O fim dos dias,
Ontem tinha a certeza que das poucas coisas que me
restavam eram estes poucos poeirentos livros, alguns antigos, mais
velhos do que eu, alguns até mais velhos que o meu pai, outros,
oferecidos por mulheres apaixonadas, outros, coisa nenhuma, apenas
amizades que prezo e sempre prezei, o mais importante da vida são os
amigos, claro que eu sou apelidado de louco e muitos irão pensar que
estou errado, outros, outros que tenho razão, e outros ainda, que
sou um parvalhão sem eira nem beira, e talvez o seja, e talvez não
E fico sempre assim, assim como? Assim, sempre que
assisto ao fim dos dias, assim como se eu fosse um vulto vestido de
sombra à procura de um espelho, olhava-me e via do outro lado alguns
arbustos e um pedaço de rio em relâmpagos cinzentos acabando por
despenharem-se nas raízes da paixão, como os limos, como os
orgasmos que voam entre quatro paredes, como eles, os toques
disponíveis no Facebook (servem para quê?), explicam-me que
Servem para não me ficar a dormir enquanto conduzo,
isto é, enquanto escrevo, que servem também para eu perceber que
estou vivo, ou
Para anunciarem-me o fim dos dias
Será?
Sim, o fim dos dias sem eira nem beira, oiço-os e
fico furioso quando me dão toques e quando respondo, não me
respondem, tal como a noite quando regressa, saio de casa, fecho
hermeticamente a porta de entrada, meto as chaves na algibeira, puxo
por um cigarro virtual, e
Fica dia,
Volto a meter o cigarro virtual na algibeira, volto
a tirar vagarosamente as chaves, abro a porta de entrada, entro em
casa, e
Fica novamente noite,
Desisto,
O fim dos dias,
(Manuseio-o e aprecio a beleza de um Cachimbo
construído pelo artesão João Reis, é lindo, e felizmente tenho um
entre mãos, manuseio-o e recorda-me os silêncios intermináveis das
noites em que eu ainda conseguia voar entre quatro paredes como os
orgasmos, ou com um pouco de sorte encontrar nas centenas de
poeirentos livros alguns com a tua dedicatória, possivelmente
existirá um, um apenas, como os toque que não servem para nada
A não ser,
A não ser proibir-me de adormecer enquanto
escrevo),
O fim dos dias, os vultos meus pintados no espelho
do guarda-fato, queria ficar sempre lá, como um prisioneiro
condenado a prisão perpétua, até que um toque me acordava e
libertava,
Abaixo as ditaduras e todos os ditadores deste
planeta, abaixo as paixões e os amores das flores carnívoras,
abaixo as janelas e as fotografias e os rios que dormem nas cidades
de vidro, abaixo os toque, os malditos toques que não servem para
nada, rigorosamente nada,
Como uma, apenas uma se existir, dedicatória num
dos meus velhos e poeirentos livros,
Na fogueira que cresce, se alimenta, e sorri, à
lareira
A tua lareira embrulhada em sonhos e quadradinhos de
chocolate, há palavras por dizer, e frases por escrever, e
O fim dos dias,
E
Sim, o fim dos dias sem eira nem beira, oiço-os e
fico furioso quando me dão toques e quando respondo, não me
respondem, tal como a noite quando regressa, saio de casa, fecho
hermeticamente a porta de entrada, meto as chaves na algibeira, puxo
por um cigarro virtual, e
E
(acabo de receber mais um toque “virtual”).
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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