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Que o segredo acordava todos os dias pela madrugada,
vestia-se de negro, descia as escadas até à cave e abrindo uma
porta de madeira prensada, começava o enfezado caminho através dos
perpétuos corredores da morte, um labirinto de desenhos pintados com
lápis de cor e acrílico sobre tela de linho, rodeavam o tecto
fingindo o céu com as estrelas, as verdadeiras estrelas que a
loucura semeou nas varandas dos edifícios perdidamente apaixonados
pela cidade, muitos, muitos sucumbiam até derreterem-se, e via-os a
despirem-se e apenas ficava o líquido pegajoso de chocolate fora de
validade, passaram os anos, e todas as ligaduras que suspendiam as
cabeças de areia à velha janela, acordaram e quando se olharam ao
espelho da enfermaria, todas, gritaram
Agora somos pó,
Hoje, vivem eternamente prisioneiros dos aviões de
papel,
Gritaram e não abri a porta, fingi que dormia
profundamente, e quem do outro lado incessantemente procurava por
mim, acabou por desistir, como todos aqueles que me procuram
Agora somos pó,
Desistem, morrem, fogem durante a noite enquanto os
carris de aço dormem como flores de abelha nas esplanadas de mel,
queria pintar-me de preto, vestir-me de preto, construir umas asas de
mulher apaixonada com pele cremosa e suada, com cabelo curtíssimo,
corte tipo rapazola, e voar até que a morte nos separasse, e voar
(Gritaram e não abri a porta, fingi que dormia
profundamente, e quem do outro lado incessantemente procurava por
mim, acabou por desistir, como todos aqueles que me procuram),
E eu não sabia que o amor pode viver numa esquina
de um prédio em ruínas no centro da cidade, e eu não sabia que o
amor pode viver dentro de uma árvore de tecido com olhos verdes, ou
castanhos, ou mesmo azuis, porque eu sou um parvalhão e um
grandessíssimo estúpido, e não sabia que o amor vive e está em
todo o lado, e em cada esquina um poeta procura por palavras, porque
Eu não sabia
Agora somos pó,
Porque o amor é uma coisa esquisita, indefinida
(para mim, claro, que sou um grandessíssimo estúpido e parvalhão),
e eu não sabia que o amor pode ter asas, e voar, como os pássaros
que vejo todas as noites poisados sobre a mesa-de-cabeceira,
juntamente com o “Dentro do Segredo” de José Luís Peixoto, e
confesso, confesso que não sabia que o amor era isto, coisas, papeis
nas paredes da inocência, cabelos soltos no vento da manhã
saborosamente que uma caneta de açúcar vai escrevendo no relógio
de pulso do poema acabado de escrever, porque
Eu não sabia
Agora somos pó,
Porque eu não sabia,
Que todos, alguns, desistem, morrem, fogem durante a
noite enquanto os carris de aço dormem como flores de abelha nas
esplanadas de mel, queria pintar-me de preto, vestir-me de preto,
construir umas asas de mulher apaixonada com pele cremosa e suada,
com cabelo curtíssimo, corte tipo rapazola, e voar até que a morte
nos separasse, e voar, voar, e voar até à morte do poema,
Porque eu não sabia que o amor é tão simples com
a aritmética...
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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