quinta-feira, 9 de abril de 2015

As sanzalas de areia


O texto reflectido no espelho da saudade

Subíamos ao cimo da montanha

Perdidos

Saltávamos as pedras e os vultos

Que alimentavam a montanha

A luz iluminava-nos

E ficávamos transparentes

Como a água

Que descia os socalcos do desejo

Tínhamos a noite

Habitada pelo medo

A separação ambígua do silêncio

As armas apontadas aos teus olhos

A caneta em fúria

Disparando palavras

Que só a tua pele conseguia absorver

Não havia entre nós

Muros

Sanzalas de areia

Mar

Caixotes em madeira

O barco

Deslizava nos teus seios de orquídea selvagem

Dormíamos nas campânulas da solidão

Dizíamos que um dia

Um electrão

Apareceria nas nossas mãos

Nem protão

Nem…

O barco

Ferrado no sono da madrugada

Acorrentado às trincheiras da paixão

Que pela manhã

Acordava

Acordavas

Eu acordava

Ele acordava

E não dávamos conta

Que o dia tinha terminado

A morte dos fantasmas

Na sala crucificada pela ausência

A minha

Tua

Os pesadelos viajavam de cidade em cidade

A bagagem secreta dos lábios de prata

Escondida numa ribeira abandonada

A carta

Não regressava

E havia no teu corpo sílabas de chocolate

Inventando homens e mulheres

Brincando no jardim junto ao rio

Nunca percebi o mecanismo dos relógios

E dos aceleradores de partículas

Nunca percebi que amar…

Não percebo

Não sei

O significado das palavras

E dos livros

Sobre a mesa-de-cabeceira

Em lágrimas de crocodilo…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 9 de Abril de 2015

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Rossio


Não sei a cor dos teus olhos

Meu amor

Simplifico-me em vãs palavras

Para

Definir o silêncio da tua alma

Ignorar as canções de amor

Porque lá fora

No quintal

Percebes

Meu amor?

O fugitivo menino

Em calões

 

Puxando um triciclo de sombra

Na cabeça tinha os sonhos

Tantos

Meu amor

O amor enlouquece as pessoas

Enlouquece-te

Quando

À noite

Somos apenas dois pontos de luz

Sós

Dois

Apenas

 

Meu amor

O corpo manchado de sangue

O livro ensonado

Meu amor

Sós

Dois

Eu e

Tu

Rectas, círculos e matrizes compostas

Diferencias

Meu amor

Diferencias de esperma

 

Voando num quarto de hotel

Lisboa á uma prostitura

Bela

Tão

Bela

Meu

Amor

Tão bela

Meu amor

Amor

Rasurados cansaços

Quando abrias os braços

 

Determinavas a raiz quadrada do desejo

E

Nada

Meu amor

Um conjunto vazio


Sós

E

Madrugadas nos teus braços

Janelas de luz

Entrando quarto adentro

O estremunhar da ausência

 

Os poemas declamados

Pelos infelizes esqueletos de prata

Salgada

A tua boca

Imaginada

Meu amor

Madrugada

Fim

Quatro versos

Falta um

Rossio

Madrugada…

 

Francisco Luís Fontinha – Açijó

quarta-feira, 8 de Abril de 2015

terça-feira, 7 de abril de 2015

Peneireiro


Desisto

Não o sei

Talvez não

O

Faça

O corpo sente o peso da lua

A alma é sentida pelas palavras do poeta

Aspas

Ó verso

Demorado

E cansado

Perdido na floresta dos teus seios

 

Saber que Deus vive dentro de ti

E eu um Ateu

Amo-te?

Narciso de capim…

Mangueira assombrada

Palmeira papiro dos alicerçados abraços

No chão

As lágrimas

Tuas

Eis a literatura

Nas coxas da poesia

Desculpem o atraso

 

Mas… o amor é assim…

Peneireiro

Sisudo

Rabugento

Às vezes

Na noite

Sem ti

Despedindo-se das coisas belas do silêncio

A maré some-se

Gritas pelo Gavião

Choras

E alimentas-te de ti…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 7 de Abril de 2015

As armadilhas do sonho


Beijos

Enamoradas tertúlias

Nas mãos de uma andorinha

Os lábios da madrugada

Voando sobre o infinito adeus

A liberdade conquistada

Do vento

No meu cabelo

Branco

Ou

Cinzento

Os beijos

Nos beijos

Das tílias

E dos amarelos muros da insónia

Uma calçada em desespero

Um rio acabado de suicidar-se

Contra os rochedos da infância

O cais

O menino que acena ao barco de papel

Com janela de luz

As cordas que aprisionam o barco

Laças

Murchas

Sem força para atravessarem a ponte

E o marinheiro enrugado

Bebendo shots de uísque

E fumando cigarros

O carteiro envenenado

Pelas falsas cartas de amor

Pelos falsos corações

E do perfume

As algemas do silêncio

O medo

Amar

Não amar

Morrer

Ou…

Morrer

Sem ser amado

O enforcado transeunte adormecido na escuridão do teu corpo

A tertúlia dançando dentro do teu ventre

Em aventuras

Loucas

Como as insignificantes armadilhas do sonho

Acordar

E

Nada

Ninguém

Ou

Ou alguém

Recordando as tardes junto ao Tejo

(Beijos

Enamoradas tertúlias

Nas mãos de uma andorinha)

O embriagado soldado

Cambaleando contra as tristes avenidas do sofrimento

Sinto-o

Ainda

Ao deitar

Não me ouves meu amor

Nem sequer sei o teu nome

Nem se és de vidro

Madeira

Sombra

Verniz

Ou

Nada

Ninguém

Apenas uma imagem

Acorrentada aos sais de prata

E amanhã… e amanhã saberei quem és…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 7 de Abril de 2015

segunda-feira, 6 de abril de 2015

O covarde triângulo da paixão


Podia ser rico

Ter gajas boas

Mas gosto de livros

E de gajas

Podia ter

As gajas e os livros

E ser rico

Não

Assim não

Gosto do meu cão

Mas

Não

 

Os cães são um poço de tristeza

Um morre de nada

E o outro

Velho

Em fuga no dia do seu aniversário

Podia ter uma casa

Um carro

Mas

Não

Apenas uma cabana sustentava o meu desejo

Uma gaja boa

E dispensava o carro

 

Prefiro um burrinho

Calminho

Que seja poeta

E escreva palavras na nossa vidraça

Amo-te

Amei-te

Não

Sei

O burrinho dançando no quintal das palavras

E as palavras comidas

Pela minha gaja

Não

 

Tenho

Pressa do teu sorriso

Mas vejo nos teus olhos

As searas húmidas do desejo

O poeta

Burrinho

Acariciando a tua mão

Tão querido

Eu?

O burrinho?

Não parvalhão…

Tu

 

Meu

Amor

A viagem de fim-de-semana

As casas ruidosas na penumbra madrugada

A vaidade de uma rosa

Masturbando-se nas salinas do cansaço

Troce-se

Verga-se sobre as almofadas do desenhado orgasmo

E

Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii…

Chove lá fora

Imagino-me vestido de poema

 

Nos lábios do burrinho

Fiel amigo

Companheiro

Podia ser rico

Ter gajas boas

Mas gosto de livros

E de gajas

Podia ter

As gajas e os livros

E ser rico

Não

Assim não…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 6 de Abril de 2015