Havia o corredor de silêncio quando ela se vestia
de palavras e caminhava, corria, caminhava, corria até que aos
poucos, devagarinho, as luzes suspensas no tecto falso, ensurdeciam,
enlouqueciam, e do vermelho abrupto sussurro das transversais linhas
com poemas de areia, voavam, voavam até desaparecerem no final do
corredor, a mulher, desesperava-se com a lentidão dos relógios e
dos calendários, os dias tinham parado, e as horas e os minutos e os
segundos,
Enlouqueciam como as lâmpadas de halogênio que
vieram de regresso da plataforma número três com carris de xisto,
socalcos mergulhavam na sombra do Douro, homens e mulheres, comendo
sandes mal passadas, pedaços de pão, chouriço, e claro, vinho, com
a água que Deus envia de vez em quando, e por incrível que pareça,
misturam-se, abraçam-se
Como dois amantes, loucamente entrelaçados, sós,
eles, tal com Deus os desenhou nas ardósias húmidas das tardes sem
Primavera, lá dentro, o palheiro vazio, uma cama nua e despida de
preconceito, mistura-se-lhe nas pequenas mãos de linho, o algodão
transpira na camisa adquirida num estilista famoso que o cigano André
vendia a cinco Euros, e num dos cantos do palheiro, pequenas
palhinhas de desejo a iluminarem os espaço prestes a ser inaugurado
entre dois sexos vazios, dois sexos que partilham cada milímetro de
sombra que desce do tecto com ripas de madeira, eles amam-se e
misturam-se-lhe das grandes asas do ciúme
Adeus meu querido,
Amo-te,
E havia o corredor, sem portas nem janelas, apenas
com um tecto falso, baixo, a luz fingia-se viva quando todos
sabíamos que as lâmpadas de halogênio estavam mortas, como mortas
estavam as frases inscritas nas paredes de gesso, e havia
Alegria muita alegria, felizes todas e elas, felizes
as flores e eles, felizes, felizes, não felizes,
Aposto tudo em
Não felizes,
Mais ninguém aposta? Vou lançar os dados, e...
Ganhou
Ganhei, ganhei, não felizes, palpitava-me, sabia-o
como sempre soube desde que nasceu este pequeno monstro com braços
de aços e esqueleto laminado a frio de uma liga de carbono e ferro,
e às vezes, uma pequeno dor de coluna, que quando saia de casa e se
queixava, ouvia a dona Amélia
Ai vizinho, esse chiadouro nas cruzes, até parecem
dobradiças com insónias,
E
Não
Eram,
Qual insónia?
Sabes, meu querido? Não, como posso saber se não
me disseste o que era,
Medo,
Tens medo, medo de quê?
Do amor, da paixão, e das loucas gaivotas quando
devoram o mar durante a noite, enquanto dormimos, desculpa, enquanto
eu durmo, tu nunca dormes, porque tu não existes, porque tu,
Sou um corredor do corredor de silêncio quando ela
se vestia de palavras e caminhava, corria, caminhava, corria até que
aos poucos, devagarinho, as luzes suspensas no tecto falso,
ensurdeciam, enlouqueciam, e do vermelho abrupto sussurro das
transversais linhas com poemas de areia, voavam, voavam até
desaparecerem no final do corredor, a mulher, desesperava-se com a
lentidão dos relógios e dos calendários, os dias tinham parado, e
as horas e os minutos e os segundos, e eu, e ele, e todos os nossos
móveis deixavam de fazer sentido, pareciam velhos, e não o eram,
pareciam vermelhos, e eram azuis, tinham o Céu desenhado com
estrelas de chumbo, e não tinham nada, afinal não era o Céu, nem
as estrelas, nem o chumbo, apenas a humidade no tecto devido às
infiltrações do vizinho de cima, por baixo de nós vivia um casal
de submarinos, também eles, velhos e sós, também eles, estátuas
onde pássaros mal educados cagavam sobre as deles pobres cabeças de
bronze
Nunca quis ser estátua,
Nem altar onde se ajoelhassem mulheres a rezarem, a
pedirem-me coisas, e pergunto-me
O que teria um desgraçado de um desempregado para
oferecer?
Por favor
Procurar outro santo,
Porque eu,
Desisto,
Porque eu
Não estou disponível para negociações, porque eu
Nada
Nunca,
Porque meu querido
AL Berto
E companhia limitada,
Se o Pacheco estivesse vivo
Di-lo-ia
Amigos, estamos todos fodidos e mal pagos.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha