro a uma pedra ou a uma árvore, não, até então, nunca tinha tido essa estonteante experiência, mas pensava cá para mim
Um dia vou experimentar,
As borboletas tinham-se tornado inquietas, nervosas, e pareciam, não, não pareciam, eram, loucas, e os seus voos cada vez mais simples e em linha recta, como as linhas traçadas nas paredes pintadas de branco com a ajuda de um esquadro e de uma régua, simples, tão simples, que
À noite não podíamos sair de casa, elas vagueavam em desesperos e tínhamos medo dos golpes que as asas metálicas podiam-nos provocar no corpo desobediente, quente, que tínhamos de transportar até que chegava a manhã, e com ela, a claridade, e com esta, elas adormeciam
Acreditas em árvores de pêlo comprido?
Eles não vinham, já o sabíamos, e não era preciso grande alarido, porque sempre estivemos por nossa conta, sempre sós, como os furtados cocos dos coqueiros, não
Um dia vou experimentar, e experimentei, e bati com a cabeça numa tília com nervos em franja, rabugenta como uma galinha, que em vez dos afamados chás das cinco, não, preferia as drageias de carvão que o tio Augusto tinha trazido do antigo Congo Belga, atravessava-se o rio, e do outro lado, suspenso numa vespa, vagueava como um vadio, moribundo mendigo de quatro patas, como o outro, de areia, crocodilo desde os tempos do meu aparecimento no planeta terra, e um dia
De pêlo comprido?
Não,
E estúpidamente acreditava em árvores, e estas acreditavam em mim, que acreditavam em borboletas mecânicas, em pontes metálicas, em rios e cidades, e barcos,
E juro,
Nunca vi nenhum, não consigo descrevê-lo, parecem-me objectos difíceis, distantes, complicados, parecem-me pinturas de miúdos durante a noite, estes tais de barcos, e a bailarina parece-me triste, magoada, talvez cansada, talvez envergonhada, mas
Sim, Domingo,
(Ainda não sabia o que eram crocodilos de areia, tinha uma vaga noção do que era o capim que tanto se falava em casa, mas dizer que tinha tido o prazer de deitar-me no chão, e descer uma ravina até ir de encontro a uma pedra ou a uma árvore, não, até então, nunca tinha tido essa estonteante experiência, mas pensava cá para mim)
Um dia vou.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 22 de março de 2013

A Rua Dona Grande Solidão

A&M ART and Photos


Chegavas a casa, quando chegavas, e quantas noites desesperaste por mim, quando eu desfilava pelos passeios ornamentais com pedrinhas coloridas, um passeio artístico, com candeeiros de cartolina, junto a ele, as casas de madeira com corações de manteiga, algumas delas, com mais do que um andar, e poucas, com um sótão inclinado, onde, sabias-me perdido entre ondas de chocolate das paredes verdes que alimentavam as teias de aranha das tuas finíssimas mãos, tinhas medo do escuro, e tínhamos começado a construir durante as noites as famosas Rainhas da Rua Dona Grande Solidão, uma rua estreita, Débora, onde a pouca luz desaparecia como desapareciam as poucas moedas de escudo dos fundos bolsos das minhas calças de ganga, filha única, lavava-as à noite e manhã cedo voltava a vesti-las como se elas fossem calças de ganga
Mágicas,
Felizes elas que pensavam em mim,
E não tinham medo de adormecer debaixo da mesa, suspensas no cordel que eu utilizava durante as tardes para segurar o meu papagaio, e saboreando o calor da braseira, elas felizes, elas
Gosto muito delas, Fingia para com os meu amigos quando me confrontavam
Andas sempre com as mesmas calças, não tens outras?
Encolhia os ombros, e esperava que chegasses a casa, quando chegavas, e quantas noites desesperaste por mim, quando dentro da mochila apenas um par de calças de ganga, únicas, verdadeiras peças de arte, e já na altura
Mágicas,
Na altura felizes elas que pensavam em mim, felizes ás árvores de veludo, que de mão dada com os candeeiros de cartolina, e como eu amava a Rua Dona Grande Solidão, as alergias, das drageias, à água-de-colónia que ele trazia da feira da ladra, na altura, as ruas eram de areia pisada por pincéis de arame e guarda-fato com espelhos rabugentos, e quando olhávamos o mar, eles, transmitiam-nos apenas rochedos em decomposição física, e restavam-lhes apenas o espírito melancólico de uma noite sentado no gonzo esquerdo da maré de Maio, e Mágicas
Claro que Mágicas,
Muito elegantes até que eu entrasse vagarosamente nelas, depois, depois abria as asas, abanava-as e em pequenos movimentos ascendentes e descendentes, lembro-me
Lembras-te meu querido,
A levitar até chegar à janela do sótão, e ela, desesperava por mim, e dentro da mochila, farrapos, pedaços de papel, às vezes entrava em casa com o orvalho sobre os ombros, às vezes entrava em casa com os restos de cartolina dos candeeiros, da Rua
Eu amava a Rua Dona Grande Solidão, Lembras-te, meu querido, das paixões dos cubos de vidro onde nos sentávamos depois de...
Não percebi, desculpa?
Mágicas? O quê Mágicas? Não, Não me recordo de nada parecido com magia, espera, espera
Talvez mágico só as tuas coxas de xisto que o Douro engole quando os socalcos vomitam fragrâncias hélices de sons e cheiros,
Só, apenas essas magias que a tua mãe às vezes trazia para casa,
(tou, amor? Tou bem, cheguei bem, onde tou? Na biblioteca, e tu, também tou bem meu amor, e a menina, tá bem, minha querida), e de vez em quando ouvia-te pequenos gemidos a renascerem do teu interior mais secreto, mais escondido, mais impuro, agora deixou de existir a Rua Dona Grande Solidão, agora os poste de iluminação já não são de cartolina como naquela época, os passeios onde havia postes de iluminação as pedrinhas são apenas de uma cor, as casas deixaram de ser em madeira, sem sótãos, e as calçadas já não são de areia calcada pelos pesadíssimos embriagados homens da mochila cinzenta, onde lá dentro
Tinham, diziam, porque nunca vimos, pedras, papeis, restos de livros e
Dizem, porque nunca vimos
Traziam um par de calças de ganga, dizem eles que
O que diziam eles?
Que metiam a mão direita no bolso esquerdo e segundos depois aparecia a mesma mão direita no bolso direito, Pode lá ser!
A sério!
Dizem, dizem que eram calças Mágicas,
(amo-te)
(também eu meu amor)
(tou, amor? Tou bem, cheguei bem, onde tou? Na biblioteca, e tu, também tou bem meu amor, e a menina, tá bem, minha querida, tem saudades tuas, eu também, dá-lhe um beijo por mim), ele acredita em tudo que lhe digo
Até que tinhas umas calças que metias a mão direita no bolso esquerdo e segundos depois aparecia a mesma mão direita no bolso direito, formidáveis essas calças de ganga, meu amor, pois são meu querido, pois são...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha