terça-feira, 5 de fevereiro de 2013
blogue Cachimbo de Água em destaque
(A aritmética do amor)
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Sapo Angola
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
( )
Que o segredo acordava todos os dias pela madrugada,
vestia-se de negro, descia as escadas até à cave e abrindo uma
porta de madeira prensada, começava o enfezado caminho através dos
perpétuos corredores da morte, um labirinto de desenhos pintados com
lápis de cor e acrílico sobre tela de linho, rodeavam o tecto
fingindo o céu com as estrelas, as verdadeiras estrelas que a
loucura semeou nas varandas dos edifícios perdidamente apaixonados
pela cidade, muitos, muitos sucumbiam até derreterem-se, e via-os a
despirem-se e apenas ficava o líquido pegajoso de chocolate fora de
validade, passaram os anos, e todas as ligaduras que suspendiam as
cabeças de areia à velha janela, acordaram e quando se olharam ao
espelho da enfermaria, todas, gritaram
Agora somos pó,
Hoje, vivem eternamente prisioneiros dos aviões de
papel,
Gritaram e não abri a porta, fingi que dormia
profundamente, e quem do outro lado incessantemente procurava por
mim, acabou por desistir, como todos aqueles que me procuram
Agora somos pó,
Desistem, morrem, fogem durante a noite enquanto os
carris de aço dormem como flores de abelha nas esplanadas de mel,
queria pintar-me de preto, vestir-me de preto, construir umas asas de
mulher apaixonada com pele cremosa e suada, com cabelo curtíssimo,
corte tipo rapazola, e voar até que a morte nos separasse, e voar
(Gritaram e não abri a porta, fingi que dormia
profundamente, e quem do outro lado incessantemente procurava por
mim, acabou por desistir, como todos aqueles que me procuram),
E eu não sabia que o amor pode viver numa esquina
de um prédio em ruínas no centro da cidade, e eu não sabia que o
amor pode viver dentro de uma árvore de tecido com olhos verdes, ou
castanhos, ou mesmo azuis, porque eu sou um parvalhão e um
grandessíssimo estúpido, e não sabia que o amor vive e está em
todo o lado, e em cada esquina um poeta procura por palavras, porque
Eu não sabia
Agora somos pó,
Porque o amor é uma coisa esquisita, indefinida
(para mim, claro, que sou um grandessíssimo estúpido e parvalhão),
e eu não sabia que o amor pode ter asas, e voar, como os pássaros
que vejo todas as noites poisados sobre a mesa-de-cabeceira,
juntamente com o “Dentro do Segredo” de José Luís Peixoto, e
confesso, confesso que não sabia que o amor era isto, coisas, papeis
nas paredes da inocência, cabelos soltos no vento da manhã
saborosamente que uma caneta de açúcar vai escrevendo no relógio
de pulso do poema acabado de escrever, porque
Eu não sabia
Agora somos pó,
Porque eu não sabia,
Que todos, alguns, desistem, morrem, fogem durante a
noite enquanto os carris de aço dormem como flores de abelha nas
esplanadas de mel, queria pintar-me de preto, vestir-me de preto,
construir umas asas de mulher apaixonada com pele cremosa e suada,
com cabelo curtíssimo, corte tipo rapazola, e voar até que a morte
nos separasse, e voar, voar, e voar até à morte do poema,
Porque eu não sabia que o amor é tão simples com
a aritmética...
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
domingo, 3 de fevereiro de 2013
Madrugadas de areia
Desenho-te vezes sem conta
nos lençóis obscuros de púrpura
neblina
quando do cais dos teus seios de
infância
há barcos em silêncio
e ondas invisíveis no sorriso da tua
pele ornamentada,
Finjo que nunca te amei
como acredito que as árvores têm
palavras amigas
quando encosto o meu ouvido ao tronco
sólido sentindo o desejo
e a mágoa desajeitada das sílabas sem
papel nem tinta permanente
quando regressas a casa e finges que eu
não existo,
Não me importo
como nunca me importei
com o dinheiro
riqueza
casas com piscina,
Nada me faz feliz
a não ser
desenhar-te incessantemente nos lençóis
obscuros de púrpura neblina
quando do cais dos teus seios de
infância
há barcos em silêncio,
Há casas desabitadas
com telhados de vidro
há flores de cartolina com pincéis de
lábios de ti menina
menina dos sonhos de oiro
quando regressa a noite,
E finges que sou um livro sobre uma
mesa-de-cabeceira
louca como todas as mesas-de-cabeceira
trôpega como todos dos guarda-fato com
espelhos convexos
e dentes perplexos
como as bocas das cansadas madrugadas
de areia...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
O fim dos dias
O fim dos dias,
Ontem tinha a certeza que das poucas coisas que me
restavam eram estes poucos poeirentos livros, alguns antigos, mais
velhos do que eu, alguns até mais velhos que o meu pai, outros,
oferecidos por mulheres apaixonadas, outros, coisa nenhuma, apenas
amizades que prezo e sempre prezei, o mais importante da vida são os
amigos, claro que eu sou apelidado de louco e muitos irão pensar que
estou errado, outros, outros que tenho razão, e outros ainda, que
sou um parvalhão sem eira nem beira, e talvez o seja, e talvez não
E fico sempre assim, assim como? Assim, sempre que
assisto ao fim dos dias, assim como se eu fosse um vulto vestido de
sombra à procura de um espelho, olhava-me e via do outro lado alguns
arbustos e um pedaço de rio em relâmpagos cinzentos acabando por
despenharem-se nas raízes da paixão, como os limos, como os
orgasmos que voam entre quatro paredes, como eles, os toques
disponíveis no Facebook (servem para quê?), explicam-me que
Servem para não me ficar a dormir enquanto conduzo,
isto é, enquanto escrevo, que servem também para eu perceber que
estou vivo, ou
Para anunciarem-me o fim dos dias
Será?
Sim, o fim dos dias sem eira nem beira, oiço-os e
fico furioso quando me dão toques e quando respondo, não me
respondem, tal como a noite quando regressa, saio de casa, fecho
hermeticamente a porta de entrada, meto as chaves na algibeira, puxo
por um cigarro virtual, e
Fica dia,
Volto a meter o cigarro virtual na algibeira, volto
a tirar vagarosamente as chaves, abro a porta de entrada, entro em
casa, e
Fica novamente noite,
Desisto,
O fim dos dias,
(Manuseio-o e aprecio a beleza de um Cachimbo
construído pelo artesão João Reis, é lindo, e felizmente tenho um
entre mãos, manuseio-o e recorda-me os silêncios intermináveis das
noites em que eu ainda conseguia voar entre quatro paredes como os
orgasmos, ou com um pouco de sorte encontrar nas centenas de
poeirentos livros alguns com a tua dedicatória, possivelmente
existirá um, um apenas, como os toque que não servem para nada
A não ser,
A não ser proibir-me de adormecer enquanto
escrevo),
O fim dos dias, os vultos meus pintados no espelho
do guarda-fato, queria ficar sempre lá, como um prisioneiro
condenado a prisão perpétua, até que um toque me acordava e
libertava,
Abaixo as ditaduras e todos os ditadores deste
planeta, abaixo as paixões e os amores das flores carnívoras,
abaixo as janelas e as fotografias e os rios que dormem nas cidades
de vidro, abaixo os toque, os malditos toques que não servem para
nada, rigorosamente nada,
Como uma, apenas uma se existir, dedicatória num
dos meus velhos e poeirentos livros,
Na fogueira que cresce, se alimenta, e sorri, à
lareira
A tua lareira embrulhada em sonhos e quadradinhos de
chocolate, há palavras por dizer, e frases por escrever, e
O fim dos dias,
E
Sim, o fim dos dias sem eira nem beira, oiço-os e
fico furioso quando me dão toques e quando respondo, não me
respondem, tal como a noite quando regressa, saio de casa, fecho
hermeticamente a porta de entrada, meto as chaves na algibeira, puxo
por um cigarro virtual, e
E
(acabo de receber mais um toque “virtual”).
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
sábado, 2 de fevereiro de 2013
Cachimbos de Prata
Um pedacinho de névoa
entranha-se na tua doce boca vestida de
alecrim
e das algibeiras insónias madrugadas
acordam as imagens fictícias do
orvalho incendiado pelo incenso doirado
olho-te vagarosamente no espelho mental
das árvores danificadas
pelos ventos e tormentos que em ti
navegam
perdidamente como uma gota de água
esquecida num banco de pedra debaixo de
um plátano tresmalhado
e doente apaixonado
pelos orifícios indistintos do velho
jardim
um pedacinho de névoa
entre os teus lábios narcisos e a tua
língua rosa com pétalas de amor,
Oiço a tua mão voraz desenhando
letras nocturnas
em nuvens de seda
oiço os teus gemidos transversais
contra as paredes do velhíssimo relógio
suspenso no peito cansado e triste do
homem das sete patas de madeira oca
oiço a voz rouca de um cachimbo de
prata
saltitando
dançando
nas eiras graníticas das canções que
a infância comeu
em pequenos torrões de açúcar
misturados com sílabas de céu
estrelado
e sandes de marmelada
ao pequeno-almoço,
Pedia-te sossego e tu desaparecias de
mim
dançando
saltitando
como um cachimbo de pedra adormecida
pelas vagas contra os rochedos
dormíamos dentro dos ouvidos da praia
e antes de encerrarmos definitivamente
os cortinados da Aurora Boreal
entrava em nós o Rossio vestido de
gente
com mãos de noite
ouvíamos o rio nas catacumbas do amor
a pintar estrelas de luz
e luas de papel
e eu sabia que tu nunca mais irias
regressar das salivas amargas do primeiro amor...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Mentiras de porcelana com dentes de marfim
Parecíamos pássaros vestidos com casacos de aço
inoxidável e voávamos e voávamos, e voávamos como se lá fora
existisse um fio de silêncio que nos sufocava e víamos às vezes o
colar de pérolas da bruxa má, a mulher velha que vivia na cabana de
pedra com acesso ao destino, perguntávamos-lhe se um dia alguém nos
ia apanhar e cozinhar em chapas de alumínio com molho de rosas em
pétalas vermelhas, respondia-nos sempre a resmungar que
Parvalhões de pássaros que nunca aprendem que o
destino não existe,
E eu, e eles, elas, acreditávamos que sim, que o
destino não existia e era invenção de um velho a que toda a gente
chamava de Armindo e diziam as más línguas que era ele o
responsável pelo andamento do tempo, pois fazia-se passear durante a
noite com uma enorme manivela que servia para dar corda às
pesadíssimas roldanas de papel, os segundos transformavam-se em
minutos, e os minutos corriam de mão dada com as horas, depois,
muito depois as horas vestiam-se de dias, de semanas, meses, e anos,
à espera
Parvalhões de pássaros que nunca aprendem que o
destino não existe,
Que o amor acordasse numa janela de vidro sem
cortinados, apenas a preto e branco a imagem dela, a manhã móvel e
soalheira do ainda não acordado Sábado, tínhamos poesia e fatias
de pão com manteiga derretida nas palavras de ninguém, que o amor
acordasse, se transformasse em homem, se transformasse em mulher, se
À espera que dos parvalhões pássaros nasçam
parafusos de areia e beijos de cetim, e beijos de chita, e beijos com
beijos em beijos quando desce a noite e entra no púbis das mãos de
linho, a minha mãe passava tarde intermináveis a construir colchas
de renda, e eu, quando a apanhava distraída, roubava-lhe os novelos
de linha para os meus papagaios de papel, e voávamos e voávamos, e
voávamos como se lá fora existisse um fio de silêncio, um fio de
silêncio com hálito a renda floreada, lindas, belas, elas
As colchas de renda, voavam também elas como se
fossem papagaios à procura dos lábios da paixão, vivíamos
prisioneiros a uma cratera de tesão que o meteorito tinha deixado
nos nossos corpos flácidos, como as toalhas de linho da avó
Silvina, e elas
Se
À espera dos parvalhões pássaros,
Pássaros vestidos com casacos de aço inoxidável e
voávamos e voávamos, e voávamos como se lá fora existissem
madrugadas sem portas, como se lá fora existissem alvoradas sem
telhados, como se lá fora existissem dois pequenos corpos nas mãos
do velho Armindo, ele hesitava
Ou pego neles ou pego na manivela e dou andamento ao
tempo, curiosamente nós também não sabíamos, e ela dizia-me que
tudo era culpa de Einstein, e eu
Enquanto fumava cigarros com sabor a chocolate não
percebia o que tinha Einstein a ver com o que se tinha passado
connosco, mas fingia acreditar, como finjo acreditar em tudo aquilo
que me dizem, que me disseste, e dizes
Mentiras de porcelana com dentes de marfim, não
importa, um dia voltarás como voltam os pássaros, todos os anos,
vestidos com casacos de aço inoxidável, voltarás um dia, a não
ser que
O velho Armindo deixe de dar à manivela e o tempo
cesse em nós como cessaram todos os desejos de todas as palavras,
como cessaram todas as árvores e todos os rios, e lá fora, ao
longe, uma fragata de pano voa como voávamos antes de chegarem as
amendoeiras em flor, ao longe, muito longe, como cessaram as lâminas
de pele húmida com gotinhas de suor, se os
Parvalhões dos pássaros aprendessem que o destino
não existe,
Tínhamos os casacos mais pesados da cidade, e
ninguém ao regressarmos do dia para vermos, aos poucos, erguer-se a
noite entre os mastros de madeira com as velas de pano amarrotado,
sujo, levemente cintilante como as lâmpadas das escadas que nos
levavam até ao telhado, sentávamos-nos sobre as telhas invisíveis
e falávamos com a lua de prata que sombreava as minguas mãos dos
vagabundos esquecidos sobre as lareiras de vidro, tínhamos os
casacos mais pesados da cidade, e ninguém
“Pesadíssimas roldanas de papel, os segundos
transformavam-se em minutos, e os minutos corriam de mão dada com as
horas, depois, muito depois as horas vestiam-se de dias, de semanas,
meses, e anos, à espera
Parvalhões de pássaros que nunca aprendem que o
destino não existe,”
Ninguém queria saber de nós; de mim, de ti, deles,
delas, dos pássaros e dos casacos de aço inoxidável.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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