segunda-feira, 27 de julho de 2015

Quarto cinzento


Vivo imaginando corvos poisados neste quarto cinzento,

Sinto ao longe os barcos em círculos atravessando a tempestade,

Esta cidade morre como morreram todas as flores do meu jardim,

E mesmo assim…

Não me apetece escrever neste lugar sem nome,

Não vejo as estrelas,

Perdi a noite

E os andaimes da escuridão,

Perdi a paixão,

Deixei de ter o rio nas minhas veias,

As calças cresceram,

Pertencem a outro arbusto,

 

E estou aqui… como um rochedo,

Perdido,

Vestido de medo,

 

Sentado numa cadeira invisível.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Porto, 27/07/2015

domingo, 26 de julho de 2015

As máscaras da noite


Cessem todas as luzes da madrugada,

Rasgam-se as palavras na fogueira da tristeza,

Tens na cama as amarras infinitas da dor,

Oiço-te,

Imagino-te brincando na eira junto ao mar,

As flores,

Emagrecem no silêncio do vento,

Fingem a Primavera os cortinados da noite,

E deixas de ter noite,

O relógio que transportavas no pulso

Habita hoje nesta cidade de lápides,

E o teu rosto é um plátano sem vida…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

26-07-2015

Poço da paixão


Quatro quadrados aprisionam esta janela,

Um pedacinho de medo algures no esconderijo da saudade,

Trocava os quadrados por círculos de prata,

Vestia-me de mendigo,

De lata na mão,

Pedia solidão,

Trocava todos os meus livros por silêncio,

E enterrava as minhas palavras no poço da paixão…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Porto, 26-07-2015

Carta a uma amante

Vivíamos na sombra branca do hemisfério da loucura, sentia-te dentro do meu corpo, brincavas, imaginavas coisas, escrevias no meu pensamento,
- Deixa-me,
Não me conhece, sou um estranho com um coração em granito, sou um poço abstracto no fogo das borboletas, e esqueceu o meu nome
O amor,
- Deixa-me,
O meu nome penhorado a uma certa madrugada, fugiram as estrelas, as ruas, os nomes das ruas…
Ai o amor,
- Deixa-me…
O amor embaciado nas vitrinas esquecidas, os lábios do amanhecer pincelados de desenhos, luzes, o circo, o palhaço, o secreto poço-da-morte,
Perdoa-me, deixa-me navegar nos teus braços, deixa-me abraçar-te, beijar-te, e escrever no teu olhar
Amo-te,
- Deixa-me,
Amanhã o deserto crucificado pela neblina, o sono infinito nas águas salgadas, desfalecendo na tempestade, ai o amor, o triste amor, os cansados automóveis no enigmático corredor da roleta,
Cinco,
“Caralho… tinha o seis”…
Tudo,
Ai o amor,
Perdi,
Naquela noite sabíamos que a despedida era um rochedo embriagado, um barco ancorado, um magala engolido por um mochila recheada de pedras,
Sentido!
Sentido nenhum, palavra alguma, a janela parece uma gaivota envenenada pelo sol da madrugada, minto, finjo, e sinto-me
O algodão sangrento dos plátanos em dor, as pedras da calçada,
Calcinadas,
E sinto-me,
- Deixa-me,
Um abutre saltitando nos Oceanos fotográficos da solidão, calcinadas, as pedras da calçada, e sinto-me, um Cacilheiro enfeitiçado, uma lâmpada melancólica, uma âncora segurando os dias, as noites, as tardes,
Calcinadas,
Frágeis,
As tardes encharcadas, húmidos corpos de naftalina, olhar franzino, esqueleto em xisto, boca com acesso à cave,
Vende-se,
- Deixa-me… nesta lata,
Um abutre, frágeis e calcinadas, as manhãs, as estradas, e todas as palavras…
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
26/07/2015


sábado, 25 de julho de 2015

Corredor da morte


Sinto em cada porta uma lágrima,

O grito dos cadáveres em cartolina cinzenta…

Embrulhados nas estrelas,

É tão pequeno o Universo,

É tão insignificante a vida,

E todas as palavras que escrevi,

Em vão…

Odeio esta cidade em ruínas,

E todos os barcos acorrentados a este edifício,

Sinto em cada porta uma árvore em direcção à morte,

Sinto em cada porta numerada...

Um marinheiros sentado à janela,

A luz ténue da esperança cessa em cada mão,

A noite não regressará mais a este corredor,

E a madrugada…

Um palhaço em vidro,

Um circo desesperado,

No medo,

No infinito coração das pétalas adormecidas,

Vagueio,

Deambulo como um soldado envergonhado,

Sem espingarda…

E há sempre em mim uma triste Calçada.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

IPO – Porto, 25 de Julho de 2015