A minha casa,
Quatro paredes em cartão, do fino, que é mais
chique, não tenho janelas para o mar, porque infelizmente ele vive
longe de mim, não tem telhado, felizmente para mim, porque às vezes
falta-me o ar e tenho grande dificuldade em respirar, ela, a minha
casinha, não tem mobílias luxuosas, e tirando a máquina de costura
Singer que herdei de uma bisavó que deve ter mais de setenta anos,
talvez mais
Nada a acrescentar, nasci longe e vim de longe, e
quando regressar, irei regressar para longe, talvez encontre outra
casinha modesta com esta, mas aqui
Não vou ficar mais,
Mas aqui falta-me o mar, os barcos em passeios
nocturnos quando terminavam as sessões das duas da madrugada, os
cinema recheados de gajos em desejo, às vezes sentiam-se-lhes os
gemidos entre as portas de madeira do Hall e a sala de fumo,
percebia-se pelo comportamento dos cigarros que havia um perfume de
mulher algures nos cortinados das janelas viradas para os telhados
adormecidos de uma cidade abandonada, mas lá eu
Tu lá eras feliz, tinhas sonhos, brincavas com
personagens invisíveis e desenhavas em todas as paredes da casa,
excepto na casa de banho, talvez por ser o único compartimento que
quase sempre estava ocupado, passavas tardes intermináveis a
construir vestidos para bonecos loucos, pegavas na agulha da tua mãe,
nas linhas, e dos tecidos
Lindos vestidos e quando te perguntavam o que
querias ser quando fosses grandes, algumas vezes respondias
NADA,
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
E afinal
E afinal não fui uma coisa nem outra, sou um homem
descomplexado, pobre, sem palavras, sem ideias, sem o amor vestido de
qualquer coisa, de morte
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
E
E afinal vivo numa casa com quatro paredes em
cartão, do fino, que é mais chique, não tenho janelas para o mar,
porque infelizmente ele vive longe de mim, não tem telhado,
felizmente para mim, porque às vezes falta-me o ar e tenho grande
dificuldade em respirar, ela, a minha casinha, não tem mobílias
luxuosas, e tirando a máquina de costura Singer que herdei de uma
bisavó que deve ter mais de setenta anos, talvez mais
Outras?
E
E ainda acredito nos olhos disfarçados em poemas, e
ainda acredito nos lábios com tonalidade de sílabas adormecidas,
como as rochas do amor, como os orifícios das portas com vista para
um corredor comprido, fino e escuro, onde
Brincam
Onde e
Barcas vestidas de barcos com âncoras de aço e
correntes em oiro, às vezes oiço-os masturbarem-se no tecto
embaciado do Domingo de prata, e do calendário ordinário com gajas
nuas que o sapateiro suspende todos os anos desde que começou a
trabalhar
Murcham as palavras do amor proibido, cansado do
azul sobre os joelhos com rosas amarelas, vestias-te de cinzento para
te confundirem com os candeeiros de silício amargurado que caem nas
noites de celibato, e os homens aproveitavam-se das tuas mãos para
roubarem o telhado da minha pobre casinha,
A trabalhar um pedaço de sola como o pão duro das
sobras que durante a noite dormem nos caixotes de luxo, e que muita
gente teima em apelidar de lixo, duro, robusto, sapatos de luxo para
exportação, e quem sabe
NADA,
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
E afinal
E afinal não fui uma coisa nem outra, sou um homem
descomplexado, pobre, sem palavras, sem ideias, sem o amor vestido de
qualquer coisa, de morte
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
De fatias de pão nasçam sapatos de luxo...
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha